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Membro da Comissão da Verdade, ex-advogada de Dilma flerta abertamente com o revanchismo e ignora texto da lei que lhe garante a função

Um babão medíocre e puxa-saco afirmou em sua pagineta que incentivo o ódio. Ele certamente chama “ódio” o debate aberto de ideias e a defesa de um princípio: o de que os agentes da lei devem, em primeiro lugar, respeitar… as leis. Modéstia às favas, ninguém discutiu com tantos detalhes a tal Comissão da Verdade como […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 08h51 - Publicado em 15 Maio 2012, 07h41

Um babão medíocre e puxa-saco afirmou em sua pagineta que incentivo o ódio. Ele certamente chama “ódio” o debate aberto de ideias e a defesa de um princípio: o de que os agentes da lei devem, em primeiro lugar, respeitar… as leis. Modéstia às favas, ninguém discutiu com tantos detalhes a tal Comissão da Verdade como fiz neste blog. O texto mais relevante está aqui. Anteontem, um dos membros do grupo, José Carlos Dias — que foi advogado de presos políticos e ministro da Justiça, por algum tempo, do governo FHC —, afirmou o óbvio, a saber:
a) a Comissão da Verdade não pode rever a Lei da Anistia;
b) a Comissão da Verdade pode, sim, apurar também os crimes da esquerda.

Dias é insuspeito de ser “de direita” ou “amigo do Regime Militar”, como poderiam dizer alguns trouxas. Ao contrário: fez a sua história lutando contra a ditadura, ligado à Comissão Justiça e Paz e a dom Paulo Evaristo Arns. Foi corajoso sem ser porra-louca.

Dias está certo. O texto que criou a comissão está aqui. Vamos ao item “a” da sua fala. Diz o Artigo 6º da lei:
“Art. 6o  Observadas as disposições da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, a Comissão Nacional da Verdade poderá atuar de forma articulada e integrada com os demais órgãos públicos, especialmente com o Arquivo Nacional, a Comissão de Anistia, criada pela Lei no 10.559, de 13 de novembro de 2002, e a Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, criada pela Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995.”

Está claro, não? A Lei nº 6.683 é a Lei da Anistia. Logo, a comissão foi criada incorporando a dita-cuja. Qualquer outra interpretação, nesse particular, viola o texto que lhe deu origem. Mais ainda: a anistia fez parte do texto da lei que criou a Constituinte brasileira. Declarar a sua nulidade corresponde a declarar sem validade a lei que está na raiz da nova Constituição.

Vamos agora ao “item b” da fala de Dias. Diz o Inciso III do Artigo 3º da lei que criou a Comissão que ela vai:
“II – identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionados à prática de violações de direitos humanos mencionadas no caput do art. 1o e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade;”

Logo, a lei  estabelece que se devem investigar todos os crimes, não só aqueles praticados pelo agentes do Estado. As violações dos direitos humanos praticadas por grupos de esquerda, que mataram mais de 120 pessoas, podem e devem ser investigadas. Nunca é demais dizer: é mentira que todos os seus autores tenham sido identificados.

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Os hipócritas e a verdade
Já demonstrei aqui meu ceticismo sobre o andamento dessa comissão e fiz restrições a duas integrantes do grupo: a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha e a psicanalista Maria Rita Kehl. Sobre Rosa Maria, que foi advogada de Dilma quando esta foi presa, escrevi.
Sempre que temas dessa natureza vêm à baila, Dilma dá um jeito de confundir a própria história com a história do país, o que não é um bom procedimento. Já fez homenagens a companheiros de luta em solenidades oficiais, ligando-os à construção da democracia, afirmação que nada tem a ver com uma Comissão da Verdade. Eleita e governando segundo o estado democrático e direito, não cumpre à presidente mistificar o próprio passado. Ao nomear aquela que foi a sua advogada para a comissão, é como se fizesse um desagravo a si mesma.

Voltei
O melhor que  Dilma pode fazer agora, e não depois, é destituir sua ex-advogada da função — a menos que a própria presidente aposte na confusão. Quatro dias depois de nomeada, Rosa Maria mete os pés pelas mãos e fala uma porção de bobagens. Leiam, em vermelho, trechos do que informa Denise Luma, na
Folha. Comento em azul:
*
A advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, 65, integrante da Comissão da Verdade, afirmou ontem que o órgão foi criado para investigar os crimes de agentes de Estado que atuaram na repressão aos opositores da ditadura militar (1964-1985).
(…)
Ex-defensora de presos políticos, entre eles a presidente Dilma Rousseff, Rosa disse ontem que a lei que criou a comissão tinha por objetivo rever a conduta do Estado no período. A interpretação exclui atos da guerrilha.
“Pela lei, a comissão foi criada para trabalhar pensando nos problemas que o Estado brasileiro tem na sua constituição e na sua estrutura. O Estado está revendo sua conduta como Estado, dos seus agentes públicos”, afirmou.

Se a transcrição de sua fala estiver correta, não será com ela que Dilma vai aprender retórica. Bem, dizer o quê? Transcrevi a lei. Ou dona Rosa está mentindo de forma deliberada ou não leu o texto que lhe conferiu a função. Neste blog, argumenta-se. Neste blog, vai-se à lei. Neste blog, chama-se mentira de “mentira”. Até tentei ler com boa vontade suas palavras, mas ela não deixa.

“Não sei ainda qual a opinião dos demais integrantes da comissão sobre a leitura da lei, mas não se entende que a comissão fará uma análise de todo o período. É preciso ter foco”.
Huuummm… A lei fala em analisar crimes cometidos por agentes do estado e da sociedade entre 1946 (E NÃO “1964”) e 1988. Ela quer foco no período e foco nos criminosos. Alguma dúvida: ela quer investigar os militares de 64. E ponto! Como eu não tenho medo das palavras, então eu as emprego. Ela quer revanche. Estou exagerando? Aquele babão medíocre e puxa-saco diria que sim. As palavras e os fatos dizem que não. Leiam o que segue.

Ontem, a advogada disse não considerar impossível que o país reveja a Lei da Anistia de 1979, que perdoou crimes da repressão e da guerrilha. O STF (Supremo Tribunal Federal) manteve a validade do texto em julgamento em 2010.
“Já houve uma anistia, mas uma parte das vítimas quer outra interpretação dessa anistia para que possa existir processo, para que possam entrar no Judiciário reivindicando determinados direitos”, afirmou Rosa.
“Não estou dizendo que vai acontecer, mas isso mostra que, dependendo do contexto político, essas decisões são reavaliadas e são alteradas.”
É o caso, reitero, de demissão. Dona Rosa só existe nessa função porque uma lei lhe conferiu tal papel. E essa mesma lei diz que a comissão tem de respeitar a Lei da Anistia. Está lá a transcrição.

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Esta senhora é advogada? Espero que tenha sido melhor no tempo em que trabalhou para Dilma. Como é? Quer dizer que “uma parte das vítimas” quer outra interpretação? Agora são as “vítimas” — e não mais o Judiciário — que dão a interpretação última de uma lei? Já existe uma decisão tomada pelo Supremo sobre a validade da Lei da Anistia, mas esta senhora tem uma noção muito particular do que seja segurança jurídica: a depender do contexto político, manda-se o Judiciário às favas… Vamos adiante.

Ela citou o caso da Espanha, onde o movimento dos indignados retomou o debate sobre a punição de crimes da ditadura de Francisco Franco (1939-1975).
“A transição [espanhola] foi pactuada, se decidiu completamente não rever o passado, e agora o movimento dos indignados está retomando a discussão”, afirmou.
Por incrível que pareça, ora vejam!, a nossa transição também foi pactuada — ou alguém se lembra de o regime ter sido derrubado com um movimento sangrento? No caso da Espanha, quem tentou rever a lei foi o maluquete Baltasar Garzón, dado a entendimentos heterodoxos sobre os limites das leis, nesse caso e em outros. Seu “amor” à justiça é tal que autorizou escutas telefônicas ilegais sob o pretexto de combater crimes. Foi condenado a ficar 11 anos afastado de suas funções — seus partidários, lá como cá, falaram que era tudo tramoia da… direita! A Espanha em peso, exceção feita à extrema esquerda e a alguns artistas do miolo mole, recusaram a sua tentativa de, em 2011, encruar casos ocorridos entre 1936 e 1975. A exemplo do Brasil, a Espanha também aprovou uma Lei de Anistia — lá, em 1977; aqui, em 1979.

Dona Rosa, vê-se, está querendo confusão. Foi posta no função por Dilma sob o auspício de duas leis: a da Anistia e a que criou a comissão — lei que incorpora a primeira. Não obstante, ela demonstra a disposição de não levar a sério nem uma nem outra. Não posso crer que a presidente não soubesse o que ela pensava a respeito desses temas.

Como e que fica, então? Ou será dona Rosa está lá para que a insensatez seja chamada de “progressismo” e a a razão de “reacionária”?

Texto publicado originalmente às 5h53
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