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Por Sérgio Praça
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Gilmar Mendes e as origens da corrupção na Petrobras

Gilmar Mendes não é o único responsável, mas sua decisão de 2006 pode ter sido determinante para facilitar a corrupção na Petrobras

Por Sérgio Praça 16 jan 2018, 19h34

Daqui a oito dias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será julgado, em segunda instância, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Porto Alegre. Os três juízes designados para a tarefa irão analisar a sentença dada pelo juiz Sergio Moro em julho do ano passado. Não cabe aqui especular sobre a decisão e suas repercussões. Vamos pensar no passado: o que permitiu que Lula, o PT e partidos parceiros como o PP e o PMDB, entre outros, firmassem um esquema tão extenso de corrupção?

O sistema eleitoral (representação proporcional de lista aberta) e o sistema de governo (presidencialista) merecem uma parte da culpa, talvez menor do que usualmente se atribui. Normas legislativas e decisões judiciais tomadas sem muito alarde podem ser mais importantes para explicar por que, por exemplo, a Petrobras foi o foco dos corruptos.

A ampliação da corrupção na estatal nos anos petistas tem origem em uma sequência de decisões legislativas e judiciais tomadas de 1997 a 2006. É a esta conclusão que podemos chegar lendo a ótima monografia de Larissa Gebrim sobre a disputa entre o TCU e o STF para determinar as normas de licitação da Petrobras.

A Lei do Petróleo (9.478/1997) autorizou a Petrobras a seguir regras para contratações que são diferentes das regras para o resto da administração pública federal. De acordo com o artigo 67 da lei, “os contratos celebrados pela Petrobras, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em Decreto do Presidente da República”. A determinação foi reforçada pela Emenda Constitucional 19/1998.

Em agosto daquele ano, Fernando Henrique Cardoso editou o Decreto 2.745/1998 para definir as regras das licitações da Petrobras. O decreto trata da possibilidade de contratação integrada, algo inédito até então no Brasil. Nesse tipo de contratação, todas as etapas de uma obra ou serviço de engenharia são realizadas pela mesma empresa a partir de um anteprojeto publicado pelo poder público.

Há três vantagens nisso: o custo do projeto fica mais previsível; a execução da obra tende a destoar menos do projeto (afinal, é a empresa que vai fazê-lo, não o governo!), e, caso ocorra qualquer problema, há apenas uma empresa a ser responsabilizada. Na Lei 8.666/1993, usada pelo resto da administração pública como norma para as licitações, a empresa contratada para fazer o projeto básico pode responsabilizar a que realiza a obra por superfaturamento, por exemplo. Caminho certo para confusão.

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A segunda diferença entre a Lei 8.666 e o Decreto 2.745, utilizado pela Petrobras, refere-se à forma de escolha da modalidade de licitação. A Lei 8.666 é clara: para serviços e obras de até R$ 50 mil, a modalidade é “convite”. Após a definição de critérios bastante básicos, qualquer empresa pode ser contratada. Faz sentido quando se trata de valores pequenos.

A segunda modalidade prevista pela Lei 8.666, usada para licitações entre R$ 50 mil e R$ 1,5 milhão, é a “tomada de preços”, na qual só podem participar empresas interessadas com cadastro prévio e exigências mínimas de qualificação mais restritivas do que da modalidade “convite”.

Acima de R$ 1,5 milhão, a Lei 8.666 exige a modalidade “concorrência”, na qual os critérios mínimos de entrada no processo são definidos no edital. Isso torna a participação mais restrita, mas não necessariamente pouco competitiva. A intenção é que a concorrência seja realizada de modo bastante competitivo entre empresas bem qualificadas, e que seja contratada a que oferece boas condições para fazer a obra pelo menor preço.

O decreto da Petrobras não estabelece critérios objetivos, com valores fixos, para definir a modalidade de contratação. Os diretores da estatal podem escolher a modalidade “convite” mesmo para obras milionárias. Um relatório do Tribunal de Contas da União de fevereiro de 2016 mostra que a Petrobras contratou R$ 200 bilhões em obras e serviços por essa modalidade entre 2011 e 2014. Reiterando: R$ 200 bilhões em apenas quatro anos foram gastos pela estatal usando a regra mais frouxa de contratação do serviço público.

O TCU contesta há muito tempo as normas de licitação da Petrobras. Em 2002, o órgão adotou a estratégia de questioná-las por serem inconstitucionais. As regras seriam derivadas do artigo 67 da Lei do Petróleo, incorrendo em delegação imprópria, pois uma simples lei não poderia orientar a estatal de modo diferente do que prevê a Constituição. Esse argumento foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal. Então o TCU passou a questionar as licitações da estatal com argumentos próprios do Direito Administrativo.

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Segundo Ubiratan Aguiar, ministro do TCU, em acórdão de 2004, as licitações da Petrobras não estabelecem “qualquer limite objetivo” para o uso da modalidade “convite”, e isso é grave. Contratações caríssimas podem ser realizadas selecionando os participantes de antemão, proibindo que outras empresas interessadas concorram. Além disso, não há critérios pré-definidos para a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública no edital. E isso, de acordo com Aguiar, “viola mandamentos básicos da impessoalidade, da isonomia e do julgamento objetivo”, previstos não só na Constituição Federal, mas no próprio Decreto 2.745/1998.

Mas, em 2006, uma decisão de Gilmar Mendes considerou que o Decreto 2.745/1998 estaria simplesmente regularizando o artigo 67 da Lei do Petróleo. E a Petrobras, sujeita à livre competição no mercado após a flexibilização do monopólio do petróleo, teria direito a regras de licitações menos rígidas do que as estabelecidas pela Lei 8.666/1993.

Fiando-se nessa decisão do juiz, a Petrobras continua realizando licitações do mesmo jeito, obtendo mandados de segurança no Supremo Tribunal Federal que bloqueiam o controle do TCU. As decisões judiciais, por enquanto, são “monocráticas e cautelares”, significando que não há um entendimento definitivo do STF sobre o assunto. Assim temos o pior dos dois mundos: corrupção e insegurança jurídica.

Gilmar Mendes não é o único responsável, mas sua decisão pode ter sido determinante para facilitar a corrupção.

(Meu livro “Guerra à Corrupção: Lições da Lava Jato” está disponível aqui)

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