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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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O dinheiro do crime organizado na política e uma reportagem absurda do Fantástico, com testemunhas com voz de pato denunciando não sei o quê sobre não sei quem

Agora, sim. Vamos lá. Prometi que escreveria sobre a advertência que fez o ministro Gilmar Mendes, membro do STF e vice-presidente do TSE, sobre o risco de o crime organizado se infiltrar nas eleições com a proibição da doação legal de empresas a campanhas. Muito bem! Já escrevi aqui algumas dezenas de vezes que a […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 03h42 - Publicado em 10 jun 2014, 03h14

Agora, sim. Vamos lá. Prometi que escreveria sobre a advertência que fez o ministro Gilmar Mendes, membro do STF e vice-presidente do TSE, sobre o risco de o crime organizado se infiltrar nas eleições com a proibição da doação legal de empresas a campanhas.

Muito bem! Já escrevi aqui algumas dezenas de vezes que a primeira consequência imediata da proibição será o aumento do caixa dois nas campanhas. É só uma questão de lógica elementar. Se a lei proíbe que as empresas doem legalmente, é claro que uma parte delas continuará a fazê-lo — aí ilegalmente. Ou vocês acham que os candidatos vão se contentar apenas com a parte que lhes couber de recursos oficiais que terão de ser repassados? Ora…

E o segundo efeito, no qual eu não havia pensado — e para o qual chama a atenção agora o ministro — é justamente este: o dinheiro do crime organizado, inclusive, sim, de grupos como o PCC, entrar na política. Tudo indica que isso já está em curso hoje em dia, é bom deixar claro, mas ainda de forma marginal. A tendência é que cresça. E por quê?

Ora, as doações ilegais a partidos e a políticos têm de ser feitas em espécie, em moeda sonante. O Brasil tem um relativo controle sobre o dinheiro legal que circula no país. Qualquer valor que tenha sido, em algum momento, registrado pode, em tese ao menos, ser rastreado. Há formas de cruzar dados. O risco da punição por sonegação será sempre muito grande. Assim, o dinheiro do caixa dois é, necessariamente, um dinheiro ilegal.

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É por isso que existem na política figuras como Alberto Youssef, o doleiro. Ele atua num ramo em que se tem de trabalhar com dinheiro vivo. O outro é justamente o crime organizado, que costuma se sustentar em dois pilares: jogo e drogas, que também operam com papel-moeda. Não passam por nenhuma forma de controle estatal. O terceiro são os supermercados da fé que se disfarçam de religião.

Aliás, os defensores da legalização do jogo e da droga que não são pilantras são apenas inocentes. Ainda que essas atividades fossem legais, a natureza da transação obriga a que se lide com a grana viva. É o paraíso da lavagem de dinheiro. “E Las Vegas?” Sim, Las Vegas é a melhor prova da tese. Mas deixo isso pra lá agora.

Há indícios evidentes de que o PCC, vamos dizer, já capturou algumas franjas da representação política no Brasil. Tão logo as empresas estejam impedidas de doar, aí, meus caros, vai ser a festa. Sempre haverá um candidato precisando de alguma bufunfa com urgência, e sempre haverá, claro!, um amigo do candidato que conhece um outro amigo que sabe onde conseguir o capilé. Os ministros do Supremo que devem formar a maioria contra a doação de empresas a campanhas não têm noção do mal que estarão fazendo ao país.

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O Fantástico e a fantasia
A propósito: há muito tempo eu não via na televisão uma reportagem tão fantasiosa e tecnicamente estropiada como a que o Fantástico levou ao ar no domingo, na TV Globo, como se fosse uma grande bomba e um furo de reportagem. Com base num livro francamente ruim, tentou-se provar que o sistema político brasileiro é inteiramente corrompido e que o centro dessa corrupção está no financiamento privado de campanha. A tese é falaciosa. Os elementos nos quais ela se ancorava são, jornalisticamente, lamentáveis.

Vamos ver. O livro em questão é “O Nobre Deputado”, do juiz Marlon Reis, um dos responsáveis pela emenda da Ficha Limpa, de inciativa popular, que tem seus méritos, mas que traz defeitos jurídicos insanáveis. Nem vou entrar nesse mérito agora. O juiz alega ter ouvido 100 pessoas e ter estabelecido o roteiro da corrupção. Quem entende do riscado sabe que o Marlon misturou seus próprios preconceitos com fatos, maximizando irrelevâncias — como as emendas individuais ao Orçamento — e transformando o parlamentar em mero despachante de quem financia sua campanha. Com a devida vênia, da forma como está lá, a coisa não passa de bobagem e demonização rasteira da política. A tese, infelizmente, foi comprada pelo Fantástico com requintes de jornalismo perversamente criativo.

Foram ouvidos — em negativo e com aquela voz de pato — “assessores parlamentares” que confirmariam as teses do juiz. A reportagem está aqui. Se fossem meros atores, num padrão Gugu de reportagem, nós, os telespectadores, não teríamos como saber. Mas vá lá: dou de barato que aquelas pessoas existam. Cadê as evidências de que as suas denúncias fazem ao menos sentido? De que caso eles estão falando? Qual é o fato?

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Ah, então devo me conformar que eles tenham sido, ou sejam assessores, e, enojados com o que veem e pratiucam, venham a público para dizer coisas como: “Veja bem, se você for no interior, muitas crianças passando fome, casas de taipa, estradas sem asfalto. Isso indigna a gente. Sempre tive consciência disso. Só não podia denunciar. Quem denuncia, morre. Nego mata aí brincando”.

E esta sequência, então? Prestem atenção:
Assessor: O cara saca o dinheiro e entrega para ele. Normal.
Fantástico: Mas não teria que sacar e comprovar onde gastou?
Assessor: Para quem?
Fantástico: Para a Câmara dos Vereadores.
Assessor: Como assim, se os vereadores são cúmplices?
Fantástico: Ou, se for o governador, para a Assembleia Legislativa.
Assessor: Que também é cúmplice.
Fantástico: Mas tem o Tribunal de Contas do Estado.
Assessor: Que também é cúmplice.
Fantástico: O senhor quer dizer que todos são envolvidos?
Assessor: Cúmplices. Todos são. É uma máfia.

Com a devida vênia, isso não é reportagem, não é denúncia, não é apuração, não é nada! É só literatura ruim, que não passaria pelo controle de qualidade do setor de dramaturgia da Globo.

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Insisto; de que caso se está falando?

Na reportagem, apela-se até mesmo a uma barbaridade ilógica como está, leiam:
“Um estudo do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) revelou quanto as 10 maiores doadoras de campanha no Brasil em 2010 lucraram nos dois anos seguintes em contratos com o governo eleito: um valor 20 vezes maior do que foi doado.”

Ok. No dia em que as doações privadas forem proibidas, como quer o juiz Marlon, o autor do livro ruim, cabe perguntar:
– as empreiteiras lucrarão menos?;
– se, oficialmente, elas não tiverem feito doação nenhuma, isso é prova de que elas realmente não… fizeram doação nenhuma?;
– a corrupção está mesmo nessa relação? Quem faz questão, então, de registrar a sua doação estaria apenas produzindo uma prova contra si mesmo? Entende-se, pois, por uma questão de lógica elementar, que a melhor forma de não gerar suspeitas é não fazendo a doação legal, certo?;
– por óbvio, quem doou dinheiro na surdina agiu de forma mais prudente para si mesmo, ainda que contra os interesses do país. Afinal, não tem no seu pé nem o juiz Marlon nem o Fantástico.

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O lobby em favor da proibição da doação legal de empresas tomou a imprensa — não por acaso, esse é um dos cavalos de batalha do PT. Não quer dizer que os jornalistas necessariamente sejam petistas (a esmagadora maioria é, sim; ultimamente, numa prova de que as coisas podem piorar, muitos têm avançado na escala involutiva para o PSOL, especialmente no Rio…). 

Uns dez minutos de reunião a mais naquele clima de centro acadêmico das supostas reuniões de pauta do Fantástico, creio, alguém se lembraria de perguntar se as empreiteiras deixarão de fazer obras quando não puderem mais declarar suas doações. Perguntaria ainda mais: elas deixariam de fazer as doações — o mesmo valendo para todos os setores da economia?

Fez-se ainda um grande estardalhaço com as chamadas emendas  dos parlamentares. Só se esqueceu de informar que elas representam um valor ridículo quando se compara com o tamanho do Orçamento e com o poder que tem o Executivo de mandar o dinheiro para onde bem entender.

Um pouco mais de tempo na reunião de pauta, alguém certamente se lembraria de que o Orçamento da União de 2014 é de R$ 1,51 trilhão — ou, se quiserem, R$ 1.510.000.000.000. Inicialmente, entre emendas individuais e coletivas, estabeleceu-se que os parlamentares poderiam destinar R$ 19,7 bilhões (ou R$ 19.700.000.000) desse total. Sabem o que isso significa percentualmente? 1,87%!!! Mas aí a Dilma foi lá e contingenciou — na prática, cortou — todas as emendas coletivas, num valor de R$ 13,3 bilhões. E sobraram para as emendas individuais dos parlamentares R$ 6,42 bilhões (ou R$ 6.420.000.000). Atenção! Aos parlamentares, no papel, restou destinar 0,61% — ISTO MESMO: ZERO VÍRGULA SESSENTA E UM POR CENTO — do Orçamento. Mas isso não quer dizer dinheiro liberado, não! E o juiz Marlon acha que o centro da corrupção do poder está com os “nobres deputados”??? Ora, que ele e a reportagem do Fantástico vão plantar batatas e fazer contas! Só para se ter uma noção, leitor amigo: se você pesa 70 quilos, 0,61% desse peso são 460 gramas… Ah, sim: 50% desse dinheiro tem de ser necessariamente empenhado em Saúde. A propósito: o que o sistema de financiamento de campanha tem a ver, por exemplo, com as lambanças na Petrobras? Resposta: nada!

O que se levou ao ar foi uma reportagem pautada por um livro equivocado de um suposto paladino da moralidade pública, que tem, assim, a vocação justiceira de um Robespierre e o rigor técnico de uma cartomante. No mais, espero que seja a última vez que a gente veja pessoas falando com voz de pato, fazendo não sei que denúncias sobre não sei quem, mas acusando todo o sistema político. E tudo a serviço de uma tese ruim — o financiamento público de campanha —, que vai extremar todos os males que a reportagem busca denunciar. Aí não dá!

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