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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Uma resposta ao meu amigo criminalista, com quem não há chance de eu brigar! Ou: Ainda os atos de ofício

Recebo de um amigo, que é advogado, um grande criminalista, a seguinte mensagem (os negritos são dele). Vejam como, à diferença do que pensam os petralhas, não vivo num ambiente em que as pessoas sempre dizem que estou certo. Meu caro (…), É verdade que, para a caracterização do crime de corrupção passiva, na modalidade […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 08h12 - Publicado em 6 ago 2012, 21h22

Recebo de um amigo, que é advogado, um grande criminalista, a seguinte mensagem (os negritos são dele). Vejam como, à diferença do que pensam os petralhas, não vivo num ambiente em que as pessoas sempre dizem que estou certo.

Meu caro (…),
É verdade que, para a caracterização do crime de corrupção passiva, na modalidade simples (não qualificada), não se exige a prática efetiva de ato de ofício. Contudo, e isto faz toda diferença, é indispensável que o agente solicite ou receba a vantagem indevida em razão de algum ato de ofício que possa praticar. Exemplifico: um escrivão de polícia solicita propina para deixar de indiciar alguém que será ouvido em inquérito policial. Trata-se de conduta atípica, não caracterizadora do crime de corrupção passiva porque não cabe ao escrivão, mas sim ao delegado, determinar ou não o indiciamento de pessoas em inquérito policial. Se o delegado é quem solicita a grana, então estaremos diante da prática do crime; e se ele, efetivamente, deixa de determinar o indiciamento como decorrência da corrupção, ter-se-á a figura qualificada do § 1º, e mesmo assim desde que se demonstre que aquela dispensa se deu com infringência do dever funcional por parte da autoridade policial.

Essa é a interpretação pacificada pelos tribunais a respeito do art. 317 do Código Penal, e não se trata de invenção, mas de exegese com a utilização de conceitos próprios ao Direito Penal.

Eu não estou acompanhando os debates (…), mas sei que, se a condenação for proferida com o afastamento de entendimentos há muito consagrados na esfera penal, todos nós pagaremos muito caro por isso. E aí reside minha maior fúria com os mensaleiros: qualquer que seja o resultado do julgamento, o Brasil perde; ou institucionalmente ou na garantia individual em matéria penal e processual penal.

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Mesmo ficando bravo comigo, por favor, não me queria mal… Eu só não consigo deixar de fazer estas considerações em respeito mesmo ao excelente trabalho que você tem feito a respeito do assunto.

Abração,

Respondo
Caríssimo,

em primeiro lugar, a chance de eu me indispor com você em razão de uma divergência de natureza intelectual — política, ideológica ou mesmo no campo do direito, em que você é mestre, e eu, apenas um curioso — é inferior a zero. Jamais! Até porque você, como sabe, já foi o meu Virgílio mais de uma vez nesses círculos infernais.  De resto, como sabe, não uso esses critérios para selecionar amigos. Como escreveu Drummond, “amizade é isto mesmo: salta o vale, o muro, o abismo do infinito”. De resto, no caso, não há abismo nenhum! Tenho amigo petista, embora muitos petralhas não acreditem. Tenho amigos no governo, embora eu possa lamentar isso! Tenho amigos que são lulistas roxos. Alguns são até palmeirenses, hehe… Gostam de me pintar como um extremista cego porque isso é conveniente aos patrulheiros.

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Noto que a gente não diverge, não — ou diverge menos do que parece. Se você acompanhar os debates, notará que a questão do “ato de ofício” está sendo maltratada ou destratada tanto no caso da “corrupção passiva” (Artigo 317 do Código Penal) como no da “corrupção ativa” (Artigo 333 do mesmo código). Estamos de acordo na leitura da lei. E por que o maltrato? Porque está restando no ar a questão: “Onde está o ato de ofício?”

Vamos ver, meu amigo, o que diz (como se você não soubesse…) o Artigo 317 do Código Penal (corrupção passiva):
Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.180

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§ 1º – A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§ 2º – Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:

Agora o 333 (corrupção ativa):
Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

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Pena – reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

Voltei
O problema é que, nas franjas da argumentação, as respectivas defesas estão tomando os verbos no infinitivo como sinônimos de vantagens indevidas efetivamente concedidas e recebidas. E, como fica claro na sua argumentação também, a efetiva concessão não é necessária para caracterizar os crimes. Tomo o seu texto, no caso da corrupção passiva — entendimento, você lembra, consagrado nos tribunais: “Contudo, e isto faz toda diferença, é indispensável que o agente solicite ou receba a vantagem indevida em razão de algum ato de ofício que possa praticar.”

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Perfeito, meu amigo! Você emprega o verbo no futuro do subjuntivo, o modo que expressa a POSSIBILIDADE. E é aí que tenho entrado para debater: o larápio experiente não deixa ato de ofício PRATICADO, no particípio passado. Então é preciso cuidado para que a Justiça não passe a ser uma peneira que só contém os tolos, os imprudentes e os ineptos na arte de corromper e se corromper.

Eu não quero que se afaste entendimento consgrado nenhum, não! Ao contrário: pretendo que ele seja usado. Era justamente o poder de que dispunha Dirceu, por exemplo, na máquina do governo, algo que pertence ao domínio dos fatos, que lhe dava a condição de mover ou não mover essa máquina. Era tal esse poder que ele foi chamado, mais de uma vez, de primeiro-ministro de Lula — coisa que nem contestava porque fazia bem a seu ego e alimentava suas ambições políticas. Conforme vários testemunhos, Delúbio distribuía as prebendas, mas era com Dirceu, na Casa Civil, no Palácio do Planalto, que os acordos eram selados, consolidados, sacramentados.

As suas preocupações também são as minhas. Não quero ver relativizado o direito de defesa. Tenho recomendado aos leitores que não demonizem os advogados, que são uma expressão do regime democrático. Tenho aqui propugnado, isto sim, para que verbos no infinitivo e o futuro do subjuntivo não sejam lidos como particípios passados.

Finalmente, noto que sou, então, mais otimista do que você. Considero, sim, possível haver a condenação de todos os mensaleiros sem o menor arranhão nos princípios que regem o estado democrático e de direito. Ou, por outra, seríamos obrigados a considerar que a observação dessas regras implicaria ter de conviver com os mesaleiros. Fosse assim, seria, então, o caso de revermos alguns fundamentos. Mas acho que isso não é necessário. 

Do amigo de sempre (ainda que você fosse palmeirense, mas não é, hehe),

Reinaldo

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