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Por Sérgio Rodrigues
Este blog tira dúvidas dos leitores sobre o português falado no Brasil. Atualizado de segunda a sexta, foge do ranço professoral e persegue o equilíbrio entre o tradicional e o novo.
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A concordância do verbo ‘ser’ são muitas

O Hamlet de Laurence Olivier: “Ser ou não ser?” “Olá, Sérgio. Há alguns dias, eu estava escrevendo um texto no Word e o corretor automático me deixou uma dúvida. A frase era ‘Feiras literárias são a dica’. O corretor apontou que seria ‘Feiras literárias é a dica’. Como o corretor não é tão confiável eu […]

Por Sérgio Rodrigues
Atualizado em 31 jul 2020, 07h22 - Publicado em 22 nov 2012, 14h18

O Hamlet de Laurence Olivier: “Ser ou não ser?”

“Olá, Sérgio. Há alguns dias, eu estava escrevendo um texto no Word e o corretor automático me deixou uma dúvida. A frase era ‘Feiras literárias são a dica’. O corretor apontou que seria ‘Feiras literárias é a dica’. Como o corretor não é tão confiável eu pesquisei e achei no Yahoo! Respostas, menos confiável ainda, que é assim mesmo, o verbo concorda com o predicativo. Mas eu ainda não consigo aceitar que o verbo não concorde com o sujeito. Você, que é bem confiável, poderia me esclarecer isso?” (Paulo Hora)

A dúvida de Paulo nos lança em terreno acidentado, como evidenciam as respostas que ele andou encontrando para sua questão. Em determinados casos, a tradição do português recomenda mesmo fazer a concordância do verbo ser com o predicativo e não com o sujeito da oração. No entanto, deve-se ter cuidado com exageros. Em primeiro lugar, o sujeito continua sendo determinante na maioria das construções. Além disso, são os predicativos no plural que normalmente têm o poder de fazer o verbo discordar do sujeito – com uma exceção importante, da qual falarei lá embaixo.

Sim, a confusão é agravada pelo fato de que, aqui e ali, até por razões estilísticas, encontram-se em autores igualmente respeitados opções conflitantes (“Tudo é símbolos”, escreveu Fernando Pessoa, remando contra a maré). Mas isso seria ir fundo demais no tema, com o risco de agravar a confusão. Vou me deter na consulta em questão e tentar resumir algumas diretrizes básicas.

O corretor do Word e o fórum do Yahoo deram uma dica errada a Paulo. A forma canônica da frase que ele escreveu é realmente “Feiras literárias são a dica”. Isso ocorre porque, quando o verbo ser exprime uma relação de identidade entre sujeito e predicativo (“Isto é aquilo”), e os dois têm números diferentes, o verbo “concorda em geral com aquele que estiver no plural”, como diz o gramático Evanildo Bechara.

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Não se trata de uma análise pacífica. Esse tipo de oração – que alguns gramáticos chamam de equativa e outros de identificacional – costuma deixar dúvida sobre qual termo representa o papel de sujeito, uma vez que os dois podem trocar de lugar sem alterar o sentido: “Feiras literárias são a dica” ou “A dica são feiras literárias”? Há estudiosos que empregam análises alternativas, que não vêm ao caso, para determinar qual é o sujeito. A dica de Bechara sobre a prevalência do plural tem a vantagem de funcionar como diretriz em qualquer caso.

A concordância do verbo ser com o predicativo no plural ocorre, de forma clássica e raramente passível de dúvida, quando o sujeito é um pronome como isso, aquilo, tudo – “Nem tudo são flores” – ou um pronome interrogativo: “Quem são eles?”. Quando o verbo ser tem o sentido de “ser composto de, ser constituído por”, o predicativo no plural também conquista a lealdade do verbo: “A turma eram cinco engenheiros civis e dois arquitetos” (a propósito, é isso que faz o título deste artigo ser, além de brincalhão, gramaticalmente correto).

Uma exceção importante às orientações acima é aquela em que o sujeito é um nome próprio ou um pronome pessoal empregado no lugar dele, geralmente relativo a uma pessoa ou a uma entidade investida de afeto. Neste caso, sua força se sobrepõe à atração exercida pelo predicativo no plural e a concordância verbal se faz com o sujeito mesmo: “O Brasil é todos os brasileiros”, por exemplo. Ou “Todo eu era olhos e coração”, como escreveu Machado de Assis.

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Agora vamos dar uma olhada na exceção que mencionei ali em cima: às vezes temos o caso oposto, com o predicativo no singular falando mais alto do que o sujeito no plural na hora de determinar a concordância verbal. É o que ocorre no seguinte exemplo de Carlos Drummond de Andrade: “Oito anos sempre é alguma coisa”. Ou numa construção como “Cem reais é um preço justo”. Na formulação dos gramáticos Celso Cunha e Lindley Cintra, isso se dá “quando o sujeito é constituído de uma expressão numérica que se considera em sua totalidade”. Ou seja: ao falar em oito anos, Drummond não se refere a cada um deles, mas a um período completo com essa duração. O mesmo raciocínio vale para os cem reais. Em outras palavras, o verbo no singular se explica pela ideia de um termo subentendido (período, quantia).

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E antes que alguém pergunte: devemos dizer “Hoje são 22 de novembro” ou “Hoje é 22 de novembro”? Neste caso ser é um verbo impessoal, isto é, desprovido de sujeito, e as duas formas são consideradas corretas. O verbo no plural concorda com o número do predicativo. O verbo no singular, com o termo subentendido (e ululante) “dia”. Ainda se encontram vozes que, num arroubo conservador, condenam esta última opção, mas a marcha da história está contra elas. Na verdade, considero o singular até preferível, por ser a forma mais empregada no português brasileiro moderno.

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