O que o picareta tem a ver com a picareta?
A pergunta acima tem mais de uma resposta. Se dermos crédito ao etimologista brasileiro Silveira Bueno, o único em quem encontrei uma tese sobre o assunto, a relação é simples: o picareta teria vindo diretamente da picareta, por sentido figurado. Em outras palavras, a acepção informal de “pessoa embusteira, aproveitadora, que recorre a expedientes acanalhados […]
A pergunta acima tem mais de uma resposta. Se dermos crédito ao etimologista brasileiro Silveira Bueno, o único em quem encontrei uma tese sobre o assunto, a relação é simples: o picareta teria vindo diretamente da picareta, por sentido figurado.
Em outras palavras, a acepção informal de “pessoa embusteira, aproveitadora, que recorre a expedientes acanalhados para se dar bem”, um brasileirismo consagrado mas de datação imprecisa, seria uma extensão do primeiro sentido da palavra, existente em português desde o século XVI – o de “instrumento próprio para cavar a terra e revolver pedras”.
E como se chegou a isso? Por metáfora, é o palpite de Bueno, que se baseia na ideia de que o picareta “em tudo mete a cara para cavar dinheiro, emprego”. O picareta seria então o cavador. Ponto final?
Não. A segunda resposta possível à pergunta do título é um pouco menos simples, mas talvez mais completa. Embora esteja fora de questão que o picareta (enganador) é uma extensão de sentido do vocábulo picareta (instrumento), a hipótese que lanço aqui é a de que essa ampliação semântica não se deu por metáfora e sim por influência da palavra “pícaro”, que quer dizer justamente “ardiloso, trapaceiro, velhaco”.
Hoje de uso restrito aos estudos literários, o pícaro ou personagem picaresco (termos do século XVII) já gozou na linguagem comum de uma circulação proporcional à do gênero de literatura popular que representava. E é um sinônimo praticamente perfeito de picareta.
Uma curiosidade adicional é que, embora “pícaro” seja uma palavra de origem obscura para a maioria dos estudiosos, há quem acredite que o espanhol, de onde a importamos, a retirou da mesma matriz de onde saiu a picareta: o verbo “picar”.