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Por Sérgio Martins
Música sem preconceito: de Beethoven a Pablo do arrocha, de Elis Regina a Slayer
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“A música brasileira sofre com a joãogilbertização”

Fagner, que se apresenta neste final de semana em São Paulo, critica a atual fase da música brasileira e relembra grandes momentos de sua carreira

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 18 ago 2017, 19h41

Raimundo Fagner, de 67 anos, nunca foi homem de poucas palavras. O cantor e compositor cearense, que se apresenta neste sábado no Espaço das Américas, em São Paulo (Rua Tagipuru, 795, Barra Funda), expressa suas opiniões sobre música e política da mesma maneira apaixonada com a qual interpreta sucessos como Noturno e a popular Borbulhas de Amor. Fagner recebeu o repórter Sérgio Martins num hotel no bairro paulistano de Cerqueira César, onde falou sobre a apresentação na cidade, discorreu sobre a falta de novos talentos na música brasileira atual e fez uma análise pessimista da situação política do país.

Vamos começar a entrevista com uma pergunta óbvia. Como será a apresentação do senhor e São Paulo?

Ele é uma adaptação de um show que fiz no ano passado no Cine São Luiz, em Fortaleza. Em toda minha carreira nunca me preocupei com essa coisa de cenário e bailarino, queria mesmo era apresentar música boa, com uma banda boa e som e luz de qualidade. Mas um grupo de produtores locais quis me fazer essa homenagem. Eles criaram um espetáculo no qual eu lembrava meus parceiros e os grandes momentos da minha carreira. Para você ter uma ideia, eu entrava em cena cantando junto com a imagem de Joselito, um intérprete espanhol que me inspirou a seguir a carreira de cantor. Fiquei tão emocionado que até amarelei…  A apresentação em Fortaleza, contudo, era mais intimista. Em São Paulo trarei parte do cenário, mas irei privilegiar um repertório animado e de sucessos para o público cantar junto.

O último disco do senhor, Pássaros Urbanos, foi lançado em 2014. Existem planos para um novo lançamento?

Existe, sim, Eu tenho um espirito inquieto, consegui até motivar o Zeca Baleiro a retomar a nossa parceria. Também gosto de tirar as pessoas de sua área de conforto. Por exemplo, criei três composições com o Moacyr Luz. O curioso dessa parceria é que geralmente elas nascem no bar, mas com o Moacyr nasceu num supermercado. A gente conversou enquanto a mulher dele fazia compras e ficamos de trocar mensagens. Mal cheguei em casa já tinha um bilhete dele me convidando para compor. E saíram três músicas completamente diferentes — uma delas sobre o Rio de Janeiro.

O Rio tem uma grande importância em sua carreira artística. Quais são as suas primeiras lembranças da cidade?

Viemos eu, Belchior e o escritor Jorge Melo do Ceará para o Rio de Janeiro. Quem nos deu muito apoio nesse período foi a então radialista Cidinha Campos. Ela participou de um programa que tínhamos no Ceará e quando chegamos ao Rio, a Cidinha nos apresentou para pessoas como o produtor (e hoje autor de novelas) Manoel Carlos, que era casado com a Cidinha, o diretor de fotografia Reynaldo Zangrandi, que era marido da Márcia de Windsor, o publicitário Carlito Maia… Eram pessoas interessadas em coisas novas, algo comum naquele período pós-tropicalismo, e criaram um ambiente propício para nos ouvir. Depois cada um foi para o seu canto.

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Em sua autobiografia, o jornalista e letrista Ronaldo Bôscoli diz que resgatou o senhor de um apartamento caindo aos pedaços no Rio de Janeiro. Isso foi muito depois da sua chegada à cidade?

Sim, foi bem depois. Quando a nossa situação começou a apertar no Rio, eu e Belchior mudamos para São Paulo. Ele ficou amigo de um sujeito chamado Mario Kuperman que lhe emprestou uma casa no número 150 da Rua Oscar Freire. Foi nesse período que comecei a me desentender com o Belchior. Ele fazia bullying comigo, me colocou para dormir no quarto de empregados. Eu sofria muito com o frio, não tinha nem sequer um casaco decente para me proteger. Certo dia, o operário de uma construção do lado deixou cair uma viga de madeira do alto do prédio. Ela furou o teto do meu quarto e parou a poucos centímetros do meu rosto. Foi a deixa para eu ir embora da cidade.

Quando eu voltei ao Rio, me instalei no apartamento de um primo meu que tinha ido estudar na Sorbonne, em Paris. Naquele período, início dos anos 1970, a Elis Regina tinha descoberto as minhas músicas através de uma fita demo que deixei com um amigo. Eu tinha um pouco de vergonha do local em que morava, então, quando o Ronaldo me dava carona, pedia sempre para parar numa esquina perto de casa. Até o dia em que ele descobriu e me colocou para morar com um casal de franceses, Jacques e Frances Libion.

O senhor vê semelhanças entre as dificuldades pelas quais passou e as dificuldades enfrentadas pela nova geração?

Sinceramente, eu acho que hoje está mais fácil para se mostrar o trabalho. Não havia tanto sofrimento como no período em que comecei a carreira — uma pena porque o sofrimento faz parte do processo de amadurecimento artístico. Hoje também as pessoas arriscam menos. Tomemos, por exemplo, a cidade de São Paulo. É um mercado tão grande que os artistas relutam em sair daqui. É uma pena porque tem tanta gente boa que fica restrita apenas a um grupo, não se torna conhecido em outros estados. Certa vez, recusei a sugestão de um empresário que eu tinha. Ele achava que eu tinha de mudar para São Paulo porque ganharia muito dinheiro e não precisaria sair daqui. Mas dinheiro não é tudo, quero que meu trabalho seja conhecido em todo país.

Por falar em riscos, Orós, de 1977,foi produzido por Hermeto Paschoal e era nitidamente anti comercial. Como foi essa experiencia?

Foi uma roubada, porque eu vinha construindo uma carreira de cantor popular e caí no experimentalismo do Hermeto Paschoal. Mas foi também uma ótima experiência porque Orós nasceu justamente do meu encantamento com o Hermeto. Aliás, é um dos discos que me deram reconhecimento no exterior. Certa vez, assisti a um tributo ao Astor Piazzolla comandado pelo Hermeto. Fiquei tão emocionado com a experiência que, na volta ao Brasil, sugeri a um executivo da minha gravadora que se gravasse esse tributo ao Piazzola. Custaria pouco e venderia muito. Ele nem quis saber do projeto… São essas pessoas que dirigem a música do país.

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Em 1978 , uma reportagem da VEJA dizia que o senhor era o maior cantor do país. Concorda com esse elogio?

Sou um dos maiores: tenho 1,84m, perco apenas para o Sérgio Reis. O que eu posso dizer é que eu canto com muita vontade e sentimento e o povo gosta disso. Não sou nem melhor, nem pior, mas sou diferente. O Brasil hoje passa por um período de joãogilbertização: todo mundo cantando do mesmo jeito baixinho e todo mundo soando igual, como se trabalhasse com o mesmo produtor.  Eu, não. Eu solto a voz e a emoção – às vezes com um certo exagero, porque me acho muito exagerado.

O senhor acha que programas tipo The Voice estimulam esse processo de perda de identidade da música brasileira?

Os programas enlatados são o maior veneno para a musica brasileira. Primeiro porque eles estimulam todo mundo a cantar em inglês. Esses The Voice fazem um artista para estourar nos Estados Unidos. Tem um cearense que ganhou que parecia americano. Os programas não estimulam a música brasileira porque todo mundo tem de cantar em inglês. O sujeito estica aquela voz que parece ser um submundo dos Estados Unidos. Não existe estímulo para o nosso cancioneiro. Quando aparece alguém cantando MPB, o sujeito é aplaudido mas nunca ganha. Vai ganhar quem imitar a Mariah Carey, a Whitney Houston. Nós somos um bando de submundo mesmo. A televisão estimula isso.

Por que as emissoras não lançam um programa de musica brasileira. Bota um auditório aqui, manda o pessoal cantar. Não existe estímulo. Esse país é um enterro de cultura. Cheguei a falar com um executivo da Record para fazer um programa. Mas ele disse que queria que eu rasgasse meu contrato com a Globo e ir para a Record. Quando eu disse que não tinha contrato com a emissora ele nunca mais me procurou.

O senhor tem uma postura crítica ao PT, mas possui muitos amigos de esquerda. Como conseguiu não ser infectado por esse Fla Flu político

Ninguém nunca me questionou. Mesmo porque minhas amizades são fortes, não dependem de corrente política.  As pessoas me respeitam pelo que eu sou, pelo que eu falo. O Chico Buarque se chateou comigo por causa de uma crítica que fiz a ele numa entrevista, mas eu amo o Chico. E ele sabe disso. Também não questiono dele ter ido tão fundo na questão política. Isso não foi bom para ele. Um cara com a importância do Chico se meter nisso… Não se cobra essa postura dele, então não venham cobrar isso de mim. O questionamento que eu faço é o mesmo de qualquer cidadão. Eu tenho uma história de falar que as pessoas me respeitam. Não sou marinheiro de primeira viagem, nem estou pegando o bonde andando. Se eu quero elogiar o Sérgio Moro, que me larguem. Nunca vi muito petista encher o meu saco, não. Mesmo porque já fui Lula, fiz vários shows em São Bernardo do Campo…

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O senhor se decepcionou com o senador Aécio Neves?

Aécio não apenas me decepcionou, mas foi muito triste. Sou amigo dele e essa amizade nunca vai deixar de existir. Mas o que eu me envolvi com ele, o que eu acreditei…o que eu subi em palanque para ele, desde a campanha dele para deputado. Me envolvi em todas as suas campanhas, as pessoas acharam até estranho porque ele era um garoto e eu já era um nome consagrado. Eu emprestei muito esse trabalho para o Aécio. Para mim, foi uma punhalada. Eu não merecia isso porque emprestei o meu respeito e pisou na bola legal. Aécio me deve desculpas pessoalmente.

Ciro Gomes é o candidato do senhor para 2018?

O Ciro está na campanha dele. É meu amigo, uma pessoa por quem tenho o maior respeito. A maneira com a qual está conduzindo sua carreira política não é a ideal, Mas estarei ao lado dele para o que precisar — inclusive para lhe dar conselho.

O Brasil tem jeito?

Tem, mas não será agora. Eu acho que a gente não vai conseguir dar uma limpada na política. O que a gente talvez vá conseguir é estimular a entrada de pessoas que antigamente não queriam saber de política. Porque os políticos que temos hoje, não se tira facilmente. O Brasil tem uma política corporativista familiar: sai um sujeito, vem os filhos, os netos. A gente tem de estimular a entrada de pessoas honestas.

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