Jair Bolsonaro emprega hoje em seu governo quase três mil militares. É uma péssima ideia, por muitos motivos: as Forças Armadas são um órgão de Estado, e colocar seus integrantes em funções governamentais pode gerar uma situação de conflito de interesses; militares, treinados para a guerra e a defesa nacional, não são preparados para funções civis; virtudes militares, como obediência e hierarquia supremas, não são as ideais no serviço civil, onde é positivo que subordinados possam discordar dos chefes.
O mais emblemático e revelador exemplo dos perigos de se usarem militares em funções civis é o general Eduardo Pazuello. Henrique Mandetta recusou-se a cumprir a vontade do presidente de flexibilizar o isolamento social e adotar a cloroquina como tratamento padrão para a Covid, e foi demitido por isso. Foi substituído por Nelson Teich, que preferiu deixar o governo a aceitar as ordens contra as quais se insurgiu seu antecessor. O general Pazuello, secretário-executivo do ministério da Saúde, ficou como interino.
Mandetta e Teich, que são civis, entenderam, corretamente, que a saúde da população (um interesse de Estado) era uma prioridade mais alta do que a obediência ao presidente, e recusaram-se a contrariar o isolamento (que, segundo a ciência, a OMS e a Opas, é o melhor método de reduzir as mortes) e mantiveram a cloroquina, medicamento de efeitos colaterais graves e de eficácia praticamente descartada, apenas como tratamento compassivo para casos graves.
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Clique e AssineMas um militar entende que a obediência é valor absoluto, e tem dificuldade de resistir a ordens, por mais equivocadas que sejam. Eduardo Pazuello preferiu pôr milhares de vidas em risco, e até a responder por sua decisão na Justiça, a descumprir a ordem de seu comandante — e adotou a cloroquina como tratamento precoce (decisão tão equivocada que saiu sem a assinatura de um médico). Quando seu comandante o convocou para uma manifestação no domingo passado, Pazuello mais uma vez cumpriu a ordem e compareceu, dando o endosso do ministério da Saúde a uma atividade de altíssimo risco, que contraria a orientação do próprio ministério que comanda, e a determinação legal do governador do DF.
O erro de ter um militar, de obediência é cega, à testa do ministério da Saúde terá um alto custo em vidas. Até porque tal militar está lotando o ministério com outros militares talhados à sua imagem e semelhança.