Chulé, ‘shoeless’, gordura de porco
Uma imaginosa tese que circula por aí, repetida até por certos nomes do ramo, sustenta que a informal e popularíssima palavra chulé – “cheiro fétido característico do suor dos pés humanos” (Houaiss) – seria derivada do adjetivo inglês shoeless, que significa “descalço”. Não há um único etimologista respeitável que acredite nisso. São várias as razões […]
Uma imaginosa tese que circula por aí, repetida até por certos nomes do ramo, sustenta que a informal e popularíssima palavra chulé – “cheiro fétido característico do suor dos pés humanos” (Houaiss) – seria derivada do adjetivo inglês shoeless, que significa “descalço”. Não há um único etimologista respeitável que acredite nisso.
São várias as razões para o descrédito que cerca a tese shoeless. Basta mencionar duas delas: a palavra é dicionarizada desde 1881 e provavelmente já circulava bem antes disso, quando era mínima a influência do inglês sobre nossa língua; e a correspondência de sentido entre os dois termos é tênue, oblíqua – como se sabe, em pé descalço e arejado não se forma chulé.
O problema é que a origem de chulé é obscura. Como os estudiosos não chegam a um acordo sobre ela, os defensores de shoeless encontram terreno fértil para espalhar sua lenda. O poeta Glauco Mattoso chegou a compor uma quadrinha brincalhona sobre isso:
Qualquer que seja a gíria ou dialeto,
ninguém o termo tem para “chulé”.
“Shoeless” até tentaram ver se fé
ganhava como um étimo indireto.Continua após a publicidade
O brasileiro Antenor Nascentes e o português José Pedro Machado viram a matriz de chulé numa palavra do cigano ou romani: chulló ou chullí, “gordura de porco rançosa”. Silveira Bueno, também brasileiro, discordou: “A nosso ver, chulé é do mesmo grupo de ‘chulo’, ‘chula’, alterado na gíria do povo, sob a influência de ‘pé’, cuja terminação acentuada se fez sentir em chulé”.
Talvez nunca se chegue a um acordo. De certo, sabe-se apenas que shoeless não encontra bons padrinhos entre os filólogos.