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PROTESTOS 2 – Divisão dos movimentos pró-impeachment faz bem à democracia

Só regimes autoritários vivem em permanente mobilização de rua; a disputa se dá agora principalmente no terreno institucional

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 30 jul 2020, 22h12 - Publicado em 1 ago 2016, 07h27

Recorrendo à simples comparação, o que não me parece um bom critério, foi baixa a adesão tanto aos atos em favor do impeachment de Dilma como àqueles contra a sua saída. As razões mais objetivas e imediatas estão apontadas no post anterior. Quero aqui tratar de um outro aspecto que me parece relevante.

A democracia política está em plena vigência no Brasil, felizmente. E, observem mundo afora, nos regimes democráticos, a, deixem-me ver como chamar, “desmobilização do povo” é muito mais um sinal virtuoso do que vicioso. Nem todo regime autoritário mantém a população permanentemente mobilizada, mas só regimes autoritários assim procedem. Tome-se agora, e já há muito tempo, o caso da Turquia. À medida que Recep Erdogan ia avançando no seu neofascismo islâmico, os turcos iam sendo progressivamente chamados a atuar. Uma horda de seguidores do ditador espancando soldados envolvidos com aquela tentativa sui generis de golpe fala por si mesma. Se quiserem um exemplo mais próximo, olhem para a Venezuela.

Creio eu que os movimentos de rua que estão na raiz do impeachment de Dilma precisam entender que o espaço do confronto de ideias e leituras sobre o Brasil está mais nas instituições — sim, senhores, o Congresso, por exemplo — do que nas ruas. As batalhas políticas têm fases específicas. E cada uma delas pede a arma adequada. Só as esquerdas doidivanas e os movimentos fascistoides contam manter seus soldados berrando nas praças em tempos de paz. A razão é simples: a eles só a guerra interessa. Os indivíduos têm mais o que fazer. Felizmente!

“Mas como, Reinaldo? E os quase quatro milhões de pessoas que cobraram o impeachment de Dilma no dia 31 de março? O Brasil não era uma democracia política?” Era, sim, mas vivendo sob uma ordem que se percebeu anômala. Amplos setores da população se deram conta de que mensalão e petrolão foram mais do que a ação de uma quadrilha para assaltar os cofres públicos. Os bandidos que foram pegos com a boca na botija eram também ladrões da institucionalidade.

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Gostem ou não do ainda muito curto governo Temer, o fato inegável é que ele resgatou certo sentido de normalidade que havia se perdido. Os brasileiros se deram conta de que a permanência de Dilma ameaçava até mesmo a ordem democrática. Não que houvesse a iminência de golpe: o regime estava sendo esgarçado pela falta de funcionalidade. A então “presidenta” já não governava; apenas lutava para não cair.

Notem: onde muitos estão vendo um problema — a chamada “divisão” dos movimentos que pediram a saída de Dilma —, vejo o desdobramento natural da política. E, se querem saber, acho tal divisão virtuosa. Retomada a normalidade — e o impeachment de Dilma já foi incorporado como dado de realidade —, as pautas se multiplicam e tendem mesmo a romper com o sentido da ordem unida. O que há de errado com isso, além de nada?

Neste domingo, por exemplo, a pauta pró-impeachment me pareceu apenas uma face publicitária das tais 10 medidas contra a corrupção elaboradas por Deltan Dallagnol e que estão no Congresso na forma de um projeto de lei. É evidente que o apoio àquele conjunto de coisas é bem menor do que a defesa do impedimento de Dilma. E por que é menor? Porque se pode entender, também por boas razões, que nem todas elas são aceitáveis. Ainda voltarei ao tema: há no conjunto de medidas, por exemplo, um teste aleatório de honestidade que se parece mais com uma polícia religiosa… É inconstitucional.

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Os grupos favoráveis ao impeachment tendem a se dividir, ainda, em questões como Previdência, privatizações, reforma política, corte de gastos etc. Não descarto, obviamente, que esses temas todos possam conduzir a manifestações de rua e a ações mais, digamos, crispadas mesmo entre os que defenderam a saída de Dilma. As esquerdas certamente vão se mobilizar, com os seus barulhentos gatos-pingados.

Mas eis aí: o próprio das democracias é justamente haver essa fragmentação da pauta e das manifestações, quando se perde em número o que se ganha em clareza das propostas. Convenham: a saída de Dilma é uma pauta rasa demais no que concerne à definição de uma postura política e, não tenho receio do termo, ideológica. A partir de determinado ponto, cobrar o impeachment era apenas uma questão de pragmatismo: o país precisava sair do imobilismo.

Tão logo essa questão esteja resolvida, então começam as batalhas de mais longo prazo. Elas até podem, sim, em proporções muito mais modestas, ganhar as ruas. Mas seu espaço privilegiado estará mesmo nas instituições. A política não é a pólis. A política é a pólis articulada. Um povo falando em coro, em uníssono, é uma fantasia totalitária.

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Este domingo demonstrou que não será assim. Ainda bem!

Texto publicado originalmente à 1h40
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