Gringo vem de ‘green, go home’, certo? Errado
Certas lendas etimológicas se alimentam da mais pura irracionalidade. Por exemplo: a tese de que a palavra “gringo” derivou da expressão “green, go home!” (“Verde, volte para casa!”), que os nativos do México, de Porto Rico ou mesmo do Nordeste brasileiro (as versões, variadas, têm em comum apenas a falsidade) teriam o costume de gritar […]
Certas lendas etimológicas se alimentam da mais pura irracionalidade. Por exemplo: a tese de que a palavra “gringo” derivou da expressão “green, go home!” (“Verde, volte para casa!”), que os nativos do México, de Porto Rico ou mesmo do Nordeste brasileiro (as versões, variadas, têm em comum apenas a falsidade) teriam o costume de gritar para soldados americanos trajados de oliva em alguma imprecisa ocasião entre as muitas em que estes lhes pisaram os calos. Há outras lendas em torno da palavra, mas essa é a mais difundida no Brasil.
Sabemos que a historinha não tem fundamento pela razão simples de que a palavra gringo é, documentadamente, mais antiga do que qualquer invasão americana de que se tenha notícia. Talvez mais antiga do que o próprio país cujos habitantes os mexicanos – agora sim – chamavam de gringos na guerra entre as duas nações, entre 1846 e 1848. Foram os ecos dessa guerra que popularizaram a palavra por toda a América Latina, mas ela já era velha de quase um século. (No Brasil, ressalvadas variações regionais, gringo designa o estrangeiro em geral, “especialmente quando louro ou ruivo”, como anota o Houaiss.)
No entanto – e aí entra a irracionalidade –, quem se apega de verdade a uma lenda etimológica odeia ser contrariado pelos fatos. É comum que rechace sem sequer examiná-lo um argumento como o de que a palavra gringo, “estrangeiro”, constava do Diccionario Castellano de P. Esteban de Terreros y Pando, publicado em 1787. E que nasceu, num momento situado em torno de 1765 por um etimologista do porte do catalão Joan Corominas, como variante da palavra espanhola griego, isto é, “grego”, no sentido de “linguagem incompreensível”. Gringo nomeou primeiro a língua enrolada e depois, por extensão, o estrangeiro que a falava.
Propagada durante séculos pela Igreja Católica, em sua campanha pró-latim, essa ideia do grego como idioma ininteligível está presente também numa expressão que ainda hoje se usa com frequência em português: “falar grego”, isto é, falar de modo incompreensível. Um provérbio latino medieval é sua perfeita tradução: Graecum est; non potest legi, “É grego, não se consegue ler”.