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A esperança prudente do pároco da Igreja da Penha

No monumento que é símbolo do bairro onde se desenrola um capítulo decisivo da guerra ao tráfico, as portas estão abertas 24 horas por dia. Mas quase não há fieis

Por Manuela Franceschini
29 nov 2010, 19h18

Na última semana, a igreja permaneceu aberta 24 horas. Recebeu mães, pais e irmãos de traficantes. Durante o dia, não importava a hora que alguém entrasse, encontraria o padre ajoelhado na primeira fileira da igreja, com um rádio de pilha colado na orelha e a voz cochichando uma oração.

Dentro da Igreja da Penha, na zona Norte do Rio de Janeiro, seis velas acesas e fileiras vazias. Não há romaria, orações, nem joelhos ralados pelos 382 degraus que testemunham promessas. O teto enfeitado por anjos de porcelana sustenta três grandes lustres que tremem quando passa o helicóptero em rasante. Do lado direito, a Vila cruzeiro. Do esquerdo, o complexo do Alemão, com vielas de velho oeste, sem viva alma. No santuário, o mesmo. Nesta segunda-feira, só o padre português Serafim Fernandes, um policial à paisana e dois fardados e armados estão no lugar estratégico. Como na música ‘Baião da Penha’, sucesso de Luís Gonzaga, foi o pároco que demonstrou sua fé subindo a Penha a pé, pedindo paz para trabalhar.

“É a falsa paz. Até quando?”, pergunta ao colega um dos policiais militares. Se perguntasse ao padre, ouviria como resposta: “O tempo é o senhor da razão”. Entre o pessimismo e a esperança, Fernandes prefere desconfiar. “Estou rezando para que tanta violência não tenha sido em vão. Já vi essa mesma euforia, de que tudo ia mudar, e as coisas voltaram”, diz. Há 14 anos, o padre dorme e acorda em um dos cartões-postais da cidade.

A Igreja da Penha: marco da paisagem na zona norte da cidade
A Igreja da Penha: marco da paisagem na zona norte da cidade (VEJA)

Ainda não era dia quando R.F., policial militar há dez anos, acordou para ir à Penha. Os olhos vermelhos acusam cansaço. “Ontem foi a mesma coisa, o dia todo aqui em cima, procurando bandido”. M.S., que também chegou cedo, rezou antes de sair de casa. “Dessa vez, agradeci mais do que pedi. Estou nessa operação imensa, e não perdi nenhum amigo”. Ele e seus dois companheiros de turno não conheciam a igreja. “É muito bonita por fora”, diz, já que não sobrou tempo para entrar e ver a imagem da santa, esculpida em madeira, em cima do altar.

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Missa do Galo – Uma vez por ano, Nossa Senhora da Penha passa pelos becos de todas as 13 favelas do Alemão. “O padre vai levantando os fios dos postes, que são muito baixos, e eu dirigindo com uma mão, segurando a santa com a outra”, conta o motorista do pároco, Jorge Pereira, há oito anos na função de guiar o carro e defender Fernandes. Sua esperança para este ano é que tenha missa do galo na Penha. “Ouvi dizer que estão planejando, já que vai estar mais seguro.”

Por via das dúvidas, Pereira continua o ritual quando tem que entrar nas favelas. Conversava pelo rádio com o segurança de uma escola que fica no pé do morro. Se ele dá o aval, o padre sobe. “Muita gente pede benção, pede uma reza para alguém que está agonizando, para guardar o corpo, como a gente diz”, explica. Fernandes nunca rezou tanto. Na última semana, a igreja permaneceu aberta 24 horas. Recebeu mães, pais e irmãos de traficantes. Durante o dia, não importava a hora que alguém entrasse, encontraria o padre ajoelhado na primeira fileira da igreja, com um rádio de pilha colado na orelha e a voz cochichando uma oração.

Na quarta-feira, de sua posição habitual, ele via bandidos apoiados na grade do santuário, fugindo da polícia. Pensou, mas desistiu de abandonar a reza para falar com os traficantes. “Os meninos com certeza não me ouviriam”. Os meninos o padre conhece. Entre as quase 400.000 pessoas da região, ele sabe o nome de algumas centenas. E também como ganham a vida. Se pedissem abrigo, daria? “Não me pediram. Mas, com sinceridade, não sei o que faria. O que eu sei é que todos eles têm mães, e que todas as mortes são choradas”, diz, antes de sair para um compromisso em uma das casas da Penha.

O dia cai e os policiais também abandonam o posto. Descem as escadas devagar e atentos. O helicóptero passa perto, mais uma vez, e abafa o som dos alto-falantes da capela. “Pai nosso que estás no céu, seja feita a vossa vontade”, escuta-se degraus abaixo. “Pra essa gente brasileira, que quer paz pra trabalhar”, emendaria a canção.

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