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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Tarso Genro e a maconha: a contínua, pertinaz e disciplinada desmoralização das instituições

O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, assombrou o mundo em várias ocasiões. Já expeliu a sua literatura de incontido autolirismo (“Quanto te esperei e quanto sêmen inútil derramei até o momento” ), depois de comparar a “vovô Cacilda” com “uma patinha”; fez uma descoberta improvável ao escrever o livro “Lênin, Coração e […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 12h20 - Publicado em 7 abr 2011, 08h05

Tarso fala a um auditório lotado: "Dizem que maconha é muito saborosa" (Foto: Caco Argemi/Palácio Piratini)

Tarso fala a um auditório lotado: “Dizem que maconha é muito saborosa” (Foto: Caco Argemi/Palácio Piratini)

O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, assombrou o mundo em várias ocasiões. Já expeliu a sua literatura de incontido autolirismo (“Quanto te esperei e quanto sêmen inútil derramei até o momento” ), depois de comparar a “vovô Cacilda” com “uma patinha”; fez uma descoberta improvável ao escrever o livro “Lênin, Coração e Mente”; comportou-se como revisor da Corte Italiana ao decidir manter no Brasil um homicida condenado à prisão perpétua na Itália, e, há dias, acusou o STF de manter Cesare Battisti no país como “prisioneiro político”. É um resumo muito sóbrio da sua obra.  Foi convidado a dar uma aula inaugural na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. (UFRGS). O auditório estava lotado, como vocês podem reparar. As virtudes do poeta, do leninista enternecido, do jurista e do boquirroto se juntaram para que pronunciasse a seguinte frase, referindo-se à maconha: “Dizem que é muito saboroso”.

Este senhor já foi ministro da Justiça, e sua pasta respondia pela política geral de combate às drogas. Deu no que estamos vendo. Já tinha feito considerações, segundo entendi, simpáticas à descriminação ao afirmar, como se estivesse num boteco: “Eu nunca vi alguém matar por ter fumado um cigarro de maconha”. Matar, eu não sei. Mas posso afirmar que muita gente morre por causa das drogas. É possível que boa parte dos quase 50 mil homicídios que há por ano no Brasil se deva a elas. Por que a minha inferência faz sentido? Porque a maior parte dos mortos é formada por homens jovens, muitos deles soldados do tráfico. Argumento em favor da legalização? Só nas mentes perturbadas.

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Parte considerável do auditório riu, contam-me pessoas presentes, manifestando-se a favor da fala do governador, considerando-a espirituosa, descontraída, descolada — em suma: “Tarso é um dos nossos!”. Todos sabemos como a sociedade careta, conservadora e pobre — que financia a universidade pública e que lastima as drogas porque seus filhos são vítimas do mal — tende a ser exorcizada nos ambientes universitários. Parcelas consideráveis alisam aqueles bancos não exatamente para estudar, mas para submeter-se ao “desregramento sistemático dos sentidos”, como diria Rimbaud. Sugam os recursos da sociedade, não lhe dão rigorosamente nada em troca, e, bem, dali não sai nenhum Rimbaud…

OS GRAVATAS-VERMELHAS: Villaverde, Tarso, Carlos Alexandre e Oppermann: o reitor escapou, mas não as cadeiras... (foto: Caco Argemi/Palácio Piratini)

OS GRAVATAS-VERMELHAS: Villaverde, Tarso, Carlos Alexandre e Oppermann: o reitor escapou, mas não as cadeiras… (foto: Caco Argemi/Palácio Piratini)

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Tarso disse o que disse diante de  Carlos Alexandre Neto, o reitor; de Rui Oppermann, vice-reitor, e de Adão Villaverde, presidente da Assembléia Legislativa. Aos educadores  — ao petista Villaverde seria inútil —,  pergunto: “Vocês não se envergonharam um pouquinho ao menos? Consideram mesmo que se trata de um bom exemplo para os jovens? Gostariam de Tarso como tutor de seus respectivos filhos?” A propósito: tanta gravata vermelha, vejam a foto, era certamente um sinal de respeito. Não sei se o reitor resistiu ou se distraiu. Pode ter sido também uma questão de bom-gosto…

Não se fará escarcéu. A imprensa nacional — onde o lobby em favor da descriminação das drogas (no mínimo, isso…) é fortíssimo — vai se calar. O governador afirmou dia desses que, agora, só lê a imprensa gaúcha. Vamos ver: se for por bons motivos, ela aponta a sua irresponsabilidade; se for pelos maus, ou ignora o assunto ou o chama um homem destemido. Reitero um aspecto para o qual chamei a atenção ontem: Tarso faz uma declaração como essa num país em que o crack é um flagelo; que viu há pouco uma presidente ser eleita prometendo um programa nacional de combate à droga — que, provavelmente, ficará no papel, como quase tudo o que prometeu. AFINAL, SEGUNDO ELIO GASPARI, A SUA GRANDE VIRTUDE ESTÁ EM NÃO GOVERNAR, EM AFASTAR OS PROBLEMAS PRA LÁ E NÃO DEIXAR QUE ELES A CONTAMINEM. Eremildo já teve dias melhores!

Tudo é saboroso!
As drogas representam um desastre para os viciados justamente porque são “saborosas” — se não elas mesmas, o efeito que provocam. Ninguém fuma maconha, crack ou haxixe , cheira cocaína ou injeta heroína nas veias para passar mal. As substâncias psicoativas de toda essa porcariada provocam, obviamente, uma sensação de prazer — que tem, não obstante, um custo. Variam apenas na velocidade com que matam e com que jogam o viciado na marginalidade. A maconha, mais leve, com as exceções de sempre — porque sempre as há, e cumpre não fazer delas “o outro lado da moeda”, mas apenas o que são: excepcionalidades! —, vai abestalhando de forma lenta, gradual e “segura”; o crack costuma operar uma limpeza no hardware moral. Tudo se vai em nome da pedra: dignidade, moralidade, amor próprio, amor pelo outro. Até havia pouco, não se dava muita atenção para os “crackelados” porque eram coisa da pobreza. Hoje, sabe-se, o cachimbo saltou o muro das classes.

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Estudos recentes demonstram que é absolutamente falsa a suposta benignidade ou malignidade menor da maconha, ao contrário do que sugere o governador. A propósito: já que ele só lê a imprensa gaúcha, recomendo-lhe este texto publicado no jornal Zero Hora. Os especialistas que se dedicam ao assunto já não têm dúvidas: a maconha costuma — o que não quer dizer que seja fatal — ser a porta de entrada para drogas mais pesadas. A razão é simples: os ambientes próprios ao consumo não têm preconceitos. As várias substâncias podem conviver.

Algumas objeções
Eu já debati aqui muitas vezes as teses furadas em favor da descriminação das drogas como um todo e da maconha em particular. Quem quiser saber por que as considero uma estupidez basta recorrer à área de busca do blog. Sem jamais advogar benefícios advindos do álcool ou do tabaco, já expliquei por que é falacioso o argumento que procura juntar todos os gatos no mesmo saco, como se fossem pardos. Não são! Para começo de conversa, cigarro não altera a consciência de ninguém; a maconha e as demais drogas, incluindo o álcool em excesso, sim! Substâncias não existem no vácuo; ainda que todas se equivalessem, o que é falso, a cultura — que existe! — as fez diferentes e distingue “comunidades”: só se obtém e se fuma maconha decidindo ser elo de uma cadeia criminosa. E isso, lamento dizer, já implica uma escolha moral.

“Mas e se fosse tudo legal?” O “fosse” não se coloca porque não será: a esmagadora maioria da população da também maioria dos países é contrária à legalização. Não haverá, indago, alguma sabedoria nisso? Será mesmo tudo ignorância? Com que autoridade ou com base em que princípio se diria a um jovem: “Olhe, maconha, tudo bem!; mas crack e cocaína não!”? A sugestão de que “reprimir não adianta porque existe consumo mesmo assim” é uma estupidez lógica. Fica parecendo que o consumo existe porque a repressão existe. A frase correta é outra: “Apesar da repressão, o consumo existe”. Sem ela, ele aumentaria brutalmente. Imagine-se o efeito devastador que a legalização não teria nas escolas, nos serviços de saúde e nas comunidades pobres. Prometi não me estender neste tópico, mas vou indo… Uma ultima observação relevante sobre este particular: a suposição de que a legalização das drogas diminuiria o crime porque acabaria com o tráfico é uma tolice gigantesca. Pobre ou rico, é criminoso quem quer, pouco importa o ramo de atividade. Os bandidos migrariam para outras atividades e continuariam a aterrorizar a população do mesmo jeito se estiverem mais ou menos certos da impunidade.

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Volto a Tarso. Ou: um pouco de história
Na aula inaugural na UFRGS, Tarso afirmou aos estudantes que não fumou maconha quando na clandestinidade porque seria um risco adicional e tal. É outra besteira lógica: escondido, teria sido até mais fácil. O problema era outro. Correntes de esquerda, com raras exceções, passaram a ser tolerantes com as drogas de meados da década de 80 para cá. Antes, consideravam-nas expressão da “decadência capitalista”.  Quando a droga do comunismo parou de dar barato, então aderiram. Nos grupos a que pertenci, não havia veto, mas eram muitos os que olhavam com certo desdém os “maconheiros”. Uma orientação explícita havia, sim: jamais andar com material da “organização” e drogas ao mesmo tempo.

Boa parte dos leitores não conhece a, vá lá, metafísica da esquerda — não perdem grande coisa em si. Conhecê-la, no entanto, corresponde a percorrer uma parte significativa da história. O comunismo surgiu em oposição aos particularismos que dividiriam a classe operária em todo o mundo, espoliada (Emir Sader escreve “expoliada”) pela burguesia e manipulada por valores ideológicos que mascarariam os interesses dos poderosos. Era preciso construir um “Novo Homem, fundado em valores universais da classe revolucionária: o proletariado. Huuummm… Fernando Pessoa, o poeta, deu uma definição muito boa: “O comunismo é um dogmatismo sem sistema. Se o que há de lixo moral e mental em todos os cérebros pudesse ser varrido e reunido e, com ele, se formar uma figura gigantesca, tal seria a figura do comunismo, inimigo supremo da liberdade e da humanidade, como o é tudo o que dorme nos baixos instintos que se escondem em cada um de nós”. Supimpa!

Pessoa tinha razão, claro! Mas destaco que havia aquela pretensão universalista, totalizante — daí que os comunistas originais fossem inimigos de nacionalismos, particularismos, “especifismos”, se me permitem o neologismo. “A classe operária é internacional!”, lembram-se? Não sou tão velho — 49 apenas —, mas ainda peguei a rabeira daquele generalismo supostamente humanista (que era lixo, Pessoa estava certo). Ocorre que, num dado momento, as esquerdas perceberam que o capitalismo havia tomado rumo para elas inesperado e já não fazia mais a “classe revolucionária”. Passaram, então, nos países capitalistas — nos comunistas, é óbvio, não! — a se ligar ou a investir em tudo aquilo que “divide”. O “homem universal” — ou o “proletário universal”  — cedeu lugar aos particularismos militantes: luta racial, feminismo, movimentos homossexuais,  ecologismo, sem-terrismo, sem-tetismo, liberação das drogas… Escolham aí. Até os católicos pobres passaram a ser vítimas do assédio moral da esquerda de batina.

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Atenção! Isso não quer dizer que não havia e não haja problemas específicos com os quais têm de lidar as mulheres, os negros, os moradores do campo, os homossexuais etc. É claro que sim! Os movimentos só prosperam porque partem de questões que estão dadas na sociedade. O que estou afirmando é que essas causas passaram a ter um vetor ideológico de matriz e matiz anticapitalistas, fornecidos pelas esquerdas, embora, evidentemente, sejam movimentos que só podem existir em sociedades capitalistas. Sua expressão mais recente são as ONGs.

Não se trata de uma grande e monstruosa conspiração, não! Eles adoram acusar seus adversários de paranóicos. Atuam bastante às claras. Esses grupos, a maioria sob o comando do PT, estão empenhados numa guerra de valores que já teve como objetivo a conquista do poder; hoje, buscam mantê-lo. Tarso nunca recuou de seu livro “Lênin, Coração e Mente”. O método do facinoroso se mostra inviável hoje em dia. O que levou um leninista “modernizado” ao governo do Estado e a dizer o que disse sobre a maconha numa universidade pública, financiada pelos desdentados, foi a vitória de um método: o da contínua, pertinaz e disciplinada desmoralização das instituições.

PS – Não estou questionando a legitimidade de Tarso, não! Estou consciente de que essa vitória se deu com a concordância da maioria dos gaúchos que votaram.

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