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Por Kelly Miyashiro
Críticas e análises sobre o universo da televisão e das plataformas de streaming
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Na onda de ‘Good Girls’, bandidas da ficção usam machismo como arma

De ladras e assassinas a vigaristas, criminosas da TV escapam da Justiça quando se aproveitam de estereótipos de gênero – para o 'bem' e para o 'mal'

Por Tamara Nassif 7 set 2021, 10h01

Os boletos estão acumulando, mas Beth (Christina Hendricks), Annie (Mae Whitman) e Ruby (Retta) não têm um centavo a mais no bolso. O marido de Beth torrou todo o dinheiro da família em investimentos terríveis – a incluir um caso com a secretária – e agora eles não conseguem pagar as hipotecas da casa, tampouco garantir a educação a longo prazo dos quatro filhos. Annie é mãe solteira e as poucas notas que tem na carteira, vindas de expedientes mal pagos e exaustivos como caixa de um supermercado, vão para a merenda da filha, em transição para o gênero masculino. Já Ruby e o marido penam para manter a casa em ordem, fazem turnos triplos e torcem para que, um dia, consigam juntar trocados o bastante para pagar os remédios caríssimos da filha mais velha. Com tantos perrengues financeiros, a solução surge de uma conversa despretensiosa: assaltar o cofre do supermercado em que Annie trabalha. O problema é que lá é onde a gangue local lava dinheiro, e o que poderia ser a salvação para tudo logo se torna a condenação definitiva das três mães suburbanas ao mundo do crime. 

A premissa de Good Girls, dramédia de quatro temporadas da Netflix, casa bem com o título. Beth, Annie e Ruby são boas moças, mas, para sobreviver, não podem ser – apenas agir como tal para manter as aparências. Em tramas do gênero, surge um “aliado” inesperado, que, em qualquer outro tipo de produção, seria um inimigo de peso: o machismo estrutural. Apesar das boas doses de culpa, elas piscam os olhos brilhantes para policiais desconfiados, passam ilesas por guardas fronteiriços enquanto transportam carregamentos de dinheiro ilegal (o lote vem disfarçado como artesanato canadense) e fazem encontros com gente da barra pesada em parquinhos infantis. É claro que, das poucas vezes que despertam uma franzidinha de testa de alguém, elas têm lábia o bastante para contornar a situação – é o tal do “jogo de cintura”, em definição quase que literal. 

NINGUÉM É O QUE PARECE - Dianne, no centro, com Eiza (à esq.) e Rosamund: uma velhinha nem sozinha, nem indefesa -
NINGUÉM É O QUE PARECE - Dianne, no centro, com Eiza (à esq.) e Rosamund: uma velhinha nem sozinha, nem indefesa – (Seacia Pavao/Netflix)

A invencibilidade das criminosas, torcida pelos espectadores aqui e em tantas outras séries, recai não só nos estereótipos que a sociedade reforça – o da inocência presumida e da incapacidade feminina em cometer transgressões éticas e legais –, mas em uma vontade de roteiristas em criar empatia, quando não simpatia, por protagonistas imorais. É o caso do longa Eu Me Importo, em que Rosamund Pike é uma vigarista sorridente, de terninho colorido e penteado impecável, que vive de ganhar a tutela de idosos endinheirados e tomar toda a grana deles para si. Também da Netflix, a série Disque Amiga Para Matar é outra que conquista pelo carisma notável de Christina Applegate e Linda Cardellini – Linda, sobretudo, é unanimemente adorada entre os espectadores, embora tenha cometido alguns graves desvios de conduta. Mas ninguém bate Jodie Comer, a Villanelle de Killing Eve. Assassina profissional de arrepiar até o último pelo do corpo, ela transita tranquilamente por cidades europeias, de Barcelona a Londres, enquanto deixa um rastro de corpos em cada lugar. Ela não arranca uma ruga de ninguém a não ser de Eve (Sandra Oh) – e só não passa despercebida porque, bela do jeito que é e extravagante do jeito que se veste, estrala pescoços por onde passa. Eis aí, também, outra “vantagem” (se é que se pode chamar assim) da não desconfiança em mocinhas com olhos angelicais: o uso da beleza, sobretudo da sensualidade, ao seu favor. 

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Jodie Comer como Villanelle, a psicopata/assassina/amante desvairada de 'Killing Eve'
Jodie Comer como Villanelle, a psicopata/assassina/amante desvairada de ‘Killing Eve’ (//.)

Um charme daqui, uma batida de olhos dali, e não há homem que suspeite de que a moça em questão é uma bandida daquelas. Talvez por isso, o conceito de femme fatale seja um dos recursos mais bem aproveitados em tramas de hitwomen. Angelina Jolie com cintas de liga, em Sr. e Sra. Smith, ou mesmo Scarlett Johansson no justo macacão preto de Viúva Negra, que era assassina profissional antes de heroína, atestam: poucos inimigos resistem às armas femininas. “A ideia de que existem essas mulheres sensuais e em roupas chiques, que matam pessoas por dinheiro, é uma fantasia desvairada”, disse Luke Jennings, autor dos romances que inspiraram Killing Eve, certa vez. 

Fora da ficção, a realidade é bem menos atraente e muito mais perigosa – mas, talvez, sejamos tão ingênuos quanto. Se vir três mães quarentonas com gorros escuros sussurrando em um carro, desconfie: vai ver elas estão tramando um assalto ao supermercado mais próximo. 

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