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A infância recomeça nos abrigos em Teresópolis

Entre pilhas de donativos, crianças aprendem, junto com os adultos, a conviver com a dor da perda de parentes e da mudança forçada de vida

Por Cecília Ritto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 jan 2011, 16h14

“Ainda tenho muito brinquedo na minha casa, mas tá tudo em perigo. Meu pai vai pegar de pouquinho em pouquinho”, afirma, confiante, o pequeno Erick

Os passos de dois meninos e o barulho da bola ecoam no ginásio Pedro Jahara, o Pedrão, em Teresópolis. O jogo, com bola doada, ocorre entre pilhas de donativos arrecadados para as vítimas da chuva na cidade. No sexto dia longe de casa, os pais já não escondem de Leone, 9 anos, que ele perdeu todos os brinquedos na enxurrada do dia 12. “Antes tinham um quintal grandão em casa. Não sobrou nada”, conta o menino, que passou a morar com outras 21 pessoas numa pequena casa, de uma tia. O parceiro no jogo é um primo de 6 anos. “Ainda tenho muito brinquedo na minha casa, mas tá tudo em perigo. Meu pai vai pegar de pouquinho em pouquinho”, afirma, confiante, o pequeno Erick.

São as crianças a alegria de quem convive com o frenético movimento de caixas, roupas, comida e brinquedos no Pedrão. O ginásio no centro de Teresópolis tornou-se uma espécie de ‘pulmão’ dos sobreviventes, concentrando a maior parte das doações que, desde o dia seguinte ao maior desastre natural do Brasil, começaram a se acumular. As necessidades são muitas, e, apesar de todas as incertezas, um artigo que transborda dos paredões do ginásio é esperança.

Carla Pimentel, empregada doméstica de 24 anos, tinha uma casa simples, alguns móveis, um guarda-roupa, televisão e tudo o que precisava para cuidar da filha, Maria Eduarda, de sete meses. Em segundos, a casa e o trabalho de toda uma vida deixaram de existir na montanha de lama que engoliu muitas das famílias onde morava. Com lágrimas nos olhos, Carla não chora as perdas, mas a emoção de ter salvado a filha quase por acaso – ou por milagre. “No dia da chuva, levantei para dar de mamar e percebi que estava tudo alagado. Ai começou a derrubar tudo. Joguei a minha filha pela janela para o vizinho segurar. Ela batia palma e ria no meio da confusão”, lembra Carla.

Com brinquedos que chegam entre os donativos, crianças passam o tempo no ginásio Pedrão
Com brinquedos que chegam entre os donativos, crianças passam o tempo no ginásio Pedrão (VEJA)
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Teresópolis tem, oficialmente, 960 desalojados (pessoas que perderam a casa mas têm onde ficar) e 1.280 desabrigados (aqueles que dependem de um teto do poder público). O número oficial do governo do estado sobre pessoas que perderam as casas é de 13.830, mas não estão computados ainda os que terão de sair por risco de novos deslizamentos e a situação nas cidades menores, onde não houve mortos. Bom Jardim, a 25 quilômetros de Friburgo, tem cerca de 500 pessoas sem casa.

Na região serrana, onde a contagem de corpos da manhã desta sexta-feira chegava a 678, é difícil encontrar quem não tenha perdido um parente, um amigo, um vizinho. E administrar esse tipo de sentimento, algo doloroso para os adultos, há uma semana é mais uma dificuldade para as crianças. Aos 5 anos, João da Silva Pereira ainda não entende que a família está sem ter onde morar e que a irmã de 6 anos morreu no desastre. Com uma caixa quase do seu tamanho, uma pista de carrinhos de corrida que mal conseguia segurar, João puxava conversa com policiais militares no Pedrão, na tarde de segunda-feira. “Meus outros brinquedos estão em casa”, diz João sem saber que aquele era será, por algum tempo, seu único brinquedo.

No colo da mãe, Rykelme do Carmo Araujo, de 2 anos, conta como foi o momento em que, com a casa prestes a desabar, pediu ajuda. A sua mãe, Pâmela Araujo, 18 anos, sugere que ele conte como se virou. “Gritei socorro”, conta o menino. “Para quem?”, pergunta Pâmela: “Socorro Jesus”, responde Rykelme, que perdeu o padrasto, a quem chamava de pai, no desmoronamento. “Um dia ele sonhou com ele. Eu disse que ele iria voltar”, explica Pâmela, ela própria ainda aprendendo a conviver com a perda.

Os irmãos Pedro e Rodrigo trocaram as férias em casa pela rotina no voluntariado
Os irmãos Pedro e Rodrigo trocaram as férias em casa pela rotina no voluntariado (VEJA)
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Cauã do Carmo Araujo, de 7 anos, é primo de Rykelme e estava na mesma casa na hora da enchente. A única coisa que cobra é a presença de três primas, uma de 15, outra de 5 e uma de 3 anos. Todas mortas.

Medo de saques – No abrigo da igreja batista de Teresópolis, Peter Peixoto, de 11 anos, mostra-se chateado. Seu pai não quis acompanhá-lo ao alojamento com temor de que a casa condenada pela Defesa Civil seja saqueada. “Eu pedi para ele sair. Mas meu pai não quer. Tenho medo que ele morra porque a casa está rachada e tem dois pedregulhos que podem cair a qualquer momento”.

A família dos irmãos Maria Eduarda, de 4 anos, e de Marcos Vinicius Medeiros, de 8, foi mais obediente. “O homem mandou sair de casa. Está perigoso lá”, diz Marcos. Os dois compartilham histórias sobre como é – ou como era – a vida em casa com a mais nova amiga, Jamile da Silva, de 5 anos, que também morava em uma área condenada devido ao risco de deslizamento. “Ia cair água lá em casa. Não sei se caiu. Eu quero voltar para lá porque é onde está a minha amiga Esther”, explica.

Nem todas as crianças estão nos abrigos e nos centros de distribuição para brincar. Na Igreja Metodista de Teresópolis os irmãos Pedro e Rodrigo Pereira, de 12 e 10 anos, põem a mão na massa. Não estão desabrigados nem desalojados. Estão na condição de voluntários, ajudando a separar doações. “Essa hora eu estaria brincando no computador porque estou de férias. Mas aqui a gente ajuda mais pessoas, é mais importante que qualquer diversão no momento”, explica Pedro.

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