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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Estatais e empresas privadas financiarão festa das centrais. Ou: a sociedade pós-política e pré-totalitária

Leio o noticiário e sou obrigado a constatar: estão tentando fundar no Brasil a sociedade pós-capitalista, pós-política e pós-ideológica. É, assim, um pré-totalitarismo. Mas, antes que chegue ao ponto, lá vai uma digressão que nos aproxima do tema. Estou de volta. E, como não poderia deixar de ser, com saudade de vocês. De vez em […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 12h12 - Publicado em 25 abr 2011, 07h35

Leio o noticiário e sou obrigado a constatar: estão tentando fundar no Brasil a sociedade pós-capitalista, pós-política e pós-ideológica. É, assim, um pré-totalitarismo. Mas, antes que chegue ao ponto, lá vai uma digressão que nos aproxima do tema.

Estou de volta. E, como não poderia deixar de ser, com saudade de vocês. De vez em quando, preciso dar uma folguinha a meus braços cansados. Na semana passada, fiz uma resenha sobre o livro “Fernando Pessoa – Uma Quase Autobiografia”, de José Paulo Cavalcanti Filho, que recomendo. Volta e meia me ocorre dedicar-me exclusivamente a temas dessa área, deixando a política pra lá. Se tantos se regalam com a fantasia do Tirano Virtuoso, por que não eu? Tiranos virtuosos sempre recorreram a quem soubesse arranjar com razoável destreza as palavras para conferir dimensão histórica — e até metafísica — ao mandonismo, dando uma aparência sublime ou à violência do Estado ou à vilania pura e simples.

Como os tempos andam hostis ao dissenso, melhor eu faria se me dedicasse ou a substantivos celestes ou à crônica cortesã. Pois é… Mas eu faço tudo errado mesmo: Pessoa não é a melhor rota para celebrar a “pax” com “o mundo que há”, e eu sou obcecado por chamar as coisas pelo nome que elas têm. No reino do Tirano Virtuoso, eu só aceitaria o papel de bobo da corte, que, à diferença da metáfora que se popularizou, era uma reserva de crítica moral, ainda que consentida. Enquanto dura a República, sigamos com as palavras e as coisas.

A minha ranhetice inatual deriva do fato de que tenho cá as minhas ortodoxias, inclusive e muito especialmente as políticas, daí o desconforto de alguns leitores ao constatar o que parece ser o permanente desacerto do blogueiro com o mundo. Alguns indagam indignados: “Mas você não gosta de nada? Tudo tem de ser objeto de crítica? Quando você relaxa?” Huuummm… Relaxo quando rezo, nunca pra pedir nada (mentira: se o avião balança muito, até peço; inútil fingir que é só pelos outros…)! Procuro é a clareza. Muito bem. Fim da digressão.

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Leio que as seis centrais sindicais promoverão dois grandes eventos no próximo domingo, 1º de maio, Dia do Trabalho. Um deles será comandado pela CUT, a organização petista, e o outro, pelas demais centrais, numa festa unificada. Atenção! Mais uma vez, as estatais financiarão parte das atividades. Já está certa a participação da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil e da Eletrobras. Cada cota custa de R$ 150 mil a R$ 200 mil. Mas não vá pensar o leitor que sindicatos de trabalhadores apelam apenas a estatais para realizar seu intento. Não! De jeito nenhum! Empresas privadas também financiam as manifestações dos trabalhadores. Já decidiram comprar cotas que variam de R$ 80 mil a R$ 200 mil a Brahma, as Casas Bahia, o Carrefour e o Pão de Açúcar e os bancos BMG, Bradesco e Itaú.

É um momento sublime da política brasileira! Unem-se, então, os sindicatos, as estatais — braços do Estado — e o capital privado para celebrar a “festa do trabalho”. É hora de voltar à minha ortodoxia — do tipo liberal, suspeito, mas é possível que até alguns antigos comunistas me acompanhassem nas objeções, ainda que certamente lutássemos em campos adversários. Se “estado”, “capital” e “trabalho” se juntam, onde está a necessária tensão,  que faz avançar as sociedades?  Quem ficou, como naquela música de Cazuza, que era tema da novela “Vale Tudo”, “na porta, estacionando os carros”? Se o leitor, contaminado pelo noticiário da semana retrasada, respondeu mentalmente “o povão”, retruco: “Errou, meu amigo”.

“Povão” não é categoria social. “Povão” não é conceito sociológico. “Povão” é o vulgo, é aquela massa amorfa de que tanto mais se desdenha quanto mais se adula; é a torcida para a qual se faz embaixadinha. Parte dele estará na praça, cantando com os artistas, com a cartela do bingo na mão, à espera dos sorteios. O PT, que promovia o confronto de classes, promove, agora, a conciliação. A nova classe social que está no poder — os sindicalistas que formam a burguesia do capital alheio — é a grande beneficiária desse modelo que une num abraço os “trabalhadores”, o estado e as empresas privadas, que também não têm do que reclamar.

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Não se assistirá na praça a nada que não estejamos vendo na política. Vivemos um momento de tal sorte especial que os erros do governo são quase celebrados como um novo motivo para a união nacional… Topamos tudo, menos fazer política. Os órgãos do estado encarregados de vigiar o Executivo estão à beira do desmonte. Mas sindicatos, estado e capital privado celebram a sua união, como nas antigas fabulações totalitárias — esse modelo sem contradições atingiu seu ápice com Mussolini, na Itália.

Quem não participa da festa? São muitos milhões, acreditem, que não são beneficiários desse, por assim dizer, “regime”. Ao contrário: eles o sustentam com seu trabalho, seus impostos, seu estudo, seus esforços para progredir. São os brasileiros do MSP — o Movimento dos Sem-Política, que entregam aos estado boa parte daquilo que ganham e depois são obrigados a arcar com os custos da saúde privada, da educação privada e até da segurança privada.

Se “eles” estão todos juntos, não duvidem: alguns dos “inimigos” estão na sociedade. Não por acaso, o “tema” da CUT neste ano nada tem a ver com o mundo do trabalho. Adi dos Santos Lima, presidente da central em São Paulo, explica: “A proposta é ir além da tradicional confraternização entre os trabalhadores e dar um passo para refletirmos sobre nossa condição de país afrodescendente e aprofundarmos a integração dos movimentos sociais e centrais sindicais brasileiros e africanos”.

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Ah, entendi, seja lá o que isso signifique. Os ditos “movimentos sociais” têm sido muito eficientes, como todos sabemos, em “desequalizar” o que a Constituição igualou, garantindo “direitos especiais” para seus represetados. Agora que está no poder, a CUT não tem mais nada a reivindicar nem do capital nem do estado. Sua tarefa é cassar alguns direitos dos cidadãos comuns.

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