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Por Sérgio Praça
A partir do que há de mais novo na Ciência Política, este blog do professor e pesquisador da FGV-RJ analisa as principais notícias da política brasileira. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Como o TSE foi de 2017 a 1965

Em 1965, o TSE cassou a candidatura de um político sem provas para tanto e, em 2017, absolveu um político que chegou ao poder com uma campanha criminosa

Por Sérgio Praça Atualizado em 9 jun 2017, 21h52 - Publicado em 9 jun 2017, 21h48

Scott Mainwaring e Aníbal Pérez-Liñán argumentam que ditaduras se tornam mais prováveis quando atores políticos começam a defender políticas públicas extremas de modo pouco transigente. Após 31 de março de 1964, os militares venceram o primeiro embate contra a esquerda brizolista. Impediram, por exemplo, uma reforma agrária redistributiva. Em 1965, o presidente-ditador Castello Branco tinha uma escolha a fazer. Seria um revolucionário que descontaminaria o país de uma ameaça comunista e o devolveria aos civis, ou seria um prefácio à “tigrada” (obrigado, Elio Gaspari) raivosa comandada por Costa e Silva et. al? Difícil escolha.

Afinal, era necessário manter um semblante de democracia. Não à toa as eleições parlamentares foram preservadas e não houve, de início, indicação de que eleições presidenciais seriam banidas. E apesar de 67 dos 409 deputados federais eleitos em 1962 terem sido cassados entre 1964 e 1966, eliminar completamente a oposição política não cairia bem com o discurso “democrático” dos militares e seus asseclas civis.

As eleições previstas para outubro de 1965 forçaram Castello Branco a definir uma estratégia. O presidente-ditador optou por mudar as regras as regras eleitorais de modo mais ou menos através de legítimo. Propôs, em 1965, um novo Código Eleitoral e um projeto de lei definindo critérios para a inelegibilidade de candidatos. O projeto foi justificado por Milton Campos, então ministro da Justiça, como uma norma necessária para evitar o abuso de poder econômico nas eleições.

Ao contrário de hoje, eleições para governador eram determinantes para a sucessão presidencial. Naquele ano, eram mais decisivas ainda. Se Castello Branco fechasse os olhos para a vitória de “extremistas”, sofreria oposição da linha dura. Também não seria muito bom que os candidatos ligados a civis apoiadores do golpe – como os governadores Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro, e Magalhães Pinto, em Minas Gerais – vencessem. Seria melhor uma “derrota branda” desses candidatos. Magalhães Pinto e Lacerda poderiam se fortalecer como lideranças nacionais caso continuassem comandando, indiretamente, seus estados.

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Em Minas Gerais, Sebastião Paes de Almeida era o candidato com mais chances de assumir o governo estadual. Reunia duas características indesejadas. Não só era apoiado por Magalhães Pinto, como havia sido Ministro da Fazenda de Juscelino Kubitschek, persona non grata dos militares. Era fundamental barrá-lo. Mas cassar sua candidatura via, por exemplo, Ato Institucional? Não pegaria bem. Isso não é coisa de democracia. Castello Branco aguardou a análise e promulgação do projeto de lei de inelegibilidade para dar o bote.

Na Câmara dos Deputados, o governo militar teve dificuldade em implementar suas preferências. Mas Pedro Aleixo, então líder da maioria na Câmara dos Deputados e futuro vice-presidente de Costa e Silva, convenceu Orlando Britto, relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, a unificar emendas propostas pelo PSD e PTB que desconfigurariam a ideia de Castello Branco. Caso essas emendas tivessem sido aprovadas separadamente, seria impossível aplicar a uma candidatura de 1965 sanções por condutas de 1962, bem como impedir uma candidatura antes de haver decisão judicial final sobre o suposto abuso de poder econômico. Britto unificou as emendas, e isso permitiu que Castello Branco revertesse o texto aprovado pelos parlamentares. A inelegibilidade via abuso de poder econômico passou a valer imediatamente.

Sempre baseado em São Paulo, Paes de Almeida decidiu, em 1962, concorrer à eleição para deputado federal em Minas Gerais. Foi o mais votado do estado. A UDN viu, com a nova lei promulgada por Castello Branco, uma chance de barrar a candidatura de Paes de Almeida ao governo estadual em 1965. A ditadura e a conservadora UDN ganhariam com isso. Em agosto daquele ano, dois meses antes da eleição, o partido entrou com um pedido de cassação da candidatura de Paes de Almeida no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Não foram atendidos. Recorreram, então, ao Tribunal Superior Eleitoral. O ministro Oscar Saraiva relatou o caso. (Todas as informações sobre o caso estão no excelente artigo de Leonardo Augusto de Andrade Barbosa, publicado há poucos dias na Revista Direito GV e disponível, infelizmente, apenas em inglês.)

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Acompanhado por mais três dos sete ministros, Saraiva opinou que a lei recém-promulgada (com um veto parcial mandraque) por Castello Branco valia, sim, como justificativa para cassar a candidatura de Paes de Almeida. Em seu lugar entrou Israel Pinheiro, que venceu a eleição com ajuda de Paes de Almeida na campanha. A UDN perdeu. O AI-2 veio no mesmo mês e extinguiu todos os partidos existentes. Pinheiro tinha três possibilidades: MDB, Arena ou guerrilha. Filiou-se à Arena. Um passo importante para a radicalização da ditadura.

Não há ditadura em 2017. Só uma tragédia para a cidadania que é deliciosa para a análise. O TSE acaba de absolver um político que claramente venceu as eleições de 2014 (como vice-presidente) “abusando do poder econômico”. Em 1965, o mesmo tribunal condenou outro político, com base em legislação aprovada às pressas, que não cometeu abuso de poder econômico – conforme indicam as evidências da época.  A mancha na reputação do Tribunal Superior Eleitoral é a mesma.

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