Do maremoto ao tsunami
O gigantesco maremoto que partiu da costa da Indonésia para matar mais de 230 mil pessoas em 14 países da Ásia em dezembro de 2004 marcou o momento em que, com a força de ondas gigantes, a palavra japonesa tsunami invadiu o português falado nas ruas para ficar. Agora que a desgraça se deu no […]
O gigantesco maremoto que partiu da costa da Indonésia para matar mais de 230 mil pessoas em 14 países da Ásia em dezembro de 2004 marcou o momento em que, com a força de ondas gigantes, a palavra japonesa tsunami invadiu o português falado nas ruas para ficar. Agora que a desgraça se deu no Japão, soa ainda mais justificado seu emprego generalizado pela imprensa – sem o grifo que os dicionários recomendam, numa prova suprema de aclimatação.
O sucesso de tsunami (de tsu, “porto” + nami, “onda”) parece se dever a uma conjunção de fatores. O principal deles é sem dúvida a adoção da palavra pelo inglês, que lhe deu circulação internacional. No entanto, tudo indica ter contribuído também um surto local de desinformação sobre o significado de “maremoto”, vocábulo existente em português desde 1600.
Maremoto quer dizer exatamente o mesmo que tsunami: fenômeno de extraordinária agitação do mar provocado por tremores de terra ou erupções vulcânicas. No entanto, em 2004 não faltaram na imprensa explicações furadas que justificavam a adoção de tsunami com o argumento de que maremoto significaria apenas “terremoto submarino” ou mesmo “movimento periódico das marés” (!).
Seja como for, vítima linguística do tsunami, maremoto é uma palavra em violento refluxo em nosso vocabulário. Sem xenofobia alguma, isso só é lamentável na medida em que trai a memória coletiva do idioma: afinal, foi chamado de maremoto e não de tsunami aquilo que arrasou Lisboa em 1755, ajudando a elevar o Marquês de Pombal à grandeza definitiva quando lhe perguntaram, diante do cenário desolador: e agora? “E agora? Enterram-se os mortos e alimentam-se os vivos.”