Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A cobiça por uma vaga no Tribunal de Contas da União

O empoderamento do TCU transforma a escolha do próximo ministro numa acirrada disputa política aos moldes do que acontece em tribunais como o STF

Por Larissa Quintino Atualizado em 31 jul 2020, 11h48 - Publicado em 31 jul 2020, 06h00

Às vésperas de tomar posse, em junho passado, no recém-recriado Ministério das Comunicações, o deputado Fábio Faria foi emissário de um pedido delicado enviado ao Tribunal de Contas da União (TCU). O senador Flávio Bolsonaro, primogênito da família presidencial, gostaria de se encontrar a sós com ministros da Corte. A reunião solicitada pelo Zero Um evidencia uma nova realidade que vem sendo observada desde que o TCU condenou o governo Dilma Rousseff pelas famosas pedaladas fiscais e abriu caminho para o processo de impeachment da presidente: não há mais espaço para tratar a Corte com o desdém de outros tempos. E a maior prova de que as coisas realmente mudaram é a intensa movimentação que já existe nos meios políticos para influenciar na escolha do próximo ministro.

O Tribunal de Contas da União, que tem como tarefa fiscalizar o uso do dinheiro público, é formado por nove ministros. Três são indicados pelo Senado, três pela Câmara dos Deputados e três pelo Executivo. Presidente da Corte, o ministro José Mucio Monteiro decidiu antecipar para dezembro sua aposentadoria, e com isso abrirá uma vaga a ser preenchida por indicação de Jair Bolsonaro. “Temos procurado constantemente aprimorar os nossos processos, buscando também focar nossa atuação em temas de maior risco e relevância para a administração pública”, diz o ministro, um ex-deputado federal que foi indicado ao cargo pelo ex-presidente Lula. Até bem pouco tempo, a disputa pela vaga ficaria restrita a políticos que não conseguiram se reeleger ou a aliados em busca de uma aposentadoria confortável. José Mucio, porém, ainda nem sequer oficializou a saída e já estão em campo vários candidatos à sua cadeira, padrinhos fazendo lobby por determinados nomes e intricados projetos de engenharia política.

COTADO - Tarcísio de Freitas: lobby no TCU pelo ministro da Infraestrutura – (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Se dependesse dos ministros do TCU, o melhor nome que Bolsonaro poderia indicar seria o de Tarcísio Gomes de Freitas, atual ministro da Infraestrutura. Em uma conversa com o presidente da República, o decano do tribunal, Walton Alencar, fez elogios rasgados ao ministro. Bolsonaro entendeu o recado. No Congresso Nacional, a vaga de José Mucio também é discutida como possível moeda de troca na acirrada disputa para a presidência da Câmara dos Deputados. Como o ministro pretende se aposentar em 31 de dezembro, um mês antes de os parlamentares escolherem o sucessor do atual presidente, Rodrigo Maia, a vaga poderia ser oferecida, dizem ministros do TCU, ao vice da Câmara, Marcos Pereira, presidente do Republicanos, partido ao qual se filiaram o senador Flávio e o vereador Carlos Bolsonaro, filhos do presidente.

Pré-candidato ao comando da Casa Legislativa, Pereira, se escolhido, deixaria o terreno livre para a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-­AL), o preferido do governo. A eventual escolha de Marcos Pereira para o TCU esbarra, porém, no fato de ele ter sido citado na delação premiada do empresário Joesley Batista como destinatário de 6 milhões de reais em propina na época em que era ministro da Indústria e Comércio Exterior do governo Temer. O caso foi enviado à Justiça comum, mas ainda é alvo de recurso no STF para se decidir onde as acusações contra o deputado deverão ser analisadas. “Antes, o Tribunal de Contas era um tribunal de faz de conta”, disse a VEJA o procurador do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Furtado.

Continua após a publicidade
CANDIDATO - Pereira: indicação resolveria um problema, mas criaria outro – (Michel Jesus/Câmara dos Deputados)

Por anos os principais escândalos de corrupção política no país, como o mensalão e o petrolão, alimentados com dinheiro público que deveria ser alvo de fiscalização do TCU, passaram ao largo dos olhares da Corte. O órgão chegou a receber um pito da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) por não analisar as contas de governo com seriedade — e, ao que parece, surtiu efeito. Desde então, além das pedaladas fiscais petistas, o tribunal treinou técnicos para farejar “investimentos” que camuflassem atos de corrupção, decidiu auditar a arrecadação do governo, criou um mecanismo on-line de acompanhamento de compras e passou a fiscalizar os gastos das estatais em publicidade, especialmente as veiculadas em sites acusados de espalhar fake news. Foi a preocupação com todo esse rigor que levou o senador Flávio Bolsonaro a pedir aquela conversa a sós com os ministros da Corte às vésperas do julgamento das contas do pai. O senador acabou não sendo atendido, mas foi avisado de que não tinha com o que se preocupar. De fato, dias depois, com algumas pequenas ressalvas, as contas do primeiro ano do governo Bolsonaro foram aprovadas.

Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.