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O Egito entre a ditadura e a loucura e as chances da democracia

A onda de protestos que derrubou o governo de Zine Al-Abidine Ben Ali, na Tunísia, no poder havia 23 anos, parece ter chegado ao Egito, onde o ditador Hosni Mubarak governa com mão de ferro desde 1981. Milhares de pessoas ocuparam as ruas do Cairo, onde ocorrem os embates mais violentos, Alexandria e Suez. A […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 13h03 - Publicado em 26 jan 2011, 04h49

A onda de protestos que derrubou o governo de Zine Al-Abidine Ben Ali, na Tunísia, no poder havia 23 anos, parece ter chegado ao Egito, onde o ditador Hosni Mubarak governa com mão de ferro desde 1981. Milhares de pessoas ocuparam as ruas do Cairo, onde ocorrem os embates mais violentos, Alexandria e Suez. A exemplo dos tunisianos, os egípcios se mobilizam também por intermédio das redes sociais, como Facebook e Twitter. O governo confirma a morte de dois manifestantes e de um policial. Segundo as agências internacionais, as reivindicações que mobilizam os manifestantes são a suspensão da lei de emergência, que vigora permanentemente no país — e que restringe liberdades civis ; a saída do ministro do Interior e a adoção de um limite de tempo  para o mandato presidencial.

É… A situação é bastante complicada. Vou expor aqui alguns dilemas, e há respostas que não tenho.

Não duvido de que Mubarak seja um ditador detestável e de que seu governo concilia corrupção, violência e ineficiência. O Egito é um dos países árabes — ou, mais amplamente, muçulmanos — com os piores indicadores sociais do mundo. Notem: a ser verdade que os protestos estão sendo facilitados por conta da mobilização na Internet  (deve haver certo exagero aí, mas vá lá), a sua raiz não poderia ser mais positiva. Há muito tempo as ditaduras muçulmanas, pouco importa com quem se alinhem, servem para reprimir, na verdade, a vontade que seu povo tem de partilhar das conquistas da civilização, de que está apartado sob os mais variados pretextos — e não ofender a religião é um deles. Quem é o terrorista suicida (e homicida) senão aquele que pretende se ver livre das “tentações”?

Ocorre que o Egito tem um governo secular, que reprime com dureza também os grupos fundamentalistas. Conta com o apoio dos EUA — o que é estrategicamente correto, ainda que se repudie a ditadura. A questão é pensar qual é a alternativa. O Egito é a pátria da Irmandade Muçulmana, grupo extremista que está na raiz do moderno terrorismo islâmico. Quem, no Brasil, explicou melhor o papel da Irmandade Muçulmana foi Ali Kamel no excelente livro “Sobre o Islã”. Reproduzo um trecho da resenha que publiquei sobre o livro neste blog (íntegra aqui) no dia 20 de agosto de 2007. Leiam. É importante para entender a questão egípcia. Volto depois:

O autor nos apresenta, então, a Irmandade Muçulmana, criada pelo egípcio Hassan al-Banna, um filho de relojoeiro (…). Ele não pronunciou a frase, mas é como se a tivesse dito. Seu lema bem poderia ser: “Muçulmanos de todo o mundo, uni-vos”. Para ele, a divisão do Islã em nações era essencialmente antiislâmica. Todas deveriam estar unidas sob um só califa. Ganhou as massas no Egito. Ele tinha uma idéia clara sobre o Ocidente: “Todos os prazeres trazidos pela civilização contemporânea não resultarão em nada senão em dor. Uma dor que vai superar seus atrativos e remover a sua doçura. Portanto, evite os aspectos mundanos desse povo; não deixe que eles tenham poder sobre você e o enganem“. Em 1945, a Irmandade adere à violência e ao terror. Tinha 500 mil militantes e o dobro de simpatizantes. Criava escolas, hospitais, fábricas…

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É Al-Banna quem muda o sentido da palavra “Jihad” – esforço. A “Jihad Maior”, originalmente, é o esforço interno que faz o crente para não fugir dos princípios da religião. A “Menor” é a luta DEFENSIVA contra o infiel. Não para ele, que passa a encará-la como uma luta pela restauração do que considera a verdadeira religião, recorrendo, sim, à violência também contra um governo islâmico se necessário. O lema da Irmandade, desde sempre, foi este: “Preparem-se para a Jihad e sejam amantes da morte”.

Al-Banna foi assassinado pelos agentes secretos do governo egípcio e foi substituído, no comando, pelo “Lênin” da turma: Sayyd Qutb. Era formado em educação e foi enviado pelo governo egípcio para conhecer os EUA: Nova York, Washington, Colorado e Califórnia. Ele odiou tudo o que viu e só enxergou decadência – até o hábito de aparar a grama lhe parecia prova cabal de futilidade. Se Al-Banna aceitava a violência para o propósito de unir os muçulmanos num só califado, seu sucessor foi mais longe: era preciso converter também, e pelos mesmos métodos, o mundo não-islâmico.

Sayyd Qutb é autor de passagens perturbadoras, embora, vejam só, uma delas pudesse, mutatis mutandis, ser escrita por Marilena Chaui. Vamos ver: “O Islã não obriga ninguém a aceitar sua fé, mas pretende oferecer um ambiente de liberdade no qual todos possam escolher suas próprias crenças. O que pretende é abolir os sistemas políticos opressores sob os quais as pessoas não têm o direito de expressar sua liberdade de escolher em que acreditar, dando-lhes assim plena liberdade para decidir se querem ou não aceitar os princípios do Islã.” Sem tirar nem pôr, é o que pensa um esquerdista do miolo mole. O socialismo, como o Islã (esse de Qutb), é a plena liberdade. E só não vê quem está submetido a alguma forma de opressão que o leva a ter uma falsa consciência, ditada pela ideologia burguesa. Combatida essa ideologia – que vem a ser o “Mal” -, então a pessoa é livre pode escolher: para os esquerdistas, ela escolhe o socialismo; para Qutb, o “seu” Islã. E se não escolhe? Então é porque ainda não está livre. Vejam só. Kamel está mesmo certo: o terrorismo islâmico é um totalitarismo – a exemplo do nazismo e do socialismo.

No livro, Kamel explica como esse ambiente da Irmandade Muçulmana acabou resultando na Al-Qaeda de Osama Bin Laden, não sem o concurso, evidentemente, de fatos históricos, digamos, facilitadores para a emergência do moderno terrorismo islâmico, como a invasão do Afeganistão pela União Soviética, o apoio dado pelo Ocidente à resistência – organizada por extremistas – , o sectarismo religioso da Arábia Saudita e a primeira guerra do Iraque, que vai opor Bin Laden ao governo saudita…
(…)

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Voltei
Quem não quer democracia no Egito e no mundo inteiro? A questão é saber se o preço da queda de Mubarak pode ser a ascensão ao poder da Irmandade Muçulmana — e, pois, de um grupo que admite o terrorismo como uma forma legítima de luta política, firmemente destinado a acabar com o governo laico não só no Egito, mas no mundo!!! As agências noticiam que a Irmandade tem sido reticente em apoiar os protestos. Faz e não faz sentido. Faz porque, claramente, os manifestantes que estão nas ruas, por enquanto, parecem pedir democracia, não uma ditadura religiosa. Por outro lado, é sabido que Mubarak trata a Irmandade com mão de ferro.

Qual é a saída? Bem, se eu a tivesse, eu a ofereceria de bom grado, mas não tenho. Digamos que Mubarak caísse e se realizasse eleição livre no Egito. A chance de que fosse, a um só tempo, a primeira e a última seria gigantesca. É bom não confundir 10 mil pessoas protestando no Cairo com os 80 milhões de egípcios, boa parte dessa massa mobilizável pelo discurso religioso. A Irmandade Muçulmana está mais presente na vida do país do que se pensa, numa gigantesca rede clandestina de assistência social, inclusive.

Operando com critérios puramente lógicos, a melhor saída. parece, seria um processo de liberalização do regime de Mubarak, de modo a permitir a consolidação de uma oposição laica e democrática. A pior coisa que poderia acontecer para o mundo — e para os egípcios em particular — seria o país cair nas mãos da Irmandade Muçulmana. O Hamas, que governa a Faixade Gaza, ali do lado, foi criado pelos palestinos do grupo egípcio da Irmandade. Acho que vocês já entenderam as demais implicações.

Texto originalmente publicado às 21h35 desta terça.
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