Memórias de infância: quem ‘pocou’ minha ‘mironga’?
“Prezado Sérgio, apreciaria sua explanação sobre a origem e regionalismo de dois termos que usei muito durante minha infância em Vitória (ES), mas que parecem ser desconhecidos de quem não é da região: ‘pocar’ (estourar) e ‘mironga’ (guloseima também conhecida como pudim de pão). A respeito do segundo termo, gostaria de saber se ele realmente […]
“Prezado Sérgio, apreciaria sua explanação sobre a origem e regionalismo de dois termos que usei muito durante minha infância em Vitória (ES), mas que parecem ser desconhecidos de quem não é da região: ‘pocar’ (estourar) e ‘mironga’ (guloseima também conhecida como pudim de pão). A respeito do segundo termo, gostaria de saber se ele realmente tem alguma conotação religiosa. Obs.: nem o corretor ortográfico do meu computador reconheceu as duas palavras. Atenciosamente.” (Luciano Neves)
As duas palavras mencionadas por Luciano são dicionarizadas (não, corretores ortográficos não são bons conselheiros). O verbo “pocar” e o substantivo “mironga” são de uso pouco frequente, pelo menos nos últimos tempos, mas pertencem ao que se pode chamar corrente principal da língua.
No entanto, há uma diferença entre eles. O sentido do brasileirismo informal “pocar” que Luciano relata ter conhecido em sua infância na capital capixaba (“estourar”) é exatamente o mesmo que a palavra tem em diversas regiões do país. Derivado do tupi poka, “barulhento”, trata-se de um vocábulo da família do popularíssimo substantivo “pipoca”, mas menos empregado do que seu parente – e sinônimo – “espocar”.
Mironga é um caso especial. A palavra parece ser a mesma que os dicionários registram como oriunda, segundo Nei Lopes, do quimbundo milonga, mas esta tem como acepção mais corrente (do vocabulário da umbanda) a de “mistério, segredo”, com a de “briga, altercação” correndo por fora. Não encontrei registro em livros do sentido apresentado por Luciano.
No entanto, não faltam sites culinários que trazem receitas de um pudim de pão chamado mironga – pelo menos segundo um deles, aqui, uma guloseima capixaba ou que assim é chamada pelos capixabas. Neste caso, parece que estamos diante de uma expansão semântica regional da palavra de origem africana.
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Meus blogs deixarão de ser atualizados nos próximos dias, quando estarei no México para lançar a tradução de meu romance “O drible” (El regate) e participar da Feira do Livro de Guadalajara. Volto ao Todoprosa no dia 6 de dezembro e ao Sobre Palavras no dia seguinte. Até breve!