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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Os pitorescos do selim. Ou: A revolução dos pelados reacionários

Mas que gente pitoresca! Como sabem todos, a minha única intenção no primeiro texto sobre os bikers, que pretendia ser o último, era lhes informar que eles não tinham o direito de parar a Avenida Paulista, que aquela era uma ação fascistoide. Já tinha ouvido falar e constatei bem de perto que os bikers mobilizados, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 09h21 - Publicado em 10 mar 2012, 06h07

Mas que gente pitoresca!

Como sabem todos, a minha única intenção no primeiro texto sobre os bikers, que pretendia ser o último, era lhes informar que eles não tinham o direito de parar a Avenida Paulista, que aquela era uma ação fascistoide. Já tinha ouvido falar e constatei bem de perto que os bikers mobilizados, os talibikers e fascisbikers, se querem mesmo pensadores da cultura, da democracia, da economia, da ecologia e da política. Ah, deixem-me atrair mais um pouquinho de ódio: aposto que a maioria vota na Marina Silva e jura entender o que ela diz. O obscurantismo costuma ser totalizante! Dada a qualidade da argumentação, nota-se que eles aprenderam tudo aquilo alisando o selim – já que não brota uma maldita referência técnica, nada! O maior pensador que eles conseguiram mobilizar foi Gilberto Dimenstein, que apóia a “Pedalada pelada”. O jogo de sílabas mexe com os meus instintos concretistas mais primitivos, mas vou me conter. Volto. Que gente pitoresca!

Fiz um texto até bem-humorado (sim, os “bikers” se querem pensadores sérios e não aceitam ser questionados – ou eles prometem até mesmo matá-lo; se for mulher, a coisa pode ser… pior!) sobre o apoio que Dimenstein resolveu emprestar aos que pretendem desfilar pelados de bicicleta, e a zanga foi imensa. Eles se sentiram ofendidos!!! Ameaçar de morte, pode! Chamar de bestalhão é ofensa inaceitável, punível com a… morte! Entenderam a, por assim dizer, “cabeça” de um talibiker? Ainda não sei quem é o Mulá Omar deles… Eu escrevi “mulá”!!!

Segundo o jornalista, pedalar pelado “é um inteligente jeito de tirar a roupa para ajudar a cidade de São Paulo”. Eu acho que a única coisa inteligente que a gente pode fazer pelado, quando acompanhado, é nheco-nheco, ué. Não posso achar? Ficar pelado por São Paulo? Qual é o lema? “Meu traseiro em benefício da cidade”? Sim, manguei, sim, e umas doidas aí me acusaram de machismo. Escrevi: “As pessoas que realmente valem a pena não ficam peladas, e as que ficam não valem a pena…” Ué… Machismo por quê? As mulheres e os gays devem achar o mesmo sobre os homens. Deixem-me arrumar mais uma confusão – até parece que me importo… Isso é como praia de nudismo. Ou junta gente disposta a demonstrar que não está nem aí “para os padrões burgueses de beleza” ou os tarados. Em qualquer caso… “Só gente bonita pode agora ficar pelada?” Eu não afirmei nada disso. Feios e bonitos podem ficar nus à vontade nos ambientes adequados. Se mostram a bunda na rua, facultam o direito de o outro comentar: “Mas que coisa deprimente!” Ou uma bunda feia deixa de ser uma bunda feia porque preocupada com o aquecimento do planeta?  “Então esse é seu critério, Reinaldo Azevedo?”

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Ah, chegamos ao ponto. Querem falar a sério? Até os “bikers” merecem isso de vez em quando, e eu não me importo de lhes oferecer uma tábua de salvação para o mundo da cultura e da civilização. Nada é mais privado do que o corpo. O estatuto mais importante das democracias é justamente o “habeas corpus” – literalmente, “tenha o teu corpo”. O nosso primeiro e fundamental direito é a posse daquilo que entendemos ser a morada inteira do nosso espírito. Se desloco um protesto de natureza política, uma reivindicação de caráter coletivo, uma petição ao estado, para o meu corpo, fazendo dele o veículo dessa demanda, eu o exponho a uma politização perigosa, facultando ao outro – e toda mobilização se estabelece contra um dado statu quo – uma reação de que esse corpo pode ser objeto e alvo.

Ao contrário do que afirma Gilberto Dimenstein e do que possam pensar os eventuais pelados que desfilarem pelas ruas, tirar a roupa “por São Paulo” é uma péssima maneira de ficar nu porque nada exprime mais a individualidade, exacerbando-a (quando voluntária) ou humilhando-a (quando imposta), do que a nudez. A manifestação, diga-se, se acontecer, expõe mais do que qualquer outra atitude, a natureza da reivindicação e o caráter dos reivindicantes. Em nome de uma coletividade abstrata; eventualmente tocados por teorias escatológicas, finalistas, despregam-se dos homens comuns, daqueles que ficam às margens das ruas, nas calçadas, assistindo ao desfile, com ar entre irônico e incrédulo. São o que são: individualistas radicais (nada tem a ver com o individualismo dos liberais) que acreditam que a sociedade – da qual, no fundo, julgam não fazer parte – lhes é devedora.

Há mais: ao desfilar pelados, julgam também estar desafiando um padrão moral, ao qual estariam apegados, sei lá, os tradicionalistas, grupo aos quais eles julgam, obviamente, não pertencer – daí que se considerem também inimigos dos carros, que seria outra expressão do convencionalismo, de uma sociedade de valores ultrapassados. Gente como Dimenstein – que, afinal, é da “mídia” – lhes dá a ilusão de que esses postulados têm alguma substância e profundidade.

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Imaginem o susto que essas pessoas podem levar se forem estudar um pouco… Talvez um dia descubram – e não precisam parar de pedalar para isso; basta que não transformem esse ato num exercício intelectual – que as famosas “interdições” que o cristianismo criou relativas ao corpo foram, na sua origem, uma garantia de liberdade. Passaram por derivações, vamos dizer, moralmente teratológicas ao longo do tempo? Sim! Ocorre que, assim como o cristianismo foi o primeiro pensamento organizado de massa que protegeu a vida das mulheres ao criar a interdição do aborto, também foi o primeiro a proteger a integridade física dos fracos contra a vontade dos fortes. A sacralização do corpo protegia quem podia menos de quem podia mais. Não por acaso, sempre que esse equilíbrio se rompe – nas guerras, por exemplo -, o primeiro gesto do vencedor contra o vencido é o estupro – ou variações reduzidas da humilhação sexual máxima.

O que eu estou dizendo, seus bobalhões, se é para falar a sério, é que esse negócio de tirar a roupa para apresentar uma demanda ao estado nos remete, à diferença dos que vocês possam imaginar, para tempos que nenhum de nós gostaria de viver. O resguardo do corpo foi um fator essencial no avanço da civilização. Foi, sim, um ato de repressão: de repressão do violador contumaz. Ficar pelado para pedir uma ciclovia não é só contraproducente. É também estúpido e incivilizado – coerente, de toda sorte, com quem acha que tem o direito de paralisar a cidade e de demonizar pessoas nas redes sociais só porque não gostou de uma opinião.

Vão estudar! Há coisas que não se aprendem no selim, ainda que andar de bicicleta possa ser um exercício saudável para o corpo.

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