E se a reforma ministerial de Dilma piorar o que já é ruim?
Já abordei aqui o que chamei de “Paradoxo Dimenstein”, que marca o governo Dilma, em homenagem àquele que chegou mais longe na tese. E ele consiste no seguinte: quanto mais a presidente demite, mais seu governo se mostraria virtuoso. Já caíram seis ministros acusados, sejamos genéricos, de malversação de recursos públicos. Em alguns casos, é […]
Já abordei aqui o que chamei de “Paradoxo Dimenstein”, que marca o governo Dilma, em homenagem àquele que chegou mais longe na tese. E ele consiste no seguinte: quanto mais a presidente demite, mais seu governo se mostraria virtuoso. Já caíram seis ministros acusados, sejamos genéricos, de malversação de recursos públicos. Em alguns casos, é a tal corrupção mesmo. E há certa exclamação: “Oh, que mulher decidida!” Claro, claro… Houvesse Dilma escolhido uma constelação de probos, talvez tivéssemos mais tempo, e clareza, para perceber que seu governo é fraco! Votemos… Quem nomeou? Foi você, leitor amigo? Fui eu? É muito provável que nem você nem eu tenhamos votado nela, certo? Nomear, então, nem pensar! Todos os que estiveram na Esplanada e estão ainda são de inteira responsabilidade da Soberana. Criou-se o mito de que os que tombaram foram impostos a Dilma por Lula, a suposta pior parte… Será mesmo?
Vejam aí o caso Fernando Pimentel. Há uma de comoção no petismo nem tanto porque ele seja, assim, uma figura de grandíssima expressão no partido. Trata-se apenas de uma estrela de médio porte. Mas está num cargo importante; é, afinal de contas, “um deles” e, acima de tudo, atenção!, é “um dos dela”.Talvez seja, de todos os ministros, o mais próximo da presidente. Eles se conhecem desde os tempos da militância clandestina.
Pimentel foi uma espécie de aluno de Dilma, com quem aprendeu os primeiros, e creio que não mais do que isto, rudimentos de marxismo. Os dois pertenciam, em Belo Horizonte, a um grupo terrorista chamado Colina (Comando de Libertação Nacional). Mais tarde, reencontraram-se no Rio. O Colina se fundiu com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), de Carlos Lamarca, e teve origem a Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Quanta vanguarda para tanto retrocesso sem retaguarda, né? O marido de Dilma, que era chefão, deslocou Pimentel para o Rio Grande do Sul. O grupo rachou de novo, Lamarca refundou a VPR, e Pimentel preferiu segui-lo.
Dilma pertencia à área de organização da VAR-Palmares; não consta que tenha participado pessoalmente de alguma ação armada. Com Pimentel, é diferente. Em todo o ministério, o único que, comprovadamente, pegou no berro foi ele. Em março de 70, foi o protagonista de um assalto ao carro do Banco Brasul, em Canoas. No dia 4 de abril, participou da tentativa de seqüestro do então cônsul americano em Porto Alegre, Curtis Carly Cutter. Deu tudo errado. Cutter se safou com sua caminhonete, embora tenha levado um tiro no ombro. Passou com o carro sobre o pé de Pimentel. Quando vai chover, o agora ministro ainda sente uma dorzinha — só no pé, não na consciência. Pimentel pode não ser uma reserva técnica do governo, pode não ser uma reserva moral, mas é uma reserva sentimental… E a companheira de armas, desta vez, está decidida a resistir.
Sem motivos! Não há nada que Antonio Palocci tenha feito, reitero, que Pimentel não o tenha superado. As evidências de promiscuidades que ligam sua empresa à Prefeitura são de trincar as montanhas de Minas. Suas explicações estão se saindo mais atrapalhadas do que o seqüestro do embaixador americano. Nesta quinta, prometeu mostrar documentos definitivos e coisa e tal, mas recuou. Dilma decidiu que ele a acompanha à Argentina, e Rui Falcão decreta que, “por sua história, ele está acima de qualquer suspeita”.
Qual história? Suponho que não seja a história de prefeito de Belo Horizonte, porque esta mais o condena do que do o absolve. É justamente porque ele era lá uma autoridade política que sua consultoria se mostra, quando menos, indecorosa. Quanto à história pregressa — e agora o leitor entende por que eu a narrei brevemente aqui; estava em busca deste fecho no parágrafo —, sou forçado a dizer que o assalto a um carro pagador e uma tentativa de seqüestro de um cônsul não servem para tornar ninguém “acima de qualquer suspeita”, especialmente quando contra as evidências. Eu diria até que piora as coisas um pouquinho no terreno puramente moral. Ou eu perdi alguma coisa do especioso, por assim dizer, raciocínio de Falcão?
Dilma escolhe bem?
Criou-se certa expectativa na imprensa — expectativa otimista, diga-se — de que Dilma fará uma reforma ministerial no começo do ano, e, então, seu governo começará de fato, aí com os quadros que ela realmente escolher. Pois é… Vejam Pimentel. É uma escolha inequívoca de Dilma. Mas eu posso recuar um pouco tempo para avaliar se ela sabe mesmo escolher seus auxiliares.
A sua mais notável braço direito na vida pública, como havemos de nos esquecer disso?, foi Erenice Guerra. Nenhuma escolha foi mais pessoal do que essa. E, no entanto, deu no que deu. Aliás, a reação à primeira reportagem da VEJA sobre essa senhora, se bem se lembram, seguiu o padrão de sempre: também ela estava acima de qualquer suspeita; tudo não passava, diziam, de uma tentativa de desestabilizar a candidatura de Dilma à Presidência etc e tal. Erenice era de tal sorte uma escolha sua que, ao deixar a Casa Civil, Dilma fez de sua secretária-executiva a titular, com os resultados conhecidos.
O que eu estou dizendo, em síntese, caminhando para o encerramento, é que não há garantia nenhuma de que as escolhas REALMENTE FEITAS POR DILMA sejam exemplos notáveis de eficiência ou, lamento dizer, probidade. O esforço nervoso para tentar evidenciar, contra as evidências!, que Pimentel agiu dentro das regras começa a assumir um tonzinho meio desesperado.
Conhecem aquela piada da platéia de ópera que vaia o péssimo barítono? Limpando o tomate do rosto e da roupa, ele adverte: “Não gostaram do barítono? Então esperem até ouvir o tenor…”