LEI ANTIFUMO ATENTA CONTRA LIBERDADES INDIVIDUAIS
Escrevi abaixo um texto sobre a democracia. Indague e respondi:– basta que um sistema seja “de direito” para ser democrático? Não!;– basta que um sistema seja “de direito” e tenha o apoio da maioria para ser democrático? Não?; – basta que um sistema seja “de direito”, tenha o apoio da maioria e exerça a independência […]
– basta que um sistema seja “de direito” para ser democrático? Não!;
– basta que um sistema seja “de direito” e tenha o apoio da maioria para ser democrático? Não?;
A Assembléia Legislativa de São Paulo aprovou ontem um lei antifumo, de iniciativa do governo do estado (ver post da madrugada), que, entendo, atenta contra as liberdades individuais e não lustra a cultura… democrática. Repetirei rigorosamente, republicando o texto, o que escrevi no dia 29 de agosto do ano passado, quando o governo enviou a proposta à Assembléia. Basta que vocês atualizem mentalmente os tempos verbais.
SOBRE O FUMO E AS DITADURAS VIRTUOSAS
Prometi, na madrugada, que falaria mais sobre o projeto enviado à Assembléia pelo governo de São Paulo que, na prática, permite que se fume apenas na rua (em logradouros públicos abertos) ou em casa. Lei semelhante já foi aprovada no Rio e em Brasília. Isso significa que os fumódromos seriam banidos, mesmo que as áreas reservadas a fumantes não tenham qualquer contato com as de trânsito comum de fumantes e não-fumantes.
Para mim, resta óbvio que há aí uma agressão a direitos individuais — até porque fumar tabaco não é ilegal. Ora, se quero me trancar num ambiente só freqüentado por fumantes e fumar até a exaustão, quem pode me impedir? Aí vou lembrar Albert Camus de O Mito de Sísifo: o suicídio é a única questão filosófica verdadeiramente relevante. Ainda que eu ache que as pessoas não devam praticá-lo.
Claro que ninguém propõe uma lei dessas querendo o mal das pessoas. Lendo a reportagem da Folha, nota-se que os militantes antitabagismo ainda acham o projeto modesto: gostariam, talvez, que fosse ainda mais restritivo, quem sabe confinando o fumo ao ambiente doméstico apenas. E olhem lá: havendo uma criança em casa, algum promotor da Infância e da Juventude se veria tentado a cassar o pátrio poder porque o infante estaria exposto a uma má influência.
Quanto tempo demora para que o Tirano de Siracusa se torne um déspota vicioso, embora pretenda, naturalmente, fazer apenas o bem, controlando nossos apetites e nos protegendo de nós mesmos, de nossa própria e suposta tendência à autodestruição e à destruição do outro? Todas as utopias — ou distopias — totalitárias acenam para o Bem.
Fui muito longe só por causa do cigarro? Pois é. Acho que o projeto acena, queira ou não, para algo muito ruim. Embora fumante, concedo que o cigarro seja banido de ambientes públicos. Mas me parece inaceitável — e manifestação real de uma ditadura virtuosa ideal — proibir que haja bares, por exemplo, em que o fumo seja liberado, com o devido aviso estampado na porta. O indivíduo não pode ser privado do direito de escolha, nem que seja para o seu suposto bem. Banir os fumódromos das empresas, então, é ainda mais invasivo, já que interfere em uma rotina de entes privados, que nada devem, nesse particular, ao estado. Expõe, ademais, profissionais à humilhação e ao vexame.
E noto: muitos leitores observaram que o hábito de fumar, no fim das contas, onera o sistema de saúde em decorrência das doenças decorrentes do fumo; que os fumantes, então, deveriam ter menos direitos à assistência do que os não-fumantes… É, definitivamente, vivemos a época simpática a esses microfascismos. Pois bem: então é preciso restringir o acesso dos gordos à saúde, mais propensos à hipertensão; dos alcoólatras, mais propensos a qualquer coisa; dos promíscuos, mais propensos a doenças venéreas; quem sabe até dos absolutamente castos (se isso lhes causar algum desvio de comportamento). Que tal criarmos um sistema de saúde para atender apenas as pessoas saudáveis?
O norte ético do projeto está errado. Deveria ser mudado ou rejeitado pela Assembléia. Mas não aposto nem em uma coisa nem em outra.
PS: A questão é menor, mas está sempre presente. Como os fãs de maconha são dedicados, não? Vai ver é porque não vicia, juram eles, hehe… Um leitor, sabendo que sou contrário à descriminação das drogas, manda a seguinte provocação:
Publicar Recusar (Anônimo) 14:55
Respondo
Vire-se. Não tenho nada com isso. Alguma vez me opus à sua lavoura? Cada um no seu quadrado. E também não precisa me contar, entendeu? Agora, se você começar a vender a porcaria, aí tem de ir em cana. Há uma lei que pune o tráfico. A questão é objetiva: o Brasil não vai descriminar as drogas sozinho. Se o fizesse, além de arrumar uma confusão internacional de proporções inimagináveis, estaria se marginalizando na relação com outros países. Mas a sua pergunta, na forma como vem, admite o óbvio: a relação entre droga e crime organizado. E só por isso você me faz a pergunta colocando-se, como direi?, como um homem dedicado à agricultura de subsistência…