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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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O secretário de Haddad que fala javanês. Ou: Divirtam-se com a história do repórter que tenta saber o que o entrevistado não sabe explicar: Ou: O Arco do Futuro terminou na calçada da padaria

O arquiteto Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo, concede uma entrevista à Folha desta sexta. Há tempos, confesso, não me divertia tanto lendo jornal. Quando vi, reagi como o jacaré da piada que espera entrar na festa do céu e exclamei: “Obaaaa!!!”. Acho que, desta vez, eu entendo […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h54 - Publicado em 8 fev 2013, 05h25

O arquiteto Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo, concede uma entrevista à Folha desta sexta. Há tempos, confesso, não me divertia tanto lendo jornal. Quando vi, reagi como o jacaré da piada que espera entrar na festa do céu e exclamei: “Obaaaa!!!”. Acho que, desta vez, eu entendo o que é o tal Arco do Futuro, o grande projeto com que Fernando Haddad seduziu a intelligentsia paulistana, em especial o jornalismo do eixo Alto de Pinheiros-Vila Madalena… Finalmente, Fernando Mello Franco iria explicar, pensei, alguma coisa, e eu poderia começar a formar uma opinião…

Mas quê… Mello Franco está querendo roubar no meu coração o lugar reservado a Marina Silva, que vence todos os concursos que faço para ver quem mais consegue falar sobre o nada com aparência de profundidade, despertando nos  interlocutores a suspeita de que, se não compreenderam, idiotas são eles. Não, não foi desta vez que eu entendi o que é o tal “Arco do Futuro”. O secretário também faz uma revelação realmente surpreendente: o tal Arco depende de grana do governo do Estado e do setor privado. A Prefeitura não tem. Seja lá o que for que Haddad tenha prometido, foi com o chapéu alheio.

Não deixem de ler na íntegra a entrevista feita por Mario Cesar Carvalho, que, na introdução, dá um bule de chá de presente a Mello Franco, afirmando que “O Arco é uma tentativa de reinventar São Paulo: visa levar empregos para a periferia e trazer moradores para o centro, entre outras metas.” Nada menos do que reinventar São Paulo. Isso certamente quer dizer — e não pode querer dizer outra coisa — que aquele troço que começou em 1554 não serve mais. Quatrocentos e cinquenta e nove anos depois, Haddad é o novo Padre Anchieta, e Mello Franco, o Manoel da Nóbrega. Quem cuida dos indiozinhos, tadinhos!, é o padre Júlio Lancelotti… Mas vamos lá. Estou ansioso para reproduzir as palavras do arquiteto, que é professor da USP.

O repórter também quer saber o que é o Arco. É natural! Até dá uma mãozinha para o professor e já embute parte da resposta na primeira pergunta. Não estava preparado, acho, para um embate de natureza, como direi?, ontológica. Leiam (perguntas sempre em vermelhito). Vou de azul.

Folha – O Arco do Futuro busca criar empregos na periferia e reocupar o centro. O que dá para fazer em quatro anos?
Fernando de Mello Franco –
O Arco está iniciado a partir do momento em que a gente o revela. O primeiro passo é toda a revisão da parte regulatória. Isso será feito no primeiro ano.

Se você, em algum momento, nestes 39 dias, sentiu algum arrepio a lhe percorrer a espinha, não tendo sido algo mais prazeroso, leitor, era o começo do Arco, que se manifestava como coisa em si. O que o arquiteto quis dizer é que definir o que é o Arco corresponde a diminuí-lo, entende? Preencher o Arco com conteúdo, com obras, com coisas, amesquinha a sua essência.

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Nessas horas, o repórter fica aflito, qualquer um: “Caramba! Não tenho nem título nem lead por enquanto. Vou tentar de novo”. E Carvalho tenta. Vejam que divertido:
Que tipo de mudança?
A revisão do plano diretor, com novo zoneamento e código de obras. O Arco não é um conjunto de obras, é uma visão estratégica de como a gente pode usar o território. Ao identificar um território estratégico, o plano busca ver não como a gente transforma a cidade com viadutos e avenidas, mas como renovar as formas de uso desse espaço. Por isso o plano é tão abrangente. No entanto, ele será pontuado por projetos estratégicos que possam ser equacionados em uma gestão.

Não estava lá nem pretendo ser um narrador onisciente. Mas, cá na minha narrativa, brinco de captar o fluxo de consciência do repórter, que já vislumbra o desastre: “Isso não vai acabar bem. Vou escrever o quê? Já sei: ‘Secretário diz que Arco do Futuro é uma visão estratégica’. Não funciona! Que tal ‘Para secretário, Arco não são obras’? Mas então é o quê, pô?  E isto: ‘Secretário diz que Arco renova formas do uso de espaço’? Fica parecendo tese do Departamento de Geografia da USP.” Mesmo um repórter entusiasmado com o Arco (especialmente quando souber o que é) fica um tanto impaciente. Carvalho emitiu quatro sílabas:

Que projetos?
Há um programa de requalificação da área central que tem a habitação como uma perna estruturante. É um convênio entre a prefeitura e o governo do Estado e vai colocar de 12 mil a 28 mil unidades de habitação de interesse social na área central.

Ah, mas essa não é aquela proposta que já estava e está em curso, uma parceria iniciada pela gestão anterior com o governo do Estado? É, sim! O Arco do Futuro tem ao menos esta coisa positiva, concreta mesmo: um programa do… passado! Na entrevista, ele deixa claro que espera que o governo do estado dê a grana. A Prefeitura não tem. Haddad só promete a mágica. Depois será preciso usar a varinha de alguém. Carvalho, ainda sem título, ainda sem lead, ainda sem saber, como qualquer pessoa, que diabos vem a ser o tal Arco do Futuro, tem sede de detalhe. Tenta de novo:

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Que tipo de intervenção urbana será feita na periferia?
Não é para colocar uma escola aqui, uma creche ali e um campo de futebol acolá. Queremos organizar os equipamentos existentes em redes e concentrá-los de forma que eles passem a ser elementos de estruturação dos bairros. Na nova versão que está sendo pensada dos CEUs [Centros Educacionais Unificados], ele surge da articulação das estruturas preexistentes. Estamos estudando 18 núcleos que partem de estruturas esportivas para serem transformados em CEUs.

Quando você pergunta a alguém o que pretende fazer, e ele começa a responder o que pretende não fazer, é batata: ele não sabe é o que fazer. Se as palavras têm sentido, ele está dizendo que não haverá obras novas e que as velhas vão passar por uma “releitura”. Parece que saímos da ontologia para o campo da semitótica. A coisa tá feia. “Cadê o título”, pergunta-se o repórter nesta minha narrativa. A gente vê que Carvalho tem certa ânsia não de monumentalidades, de projetos faraônicos… Certamente não! Mas alguma coisa relevante, qualquer uma… Como não rendeu nada até agora, vai para a micropolítica, a nanopolítica.

A prefeitura vai passar a cuidar das calçadas?
A gente tem de mudar o cotidiano mais banal das pessoas, fazer essa cidade ficar aprazível. Tem de requalificar as calçadas. O caminho até a padaria é fundamental. Há estudos, sim, sobre o enterramento da fiação. Isso é fundamental para se fazer uma arborização significativa, porque os fios impedem as árvores de crescer.

“O caminho até a padaria é fundamental.” Como disse o poeta, “Nunca me esquecerei desse acontecimento/ na vida de minhas retinas tão fatigadas”. No caminho da padaria tinha uma calçada. Tinha uma calçada no caminho da padaria… Atenção, leitor! Lá no começo, Mario Cesar Carvalho anunciou que o Arco do Futuro quer reinventar 459 anos da história. E eis que estão falando de enterrar fios e do caminho até a padaria…

Há outras perguntas que não reproduzi, vejam lá. Se entenderem o que é o tal Arco, vocês me contam — ou comecem a cobrar pela informação. Caminhando para o fim, Carvalho consegue, finalmente, o lead e o título, quase arrancados a fórceps:
Em frente ao seu escritório há uma pichação que diz: “O urbanista de São Paulo é o capital”. Dá para mudar isso?
O investimento da prefeitura é baixíssimo. É evidente que a gente vai depender de um pacto com as forças do capital. A questão é como operar projetos de investimento de forma que o poder público possa se apropriar de parte do ganho gerado.

Hein? Ganho gerado exatamente com quê? E, sim,  folgo em saber que, para tirar o plano do papel, seja ele qual for, é preciso contar com as “forças do capital”. A expressão parece indicar algo, assim, mais denso do que a inciativa privada. Bem, Carvalho conseguiu o título ao menos, e isso é o que importa: “Arco dependerá de parcerias, diz secretário”. A sede de dados do jornalista ainda não estava plenamente aplacada. Encerra com uma pergunta direta:
Dá para se ter uma ideia de quanto o Arco custará?
A questão não é de onde vem o investimento, mas como a gente captura o ganho gerado por ele. Em títulos negociados na Bolsa, as parcerias podem gerar mais de R$ 5 bilhões.

Como? A questão não é “de onde vem” um investimento que ainda não existe, cuja fonte é desconhecida porque as parcerias para o que quer que seja essa estrovenga nem existem? Encerro com um concurso, aberto a todos os leitores, inclusive aos petralhas, que podem acionar seus especialistas. Se alguém explicar o sentido desta frase — “Em títulos negociados na Bolsa, as parcerias podem gerar mais de R$ 5 bilhões” —, merecerá o pódio reservado aos gênios da raça.

Não! Mais um dia termina, e outro começa sem que a gente saiba o que é esse tal “Arco do Futuro”. Seja o que for, depende de dinheiro do governo do estado e das “forças do capital”. Embora eu não faça parte dessas forças, mas sendo um fanático da iniciativa privada, fico mais tranquilo em saber que “em títulos negociados na Bolsa, as parecerias podem gerar mais de R$ 5 bilhões”.

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Não me lembro se Mello Franco estava naquela reunião que Lula fez com Haddad e com secretários para dar algumas ordens. Está na hora de o Apedeuta baixar na Prefeitura de novo. A primeira medida é proibir que os secretários do Supercoxinha falem javanês.

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