Caso Celso Daniel: crime chocou o país, e investigação assombrou o PT
Para a polícia, o então prefeito de Santo André foi vítima de crime comum. Para familiares, foi crime político
Prefeito de Santo André e escolhido para coordenar a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Daniel foi sequestrado ao sair de um restaurante e morto em circunstâncias misteriosas em janeiro de 2002. O caso chocou o país. As investigações também: seguindo um estranho roteiro, a procura pelos assassinos esbarrava sempre em evidências de corrupção. E mais mortes. Sete pessoas ligadas ao crime morreram em circunstâncias também misteriosas, entre acusados, testemunhas, um agente funerário, um investigador e o legista do caso. Para a polícia, Celso Daniel foi vítima de crime comum: extorsão mediante sequestro, seguido de morte. Essa também é a versão do PT. Já familiares afirmam desde o início do caso que a morte do prefeito é um crime político em torno de um esquema de propina em Santo André que era do conhecimento da cúpula petista – o embrião de esquemas mais sofisticados de corrupção colocados em prática depois que o PT chegou ao poder.
Era noite de 18 de janeiro de 2002 quando o Celso Daniel voltava de um jantar em uma churrascaria nos Jardins, na região central da capital paulista. O petista estava em um Mitsubishi Pajero blindado, dirigido por um amigo, o empresário Sérgio Gomes da Silva, conhecido como Sombra, quando foi perseguido por três carros. Na altura do número 393 da rua Antônio Bezerra, na zona sul de São Paulo, o carro foi fechado e diversos disparos atingiram seus pneus e vidros traseiro e dianteiro, na direção do motorista. Em seguida, sete homens armados levaram Celso Daniel. Sombra permaneceu no local. Dois dias depois do sequestro, no fim da manhã do domingo, 20 de janeiro, o prefeito foi encontrado morto na Estrada das Cachoeiras, na região de Juquitiba, a 78 quilômetros de São Paulo. O corpo tinha marcas de onze tiros, além de sinais de tortura. Dos disparos, oito podem ter provocado a morte de Celso Daniel, sendo um deles no rosto.
Sérgio Gomes da Silva era a única testemunha, já que dirigia o carro em que estava Celso Daniel. Na época, o empresário chegou a participar da reconstituição do crime e afirmou que o câmbio e a trava do veículo falharam na hora em que foi fechado pelos outros três carros, o que impossibilitou a fuga e permitiu aos bandidos abrirem a porta para levarem o prefeito. Uma análise da perícia feita no carro, porém, concluiu que ele não tinha defeitos elétricos ou mecânicos e, segundo os peritos, se houve falha, ela foi humana. “Sombra” tornou-se um dos principais suspeitos de ser o mandante do crime.
Após quase três meses de investigação, a Polícia Civil de São Paulo concluiu o inquérito sobre o assassinato de Celso Daniel, classificando a morte como crime comum e pedindo a prisão de seis integrantes de uma quadrilha da favela Pantanal, na Zona Sul da capital paulista: Itamar Messias Silva dos Santos, Rodolfo Rodrigo de Souza Oliveira, Marcos Roberto Bispo dos Santos, José Edson da Silva, Ivan Rodrigues da Silva e Elcyd Oliveira Brito. Um menor de 17 anos também foi apreendido – ele confessou ser o autor dos disparos contra o petista.
Em depoimento à polícia, os suspeitos afirmaram que planejaram o sequestro de um empresário e o perderam de vista. Para não perder a viagem, seguiram a Pajero em que estava o prefeito e o levaram por acreditar que ele teria dinheiro. Segundo a quadrilha, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, não foi sequestrado porque parecia ser o motorista. Eles ainda afirmaram que, ao saber da identidade de Celso Daniel, o líder do grupo ordenou que ele fosse solto, mas os outros criminosos entenderam que a ordem era matá-lo. A conclusão da polícia de que o crime teve motivação comum não agradou aos familiares do prefeito, que apontaram diversas inconsistências no inquérito e pediram a retomada das investigações. O Ministério Público entrou na apuração, adotando outras hipóteses, como crime passional, que foi descartada, e crime político. O ponto de partida foi o laudo feito no corpo de Daniel, no qual havia marcas de tortura.
Segundo João Francisco Daniel e Bruno Daniel, irmãos de Celso Daniel, o prefeito foi assassinado porque tinha um dossiê com informações sobre a corrupção em Santo André (SP) e ameaçava delatar todo o esquema. De acordo com o depoimento dos dois, o PT cobrava propina de empresas que prestavam serviços à prefeitura e desviava dinheiro para contas pessoais e para o financiamento de campanhas eleitorais. Ainda segundo a versão dos familiares, dois petistas do alto escalão puxavam o fio de todas as operações: José Dirceu e Gilberto Carvalho. Em 24 de janeiro de 2002, cinco dias após o assassinato do prefeito, a empresária Rosângela Gabrilli, dona de uma empresa de ônibus em Santo André (SP), procurou o Ministério Público para denunciar que os donos de companhias rodoviárias da cidade eram obrigados a contribuir com uma caixinha para o PT. O valor do mensalão seria proporcional à quantidade de ônibus que cada empresário possuía, à razão de 550 reais por veículo. Notas fiscais e extratos bancários mostravam que um dos maiores beneficiados pelo esquema era o empresário Sérgio Gomes da Silva.
Além dele, outros dois nomes ligados a Celso Daniel – Klinger Luiz de Oliveira Sousa, ex-secretário de Serviços Municipais de Santo André, e Ronan Maria Pinto, sócio de “Sombra” –, também eram indicados por Rosângela. O MP de Santo André, no entanto, reuniu indícios de que Celso Daniel não só sabia do esquema de corrupção como se beneficiava dele. Além disso, a relação entre as pessoas que trabalhavam na prefeitura de Santo André era das mais amigáveis e, dessa forma, não havia indícios que sustentassem a tese de que Celso Daniel, indignado com o esquema, rompesse com seus companheiros e ameaçasse delatar as operações.