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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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FHC e as drogas: a opinião desastrada de um grande brasileiro. Ou: Por que a descriminação seria ainda mais desastrosa do que a legalização

A petralhada está enchendo o meu saco, e nem poderia ser diferente. A Folha deste domingo traz uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em que ele faz a defesa veemente da descriminação — e não da legalização — das drogas, de todas elas. No Fantástico, a alguns milhões, defende a mesma tese. O evento […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 11h50 - Publicado em 30 Maio 2011, 06h47

A petralhada está enchendo o meu saco, e nem poderia ser diferente. A Folha deste domingo traz uma entrevista do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em que ele faz a defesa veemente da descriminação — e não da legalização — das drogas, de todas elas. No Fantástico, a alguns milhões, defende a mesma tese. O evento que marca tanta falação é o lançamento do filme “Quebrando o Tabu”, do diretor Fernando Andrade, irmão de Luciano Huck e amigo de muita gente influente e, segundo ele, “inteligente”. Por meio dos tais mecanismos de incentivo, conseguiu arrecadar R$ 2,4 milhões, bastante dinheiro para o gênero, e não terá dificuldade nenhuma para divulgar a sua obra. Ponto parágrafo.

Vamos começar do básico. Petralhas torram a minha paciência porque, sendo quem são, sentem-se na obrigação e no dever de defender todas as bobagens que seu mestre diz. E isso os faz meter-se em operações impossíveis. A do momento consiste em justificar o “enriquecimento lícito” de Antonio Palocci. Eu não tenho partido e, sendo quem sou, não tenho tarefas. O FHC que defendo é aquele que eles dizem abominar: o do Plano Real e o da abertura da economia. E seguirei fazendo essa defesa. À medida que passa o tempo, estou cada vez mais convencido da grandeza de sua obra; quanto mais fico sabendo sobre aquele período, mais me dou conta das dificuldades que ele e a equipe do Real tiveram: trocaram as asas de um avião sem deixar o bicho cair. Salvaram o Brasil do desastre. O país só não reverencia, e a palavra seria essa, o que foi feito porque passou pelo trabalho sistemático de depredação da verdade, promovido por Lula e sua turma.

Mas não! Eu não concordo com a opinião — e se trata disto: de opinião apenas — de FHC sobre o que fazer institucionalmente com as drogas e considero a tese que ancora o filme uma fraude lógica, amparada no achismo de algumas figuras de relevo internacional, como o próprio ex-presidente brasileiro e Bill Clinton, um seu homólogo americano. Aliás, note-se: segundo vejo no trailer do filme, o grande argumento de Clinton em favor da descriminação está num exemplo familiar: um irmão drogado. Aí já é fraude sentimental. A fraude lógica se expressa no argumento tolo de que, se a repressão não consegue eliminar o problema das drogas, talvez o contrário resolva; a sentimental nos informa que os drogados são pessoas que amamos (alguém sempre as ama, claro!). E daí?

Nas entrevistas, o ex-presidente faz a devida distinção entre descriminação e legalização — que é o que defende, por exemplo, a turma da Marcha da Maconha. Ok, são coisas diferentes, e penso que a simples descriminação é ainda mais temerária.

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A política também é feita de oportunidades, como ele sabe muito bem — e isso nada tem a ver com oportunismo. Eu me refiro àquelas circunstâncias que Maquiavel, que ele domina melhor do que eu, chama de “Fortuna”. Esse filme pode ser excelente para a reputação do jovem diretor. Está longe de representar, no entanto, um anseio ou uma angústia coletiva. A polêmica tomará conta da imprensa e das tais redes sociais, e a ela ficará alheia a esmagadora maioria da população, que repudia a tese.

E não faço desse repúdio um juízo absoluto — “Se o povo não quer, então ele está certo”. Eu já escrevi centenas de textos contestando cada um dos argumentos a que recorre FHC para defender a descriminação. O repúdio popular às drogas nasce de circunstâncias muito objetivas. O estado tem falhado sistematicamente em oferecer segurança pública aos mais pobres. Ainda que as drogas todas fossem legais, vendidas na farmácia ou no supermercado, o que poderia desarmar o tráfico, mantida a incúria estatal, a bandidagem mudaria de ramo e continuaria a aterrorizar a população do mesmo modo. O estado tem falhado sistematicamente em oferecer uma educação de qualidade às crianças. A descriminação das drogas, como quer FHC, ou legalização — como querem uns doidivanas —, implicará, como é óbvio, uma elevação do consumo, derivado do simples aumento da exposição dos jovens às substâncias entorpecentes. Antes que as nossas escolas consigam alfabetizar direito ou ensinar os fundamentos da língua pátria e da matemática — aqueles que até o MEC ignora —, teremos garotos e garotas fumando maconha no portão.

A expectativa do Brasil nessa área é bem outra. Não é que o país tem falhado apenas no combate às drogas. Falha, como está dito, na política de segurança pública; falha no controle das fronteiras — a chegada do óxi anuncia efeitos devastadores. A urgência, esta sim, é um plano de combate a essas substâncias. Os usuários precisam de tratamento, e os traficantes, de cadeia.

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Não! Eu não endosso os pontos de vista do ex-presidente e os considero mais ideologia do que reflexão. Numa entrevista à Folha, o diretor do filme afirma que sua obra é expressão de “uma luta contra o obscurantismo” — vale dizer: ou se está com ele, ou se é obscurantista, atrasado, reacionário etc.

Nas entrevistas, FHC defende a descriminação, mas não a legalização. O tráfico continuaria proibido — ele é simpático até à possibilidade, como defende Paulo Teixeira, líder do PT na Câmara, do cultivo da maconha para uso pessoal… Pois é. Por uma razão puramente lógica, para o traficante, a descriminação, lamento dizer, é o melhor dos mundos. Se é assim, que se legalize de vez! Por quê? Como o tráfico continuaria proibido, a droga seguiria sendo uma mercadoria cara e rentável. Como o consumo estaria liberado, haveria um óbvio aumento da demanda. Dos três cenários — proibição total, descriminação e legalização total —, qualquer negociante da área escolheria o aumento da demanda e da restrição da oferta. Isso nada tem a ver com droga, mas com economia… “Ah, em Portugal, está funcionando”. Há centenas de sites e blogs portugueses que sustentam que a tese é falaciosa, uma trapaça da contabilidade criativa que tomou conta do país tanto na economia como no combate às drogas. De resto, ainda que verdade fosse,  governar 11 milhões de pessoas é um tanto diferente de governar 200 milhões, a esmagadora maioria composta de pobres. E a Holanda? Respondo com uma piada: vamos copiar primeiro os moinhos e os diques…

FHC defende ainda campanhas educativas contra o consumo, o tratamento dos dependentes etc. Tudo isso pode ser feito com a legislação atual. Aliás, ninguém que se diga hoje um dependente de drogas, de qualquer uma, e queira se tratar enfrenta problema legal. Enfrenta, sim, é a falta de atendimento especializado, a menos que seja rico.

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Para a esmagadora maioria dos brasileiros, essa é uma discussão de outro planeta, lá onde habita a classe média alta esclarecida, liberal nos costumes e com caixa para sustentar o desregramento temporário dos sentidos de seus pimpolhos alternativos, cheios de amigos “inteligentes” — até a hora em que eles voltam às exigências e necessidades naturais de sua classe social. Vá perguntar aos pais e mães pobres do Brasil, àqueles que enfrentam, de fato, o faroeste do dia-a-dia. Os que fumam maconha protegidos, na prática, por segurança privada não são parâmetro.

Não, eu não acho que pobreza confira autoridade intelectual ou política a quem quer que seja. Isso é coisa dos lulo-petistas e de Jean Wyllys, essa gente que continua “pobre” mesmo depois que fica rica. O que os pobres têm é uma vivência em que a droga não é uma escolha do consumidor, como é para os “bacanas”, mas uma imposição do traficante que prospera em razão da inoperância do Estado. “Mas esse argumento é favorável à legalização”, diria o pessoal da Marcha… O Brasil não vai legalizar a droga sozinho; se o fizesse, sozinho ou em grupo, haveria uma explosão desastrosa do consumo.

Caminho para a conclusão. A partir de amanhã e por uns bons dias, o Brasil terá um novo assunto: a descriminação das drogas, da maconha em particular. O filme daquele rapaz será um sucesso na classe média ilustrada e entre os ricos liberais, e os “pobres reacionários” ficarão mais ou menos indignados. Na semana passada, Lula veio a público para salvar Dilma Rousseff. Pegou mal. Ele não conseguiu oferecer a ela o refrigério necessário. Piorou as coisas. Com suas entrevistas e com o filme,  FHC, involuntariamente, abre uma janela à presidente — embora tenha descascado o seu governo na convenção de ontem do PSDB.

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O Brasil teve dois presidentes que mudaram o rumo de sua história: Getúlio Vargas e FHC. Pensando o que penso, digo que aquele nos deu um viés ruim, do qual não nos livramos até hoje — a tara estatista supostamente benigna —, e este nos alertou para a existência de uma sociedade mais dinâmica do que o estado, lição ainda mal assimilada. Talvez cheguemos lá.

No que diz respeito às drogas, no entanto, o erro de FHC, entendo, é grande, é gigantesco, no conteúdo e na oportunidade. Quanto aos petralhas aos quais me refiro no começo deste texto, eles continuarão a atacar a obra essencial do ex-presidente e a usar as suas opiniões sobre o tema para demonstrar que eles próprios não estão sozinhos na defesa que fazem. Pensando o que pensam sobre o ex-presidente, se procedem dessa forma, é porque pretendem, quando menos, dividir um ônus. Fossem louros, eles reivindicariam o monopólio da virtude.

PS – Eis aí. Eu não tenho aiatolás de estimação, nem FHC tem tal perfil. Nos comentários, continuarei a vetar os “drogófilos” — a democracia lhes faculta milhares de sites para fazer proselitismo; não precisam do meu — e não permitirei que a obra política de FHC seja depredada por petralhas disfarçados de indignados. Posso até parecer bobo a alguns, mas acho que não sou. Sei distinguir bem uma coisa de outra.  É perfeitamente possível discordar radicalmente do ex-presidente, preservando o que tem de ser preservado; é perfeitamente possível defender a sua iniciativa (eu não defendo, como viram)  sem fazer a apologia das drogas. Vocês farão a  coisa certa.

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Quanto aos petralhas, uma dica: aprendam o valor de pensar por conta própria. É bom admirar pessoas sem ter de justificar os seus erros. Vocês têm de defender Palocci, tarefa impossível! Nas suas cabecinhas ocas, eu teria de defender as opiniões de FHC, coisa bem mais fácil. Mas eu recuso essa facilidade porque eu lhe rendo o reconhecimento pela grande obra, não a anulação do meu pensamento em favor do seu equívoco.

Que coisa, não é? Em nome da independência, eu me recuso a defender o defensável. Porque vocês são quem são, obrigam-se a defender o indefensável. Não deve ser fácil viver com o nariz no chão!

Texto publicado originalmente às 18h42 deste domingo


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