Hiperbólico
– Querido, esse sapatinho de bebê não é lindo de viver? Pensei em comprar pro filhinho da Lívia. – Concordo: lindo de morrer. – De morrer, não. De viver. – Lindo de viver não existe, meu amor. Continua após a publicidade – Ih, lá vem você! – Eu me recuso a empregar esse eufemismo de […]
– Querido, esse sapatinho de bebê não é lindo de viver? Pensei em comprar pro filhinho da Lívia.
– Concordo: lindo de morrer.
– De morrer, não. De viver.
– Lindo de viver não existe, meu amor.
– Ih, lá vem você!
– Eu me recuso a empregar esse eufemismo de hipérbole. Ou é eufemismo ou é hipérbole. A pessoa tem que escolher.
– Não estou nem aí pra sua cartilha de português, sabichão.
– Entendo. Você prefere seguir a cartilha da Ana Maria Braga…
– Pensa um pouco: você acha que eu ia dar um sapatinho lindo de morrer para um bebê, uma pessoa que está começando a vida? Que tipo de mensagem eu estaria passando, hein?
– Está vendo? Agora você está morrendo de raiva de mim.
– Estou mesmo. Odeio esse seu lado pedante.
– E por que não diz que está vivendo de raiva?
– Não enche.
– Sabe por quê? Porque não faz o menor sentido, querida. Porque a ideia da hipérbole é justamente criar um absurdo que intensifique a mensagem, que dê colorido à expressão. Colorido às vezes até literal: azul de fome, verde de ciúme e tal. Se a ideia deixa de ser absurda para ser razoável, fofinha, a hipérbole perde o sentido. Quer dizer: esse sapatinho é tão lindo que você poderia morrer por ele.
– Não acho tão lindo assim. Não morreria por ele, nem perto disso. Vamos embora.
– Ei, não vai comprar?
– Desisti. Esse seu papo matou a beleza dele.
– Tudo bem.
– Às vezes você é tão chato que eu tenho vontade de cortar os pulsos, sabia?
– Parabéns, querida! Essa é a ideia!