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A era do absurdo

Mas há coisas que não podem nos roubar: a alegria e o sorriso

Por Fernando Grostein Andrade
Atualizado em 1 nov 2019, 10h44 - Publicado em 1 nov 2019, 06h00

Estou tomando um cuidado danado para não ficar amargo. Mas está difícil. Muito. Vejo como a indústria do cigarro deu um cambalacho nas autoridades e vem destruindo o trabalho feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na tentativa de redução do consumo do tabaco, liderado pela ex-diretora da entidade, a norueguesa Gro Brundtland. A OMS tinha conseguido vitórias históricas ao restringir o uso do cigarro sem torná-lo ilegal. Abusando da má-fé, a indústria do tabaco inundou o mundo dos adolescentes com o tal Juul, um cigarro eletrônico que parece inocente, quase como um pen drive, mas que no fundo é um cigarro, e ponto.

Aí, na trilha do absurdo, deparo com uma notícia um tanto quanto óbvia: os novos indicadores de distribuição de renda revelam que os ricos estão cada vez mais ricos e os pobres, cada vez mais pobres. O que não é nenhuma surpresa, pelo menos no Brasil, onde a distribuição de renda não é prioridade. A conversa é sempre a mesma: tempos de crise, hora de ajustes, alguns cintos não parecem suficientemente apertados etc.

Fico pensando no pobre do Camões e no coitado do Machado de Assis, que tanto contribuíram para nossa querida língua portuguesa, que de repente teve a grosseria normalizada e os palavrões institucionalizados. E, por falar em normalização, a corrupção só parece ser problema quando é da esquerda. O Queiroz? Ah, nada tão grave. E o assassinato da Marielle? Para muitos (os mesmos de sempre, aliás), é assunto aborrecido. E, quando pedimos autocrítica da esquerda, necessária e esperada, nada vem.

A grosseria foi normalizada e os palavrões, institucionalizados. Pobre Camões, pobre Machado

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Não é mau humor, é apenas um festival de absurdos que não causam a indignação necessária. Misteriosamente, um óleo é derramado e destrói ecossistemas, a Amazônia queima tanto que a fumaça chega a São Paulo e um mar de lama — literalmente — invade o Brasil. Duas vezes, aliás. Descobre-se o “dia do fogo” — e fica claro que as queimadas da Amazônia foram ateadas por fazendeiros, e não por cidadãos sem terra, como haviam dito. Descobriram, tarde demais, que a tragédia de Brumadinho poderia ter sido evitada, porque houve um alerta — mas foi ignorado.

Enfim, normalizaram o absurdo, acusam você daquilo que praticam e, se você quer pedir alguma reflexão, ou é chato ou vai estragar o Natal em família. Mas há coisas que não podem nos roubar. A alegria e o sorriso, mesmo diante da tragédia, porque, se isso acontecer, a vitória do obscurantismo sobre o iluminismo será total. Radicais se atacam e se retroalimentam. A moderação e o bom-senso viraram reféns. Não acredito na caricatura do vilão gargalhando e planejando desgraças. Não acredito também em santos. O sistema de metas, instituído em quase todas as empresas e bancos, acaba despertando o pior nas pessoas. Para pagarem a prestação da casa, para custearem a educação dos filhos, profissionais são forçados a fazer vista grossa. Responsabilidades são desdenhadas, numa corrente interminável, como se houvesse um “limpa” na consciência. Este sistema injusto pode estar nos estrangulando, mas nunca vai me convencer de algo inaceitável: que o único jeito de o país andar é pelo absurdo. Não é.

Publicado em VEJA de 6 de novembro de 2019, edição nº 2659

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