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Professora pede a aluna de 12 anos que marque encontro com pedófilo; era parte de um trabalho de… língua portuguesa!!! Ou: O desastre da educação brasileira

Ai, ai… Uma professora de português de uma escola estadual de São Carlos, no interior de São Paulo, pediu que uma aluna de 12 anos entrasse na Internet, mantivesse conversa com um pedófilo e marcasse encontro com ele em frente a uma igreja. A “mestra” filmaria tudo. Mostrando grande “zelo profissional”, a ela deu detalhes […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 10h11 - Publicado em 15 nov 2011, 06h45

bilhete-pedofilia

Ai, ai…

Uma professora de português de uma escola estadual de São Carlos, no interior de São Paulo, pediu que uma aluna de 12 anos entrasse na Internet, mantivesse conversa com um pedófilo e marcasse encontro com ele em frente a uma igreja. A “mestra” filmaria tudo. Mostrando grande “zelo profissional”, a ela deu detalhes do trabalho num bilhete aos pais, pedindo que eles vigiassem a conversa. O objetivo do “trabalho”, disse, era demonstrar o risco que crianças corriam com esse tipo de coisa. Santo Deus! As crianças brasileiras hoje correm riscos mesmo é na… escola! A “pedagogia”, como tem sido entendida no Brasil, consegue ser ainda mais perigosa do que a pedofilia!

A Secretaria de Educação afastou a professora e instaurou procedimento preliminar para averiguar o que aconteceu. Segundo a família, a criança ficou bastante nervosa com o trabalho e chegou a chorar, com receio de ser prejudicada caso não conseguisse cumprir a tarefa. O bilhete, como vocês vêem acima, não deixa a menor dúvida sobre o pedido da docente.

O que dizer, minhas caras e meus caros? Olhem, eu realmente não acho que a tal professora tenha tido qualquer intenção malévola ou que tenha sido tocada pela patologia. Fosse assim, se vocês quiserem saber, o mal seria menor; nessa hipótese, ela já teria sido afastada e pronto! A verdade é que o problema é muito MAIS GRAVE! E não se restringe a essa escola de São Carlos ou ao ensino público.

Se vocês querem saber o que se passa com a escola brasileira, voltem um pouquinho os olhos para alguns professores e alguns mestrandos e doutorandos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, aquela turma que acha que a universidade é um território autônomo e que ela constitui uma casta acima das leis. É claro que há gente séria por lá, e os sérios ficarão gratos com o que vou afirmar porque também não suportam mais o espetáculo continuo de pilantragem e vigarice intelectual. Cito a famosa “Fefeléchi” como exemplo porque está em evidência, mas o mesmo se dá em todo o Brasil: as universidades não formam nem treinam mais seus estudantes para dar aulas das disciplinas que escolheram estudar. Não!

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Espalhou-se como praga — uma verdadeira doença moral, ética, espiritual e ideológica — a convicção de que a função de um professor é “libertar os alunos” das peias do conservadorismo ou qualquer bobagem do gênero. Professores se querem “educadores” — até aí, vá lá… — e iluminadores de consciências; sua mais nobre tarefa seria, então, “conscientizar” os alunos. Para tanto, deixam de lado a sua disciplina — e isso é especialmente verdade nas áreas de humanas e de “comunicação” — e se dedicam ao mais rasgado, ignorante e incompetente proselitismo.

Em história e o geografia, o quadro é dramático. A primeira se transformou, não raro, num discurso de permanente revisionismo do que chamam “história oficial” em benefício da “versão dos oprimidos”. A outra virou, sem trocadilho, terra de ninguém. As crianças não sabem ler um atlas, entender um mapa, mas são convidadas a discursar sobre mudanças climáticas, IDH, desigualdades sociais, os males do agronegócio, os terríveis riscos dos transgênicos, os malefícios, enfim, associados — claro!!! — ao capitalismo e ao neoliberalismo. Sabem o que é pior? Tudo isso é tratado de modo ligeiro, ignorante, desinformado porque não passa de discurso militante. Tive de ouvir num desses ambientes, dia desses, que o Brasil “faz hidrelétricas como se fosse pão quente, aos montes…” Tudo porque a dona que discursava acha que o negócio é investir em energia eólica… Evidentemente, a ignorantona nunca se interessou em saber o custo da sua proposta.

Na área de língua portuguesa, caminha-se para a tragédia pura e simplesmente. O tal livro do “nós pega os peixe” é só uma anedota caricata a ilustrar o drama. Ensina-se gramática cada vez menos — afinal, não é isso o que pede o Enem do Fernando Gugu-dadá Haddad — e se perde um tempo enorme com “debates”, “histórias em quadrinhos”, sociologização rombuda, incompetente mesmo!, de textos literários… O currículo é uma verdadeira salada russa.

O fator Enem
A coisa já estava ruça. Piorou muito nos últimos anos, especialmente em razão da feição que assumiu o Enem, sob o comando de Haddad. A herança maldita deste senhor na educação ainda vai se revelar. As provas desse megavestibular federal (que não consegue nem mesmo manter as questões em sigilo) se transformaram em mera sociologice incompetente do conhecimento. O aluno não é convidado a demonstrar que sabe isso ou aquilo, que domina um determinado conceito, que pode aplicá-lo, eventualmente, às situações propostas. Nada disso! No mais das vezes, é instado a ser judicioso, opinativo — devidamente conduzido pelas balizas ideológicas da prova.

Não só isso: há um certo clima de vale-tudo. No mês passado, Jerônimo Teixeira publicou na VEJA um texto sobre uma pesquisa feita por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Leiam um trecho:
“Desde a sua primeira edição, em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), prova que avalia a qualidade das escolas secundárias e hoje substitui o vestibular em muitas universidades, reconheceu apenas duas vezes a existência de um romancista brasileiro do século XIX chamado José de Alencar.

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Na edição de 2009, o nome do escritor constou em uma das alternativas erradas para uma pergunta sobre regionalismo. Antes disso, em 2004, o autor de O Guarani foi lembrado em uma questão de biologia – sobre tuberculose, doença que causou sua morte, em 1877. O Enem nunca fez uma pergunta específica sobre a vida ou a obra do maior prosador do romantismo brasileiro. Jamais pediu aos alunos que interpretassem um texto seu. Outros nomes de primeira linha das letras em língua portuguesa fazem companhia a José de Alencar no clube dos esquecidos. Para ficar em poucos exemplos, temos o pregador jesuíta Antônio Vieira, o poeta inconfidente Tomás Antônio Gonzaga e Euclides da Cunha, autor do monumental Os Sertões. Os avaliados pelo Enem, em compensação, com frequência são chamados a interpretar as histórias em quadrinhos de Jim Davis, criador do gato Garfield, ou de Dik Browne, pai do viking Hagar. Um grupo de pesquisadores do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) fez um levantamento extensivo de todas as provas, desde o primeiro Enem – incluindo a prova que vazou e teve de ser invalidada, em 2009 -, para avaliar o peso que a literatura tem no exame. As conclusões são desalentadoras.

A começar pela valorização desmesurada das histórias em quadrinhos – o segundo gênero mais cobrado na prova, atrás apenas de poesia (veja o quadro abaixo) -, o exame mostra desproporções e equívocos de toda ordem. Os escritores anteriores ao modernismo são negligenciados: apenas cerca de 17% das questões versam sobre a literatura que precede a década de 20. Períodos inteiros foram apagados da história da literatura na versão do Enem: o barroco e o século XVII, por exemplo, não existem. Talvez ainda mais grave, não se exige nenhuma leitura prévia dos alunos, quando no antigo vestibular das melhores universidades havia uma lista de livros obrigatórios. Aparentemente, os iluminados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) – órgão do Ministério da Educação responsável pela elaboração da prova – consideram que um estudante pode entrar na universidade sem jamais ter lido Dom Casmurro, de Machado de Assis, ou Vidas Secas, de Graciliano Ramos.”

O que o Enem tem com isso?
“Pô, Reinaldo, você começa a falar da monumental estupidez de uma professora e depois dá pau no Enem!?” Queridos, eu trato é da falta de parâmetros, da perda do eixo, do vale-tudo instalado, que permite aos professores fazer essa, digamos, “abordagem criativa” em sala de aula, já que, afinal de contas, tudo pode, tudo é da lei, tudo é matéria de “debate”. A duras penas e contra alguns gorilas do sindicalismo, São Paulo conseguiu estabelecer um currículo mínimo para as escolas. Mas isso não quer dizer que esteja sendo seguido. A tarefa é árdua! Se existe uma política do governo federal que desorganiza o conhecimento, que privilegia a “opinião progressista” em detrimento do domínio do conteúdo de uma disciplina, então os ditos “criativos” se sentem livres para agir.

Reitero: fosse aquela professora uma pedófila, estaria, a esta altura, fora de circulação. Mas é provável que não seja. A minha hipótese é que ela é só uma agente da “educação moderna”, “transformadora” e “conscientizadora” (se me permitem abusar…) — vale dizer: a não-escola!!! É coisa muito mais difícil de combater.

O problema é de dimensão nacional. A crise é profunda. Coloque o triplo do dinheiro numa escola com esse padrão, e o risco é o problema se agravar. A principal carência não é de dinheiro, não! É a delinqüência intelectual e ética que faz da educação brasileira um vexame. Estamos entregues a uma horda de celerados. E, obviamente, existem os bons. Estes não têm por que se zangar porque sabem que eu estou colaborando com a sua causa, não o contrário.

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