Não é tarefa fácil se informar no Brasil de hoje.
Não basta saber que o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, está sendo investigado pela Polícia Federal por causa de um enorme esquema de corrupção na área de Saúde. E não basta lembrar que o Rio de Janeiro é aquele estado que tem enormes esquemas de corrupção há muitos anos, com destaque para a área de Saúde, que já levaram vários governadores para a cadeia, o mais importante dos quais, Sergio Cabral, ainda está lá, condenado a quase 300 anos de prisão.
Não.
É preciso lembrar que Witzel, ex-aliado de Bolsonaro e de seu filho, o atual senador Flavio Bolsonaro, é hoje o maior inimigo do presidente — porque o primeiro quer (ou queria, até recentemente) ser candidato a presidente em 2022, e o segundo não quer que ele seja.
E é preciso lembrar que o filho Flávio é investigado por desvio de verba pública pela Polícia Civil do Rio, subordinada a Witzel. E que o principal operador do esquema de desvio de verba do gabinete de Flávio é Fabrício Queiroz, amigo íntimo do presidente Jair Bolsonaro há 35 anos que trabalhou, assim como sua filha Nathália, no gabinete de Bolsonaro quando este era deputado federal. E que Queiroz era policial militar no Rio.
E é preciso lembrar que Bolsonaro acusa Witzel de interferir na investigação contra o filho Flávio para prejudicá-lo a ele, Jair. E que também acusa o governador de ter manipulado a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e plantar o depoimento falso de um porteiro para tentar incriminá-lo. Sem esquecer, claro, que o principal suspeito de ter matado Marielle, Ronnie Lessa, mora no mesmo condomínio de Jair Bolsonaro, onde também mora outro filho, Carlos, que é vereador no Rio, assim como era Marielle.
E é preciso lembrar que Bolsonaro interferiu na Polícia Federal, com interesse particular pela superintendência do Rio. E que por isso é investigado pela PGR e pela própria Polícia Federal. E que, a pedido do presidente, a Polícia Federal interrogou Ronnie Lessa. E que, por conta de um pedido de Bolsonaro à PGR, a Polícia Federal investigou o tal porteiro do tal depoimento falso.
E é preciso lembrar que, às vésperas da operação contra Witzel, a deputada Carla Zambelli, principal apoiadora de Bolsonaro, veio a público anunciar que o governador do Rio estava para ser alvo de uma investigação — e, não custa lembrar, foi Zambelli quem rogou a Sergio Moro que aceitasse a nomeação de Alexandre Ramagem, amigo do presidente, para diretor-geral da polícia, nomeação barrada por Alexandre de Moraes, motivo pelo qual Bolsonaro acabou nomeando o segundo de Ramagem, que imediatamente trocou o superintendente da PF no Rio.
E é preciso lembrar que na reunião de ministério cujo vídeo foi divulgado recentemente, Jair Bolsonaro anunciou que tem um serviço particular de informações. E que há pouquíssimo tempo, o empresário Paulo Marinho, aliado de primeira hora do candidato Bolsonaro, acusou o presidente e o filho Flavio de terem recebido informações sigilosas da Polícia Federal do Rio.
Depois de lembrar de tudo isso, fica mais fácil entender o quão suspeita é a declaração de Flavio Bolsonaro, que, após a ação contra Witzel, disse que “pelo que eu estou vendo e estou ouvindo, isso não é nada perto do tsunami que está vindo. Pelo que falam, tem umas seis secretarias que estão prejudicadas” — é de se supor que a PF interrogue Flavio, e Zambelli, para saber como conseguem ser tão bem informados.
É tutti buona gente.