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Está aberto o concurso para ver quem produz a metáfora mais molhada e cafona sobre Mandela…

A morte de Nelson Mandela despertou o, vamos dizer assim, lado cafona da imprensa mundial — da brasileira também, é evidente. Raramente li tanta besteira bem-intencionada. Ora o apartheid é tratado como se tivesse sido um regime de escravidão, ora como um regime colonialista. Não era nem uma coisa nem outra e, por isso mesmo, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 04h50 - Publicado em 9 dez 2013, 17h38

A morte de Nelson Mandela despertou o, vamos dizer assim, lado cafona da imprensa mundial — da brasileira também, é evidente. Raramente li tanta besteira bem-intencionada. Ora o apartheid é tratado como se tivesse sido um regime de escravidão, ora como um regime colonialista. Não era nem uma coisa nem outra e, por isso mesmo, conseguiu, asqueroso como era, sobreviver até outro dia. A história de uma minoria de brancos ricos de um lado contra negros miseráveis de outro é simplesmente falsa — e isso não elimina a sua essência imoral, indigna.

Por que é importante que as coisas sejam postas nos seus devidos termos? Porque há de haver uma explicação para que a desigualdade social tenha aumentado depois da queda do apartheid. Aí o sujeito que tem as quatro patas solidamente plantadas no chão procura ler o que não está escrito: “Ah, o Reinaldo está dizendo que o apartheid era melhor…”. Não! O Reinaldo está dizendo que o regime da desigualdade política entre brancos e negros era apenas um dos problemas — gravíssimo, mas apenas um.

Caiu a expectativa de vida por causa da Aids. O Congresso Nacional Africano cismou que a doença era instrumento dos brancos para tentar discriminar os negros, e o flagelo se espalhou. Dá-se pouca ou nenhuma atenção ao fato de que a África do Sul é um dos países mais violentos do mundo, com uma das elites mais corruptas da Terra. E isso nada, rigorosamente nada, tem a ver com a questão racial. Sim, havia, em regra, uma desigualdade gigantesca, também social, entre brancos e negros, mas a existe entre negros e negros já era escandalosa — e segue sendo.

É pouco tempo para consertar o país? Certamente. Mas já se passou tempo demais para nada ter melhorado, não é mesmo? Ao contrário: certos indicadores apontam para uma piora sensível na qualidade de vida. A questão, então, é saber por que é assim — e a morte de Mandela não pode servir para esconder o que está aos olhos de todo o mundo.

E o nome do problema é Congresso Nacional Africano, que se constitui como um estado paralelo. Tanto é assim que só é possível chegar à Presidência do país depois de assumir o comando da organização. Nesse sentido, e é o pior sentido, o regime é, digamos, meio chinês: se quer controlar o país, primeiro tenha o controle do partido. E isso só é possível fazendo as vontades da burocracia. A diferença é que não fica bem, na África do Sul de Mandela, não fazer eleições. Mas digam aí: qual é a chance de um negro (nem conto com a possibilidade de um branco…) desvinculado do CNA chegar ao poder? Na “democracia” sul-africana, tal hipótese nem se conta entre as coisas sensatas.

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Isso tudo diminui a importância de Mandela? Não! Isso apenas o coloca entre os mortais, entre os terrenos — ele próprio, aliás, chegou a demonstrar certo inconformismo com o endeusamento. Aqui e ali leio que ele deveria ser considerado uma espécie de paradigma de político, de modelo a ser seguido, de norte, de guia genial dos povos…

Aí não! Já exaltei e exalto de novo a figura que percebeu que o confronto sangrento era contraproducente e jamais construiria um país — ou acabaria destruindo o que havia nele de virtuoso. No poder, evitou a revanche e controlou seus radicais. Outro acerto. Mas o líder carismático, o orientador político, não tinha inclinação para a gestão.

Olhem aqui: depois de todas as metáforas, hipérboles e prosopopeias sobre a liberdade, é preciso recolher o lixo, é preciso asfaltar ruas, é preciso cuidar da iluminação pública, é preciso construir escolas, é preciso erguer hospitais, é preciso reprimir a violência… É preciso, em suma, governar. E a África do Sul, nesse particular, SEGUE SENDO UM EXEMPLO A NÃO SER SEGUIDO.

Todas as homenagens a Mandela são justas. A comoção, como se estivéssemos diante do sagrado, no entanto, é hipocrisia. Ela diz mais respeito ao coração culpado dos “brancos” do planeta do que às reais condições de vida dos sul-africanos. Esse concurso para ver quem consegue produzir a metáfora mais molhada sobre “Madiba” é um porre.

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