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HAITI: PALCO E ATOLEIRO

A abordagem que segue, sei disto, não é das mais agradáveis, mas, lamento, é necessária. Quando menos porque se trata de uma verdade insofismável. A tragédia do Haiti é gigantesca. Ainda que fosse um país minimamente organizado, as conseqüências seriam terríveis; sendo o que é, a cultura política se encarrega de extremar os castigos da […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 16h06 - Publicado em 14 jan 2010, 17h49

A abordagem que segue, sei disto, não é das mais agradáveis, mas, lamento, é necessária. Quando menos porque se trata de uma verdade insofismável. A tragédia do Haiti é gigantesca. Ainda que fosse um país minimamente organizado, as conseqüências seriam terríveis; sendo o que é, a cultura política se encarrega de extremar os castigos da natureza — e a natureza, como sabemos, é má para os homens; eles é que a melhoram, domando-a ou aprendendo a se proteger do inevitável. Em tempos “naturalisticamente corretos”, a constatação pode ser ofensiva a muitos. Em alguns casos, os humanos fazem o contrário, é certo, e pioram a natureza. Aí se tem o inferno. O inferno é o Haiti. Mas retomo o fio da abordagem dita desagradável.

Em que pese a desproporção das tragédias, como não contrastar a agilidade de Lula em mobilizar recursos em favor do Haiti com a lentidão paquidérmica para assistir os desabrigados das chuvas no Brasil e as famílias dos muitos mortos? Assim foi em 2008, em Santa Catarina; assim foi no fim do ano passado em toda parte.

É evidente que considero que o Brasil tem de integrar os esforços internacionais para tentar minorar o sofrimento do povo do Haiti. Não há mal nenhum nisso. Ao contrário. Mas também resta evidente que uma tragédia como a havida naquele país pode se transformar numa espécie de palco para governantes que pretendem demonstrar capacidade de liderança.

E Lula, como vimos, saiu na frente, anunciando de pronto a ajuda de US$ 15 milhões, despachando 13 toneladas de alimentos e enviando Nelson Jobim, ministro da Defesa, para o palco da catástrofe — que matou, segundo os números que se tem até agora, 15 brasileiros (já trato do assunto). O que me incomoda e a muitos deveria incomodar? A tragédia havida aqui dentro — muito menor, mas grande o bastante — não merecia a mesma prontidão? Que ministro de estado interrompeu as suas férias para prestar solidariedade às famílias do Morro da Carioca, em Angra dos Reis? Não é só Lula, não! O governador Sérgio Cabral já mobilizou uma equipe para enviar ao Haiti. O povo de Angra esperou por ele bem mais tempo.

Uma catástrofe como a havida no Haiti, é forçoso constatar, “rende” mídia internacional, e o evento logo se torna uma arena também política. Barack Obama, outro que não consegue disfarçar a matéria de que é feito, afirmou que o terremoto “pede a liderança americana”. Vai mandar 3,5 mil soldados ao país e anunciou ajuda de US$ 100 milhões. Que o mundo se mobilize mesmo! Os haitianos precisam. Mas nem por isso devemos suspender o juízo crítico e ignorar aspectos nem tão virtuosos de certos protagonismos.

Brasil no Haiti
Que se saiba, até agora, morreram 14 militares brasileiros no terremoto do Haiti. A morte nunca é necessária, é evidente. Ocorre que ela pode ser, às vezes, inútil. Os soldados brasileiros fazem naquele país o que não fazem aqui: vigiar favela. Foi justamente a sede de protagonismo que levou o Brasil a liderar a tropa de paz da ONU. Lula e Celso Amorim meteram os militares brasileiros num atoleiro do qual será difícil sair.

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E a razão é simples: mesmo antes do terremoto, nada vinha sendo construído no Haiti. As instituições do país estavam nos frangalhos de sempre, e o Brasil passou a exercer, naquele país, o papel de polícia. As tropas da ONU foram acusadas até de participar de massacres e de servir às oligarquias locais. Amorim reclama que o mundo virou as costas para o Haiti. De certo modo, é verdade. Largaram o Brasil com o pepino na mão — mas foi o Brasil que se ofereceu para cuidar desse pepino. “Afinal, pensaram os gênios do Itamaraty, temos de mostrar nossa capacidade de intervenção em conflitos porque queremos uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU”. Aquela vaga, vocês sabem… Tempos depois, Amorim especulou sobre a possibilidade de o Brasil enviar tropas de paz ao Sul do Líbano…

E assim as nossas tropas foram ficando por lá, exercendo o papel de polícia, de assistentes sociais às vezes, numa intervenção sem prazo para acabar. Em julho, vai fazer cinco anos que o Brasil se meteu nessa roubada. Essa minha crítica não é recente. No dia 28 de maio do ano retrasado, publicava aqui o seguinte texto:

Não sou muito de viajar, vocês sabem. Acho que já citei aqui este Horácio: “Caelum, non animum mutant qui trans mare currunt”. Os que cruzam o mar mudam de céu, mas não de espírito. O sujeito que diz bobagem sob o céu do Brasil vai fazer o mesmo sob o céu de Paris ou de Porto Príncipe. Fosse alguém levado a escolher entre viajar e ler Horácio, eu recomendaria o poeta. Mas cada um na sua. Huuummm. Pra que isso?

Lula foi ao Haiti. Aqui, ali ou lá, o espírito é o mesmo.

A exemplo de Chance, do filme Muito Além do Jardim – na verdade, inspirado no romance O Vidiota, de Jerzy Kosinski, Lula vê qualquer coisa pelo ângulo da sua especialidade – ou quase: o futebol. Na solenidade em que empossou Carlos Minc, fez o que chamou “uma apologia” – queria dizer “analogia” com o esporte. Hoje, no Haiti, mandou ver: “Acredito que a nossa presença no Haiti possa ser comparada a um jogo de futebol. Em 2004, vivíamos o primeiro tempo. Agora, estamos começando o segundo tempo do jogo. O primeiro tempo foi uma etapa complicada, de ir conhecendo aos poucos as manhas do adversário, fechar uma defesa segura e não deixar passar nenhum gol. No segundo tempo, é hora de tomarmos uma iniciativa e a tática do jogo aqui é o fortalecimento cada vez maior da nossa presença solidária”

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Chance, se não sabem da história, era jardineiro. Por razões várias, passa a freqüentar as altas rodas. Nunca entende direito o que se passa à sua volta. Chega a ser cotado para a Presidência dos EUA. Sempre que alguém tem alguma dúvida, faz-lhe uma indagação, que ele responde com o único assunto que de fato domina: jardinagem. O outro entende a resposta como uma metáfora. E Chance fica, por um bom tempo, com a fama de sábio.

O que Lula quis dizer com aquela cascata? Nada! Os 1.200 soldados brasileiros que estão no Haiti se meteram foi num atoleiro. Tanto é que o Apedeuta está pedindo a ajuda internacional. Num outro momento, falou de futebol de novo, lançando o que parece ser uma nova Teoria Geral da Neocolonização: “Não trouxe desta vez nenhum jogador da seleção brasileira. Nem Ronaldo, nem Ronaldinho. Mas trouxe uma equipe de brasileiros, jogadores do meu governo, que estão me ajudando a ganhar o jogo no Brasil. E são esses homens que me ajudarão aqui no Haiti”. Pfuuui…

Tropas da ONU
A fala de Lulovsky Apedeutakoba até agora, como notam, foi irrelevante, mas ainda não tocou nas raias do absurdo. Agora vem: “Acabou o tempo que uma força de paz vai para um país para fazer o papel de polícia, de reprimir as pessoas. O que queremos é construir um grau de confiança e, quem sabe, a ONU aprenda, junto com outros países, quando tiver força de paz seja altamente civilizado”.

Pergunta: desde quando a ONU saiu por aí descendo o sarrafo nos nativos? Depende sempre do grau de violência do conflito a que é chamada a arbitrar. O Brasil não faz no Haiti nem mais nem menos do que fazem os soldados das Nações Unidas quando são chamados. Mas e daí? Apedeutakoba quer demonstrar que estamos dando mais uma lição ao mundo.

Um dia perceberam que Chance era uma fraude. Mas demorou um pouco.

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Encerro
Passada a fase aguda da tragédia, que pede a ajuda de todos, chegou a hora de o Brasil trazer seus soldados de volta para casa, O erro do envio de tropas ao Haiti já custou caro demais.

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