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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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DEMOCRACIA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO. OU: A DOÇURA DE PALOCCI NÃO ME ADOÇA

Caras e caros, Um daqueles textos longos — para compensar o relativo “abandono” de ontem, hehe Mas acho que importante. Se conseguirem ter paciência, acho que chegaremos a um bom lugar. E creio que vocês entenderão um pouco mais o espírito que animou a política nos últimos sete anos e por que chegamos aqui. Vamos […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 15h49 - Publicado em 2 mar 2010, 05h57

Caras e caros,
Um daqueles textos longos — para compensar o relativo “abandono” de ontem, hehe Mas acho que importante. Se conseguirem ter paciência, acho que chegaremos a um bom lugar. E creio que vocês entenderão um pouco mais o espírito que animou a política nos últimos sete anos e por que chegamos aqui. Vamos lá.

*
Participei ontem, como viram, do “1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão”, promovido pelo Instituto Millenium, em São Paulo. Alguns de vocês acompanharam o debate pela Internet. Foram vários os enfoques particulares dentro do tema mais geral daquele painel —- “Liberdade de expressão e estado democrático de direito” —, mas quero ressaltar duas das questões que levei aos presentes. Escrevi ontem  um tanto a respeito e prometi voltar ao assunto. A primeira questão relevante: somos, no Brasil, especialmente os liberal-democratas — prefiro essa composição de palavras porque uma pessoa que defenda o liberalismo econômico pode não ser necessariamente um democrata, não é?  —, reféns da estabilidade econômica.

Ao escrever isso, é evidente que não quero me livrar da estabilidade. Estou afirmando que, por causa dela, fomos permitindo que os não-democratas começassem a assediar a democracia e a especular contra ela. Uma personagem importante dessa construção participou do seminário, na mesa seguinte: o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, muito apreciado por amplas fatias do empresariado brasileiro. Daqui a pouco, trato de sua intervenção no debate. Quero falar um pouco mais do seu papel naquela construção.

O garantidor
Palocci representou a garantia de que a conversão do PT às regras do mercado era para valer. Se amplos setores do capital lhe são muito gratos, isso não é por acaso.  Afinal, soube segurar o timão quando seus próprios aliados especulavam contra a estabilidade da economia.

O crescimento quase zero do primeiro ano de governo Lula jogou o então  ministro da Fazenda na boca dos leões. Sua disciplina fiscal incomodou muitos dos seus pares — ATENÇÃO: POUCOS SE LEMBRAM, MAS UMA DAS INCOMODADAS ERA A ENTÃO MINISTRA DAS MINAS E ENERGIA, DILMA ROUSSEFF. Podem recorrer ao arquivo, e vocês encontrarão a madame simpática à turma que falava em Plano B, que já tinha até ministro: Aloizio Mercadante… Esse ainda acabará reescrevendo aquele capítulo de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis: De como não fui ministro

Palocci e o não-petista Henrique Meirelles (Banco Central) seguraram a onda. Também o então secretário de Política Econômica, Marcos Lisboa, teve papel decisivo na manutenção do rumo. E, é evidente, Lula preferiu não mudar. Da crônica da estabilidade, vou para a metáfora rural: cachorro mordido por cobra tem medo de lingüiça. Os mesmos que pregavam o “cavalo-de-pau” no “modelo econômico” tinham jurado a Lula que o Plano Real seria um desastre… Se o chegão do PT não estava equipado intelectualmente para entender a importância da estabilidade das regras, tinha ao menos a experiência do que os “teóricos” de seu partido lhe haviam soprado aos ouvidos.  Muito bem! Palocci passou, então, a ser visto como “A GARANTIA” de que o PT não faria besteira. Enquanto ele estivesse lá, tudo estaria seguro.

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As oposições e Palocci
Os ditos radicais do PT ainda estavam no partido e largavam o braço no “traidor” Palocci. A rigor e felizmente, as escolhas do PT caracterizavam, sim, uma traição. Mesmo os petistas ditos moderados faziam uma defesa um tanto envergonhada do governo. Os principais apoiadores de Palocci, especialmente no Senado, eram parlamentares do… PSDB e do então PFL — os tucanos eram os mais animados. Afinal, diziam, ele está “usando o nosso [deles] programa”. Era verdade. Mas e daí?

Fui convidado a falar num seminário do PSDB quando os petistas lançaram o seu programa de reformas da Constituição — o mesmo que FHC havia proposto e que colaborara para lhe render, entre outras ações, a pecha de “neoliberal”. Lembro-me claramente o sentido da minha intervenção, que está documentado porque escrevi depois um texto analítico para a revista da Fundação Teotônio Vilela.

Afirmei que compreendia os motivos por que as oposições apoiavam quase unanimemente o programa de reformas do PT — embora a gigantesca base de Lula no Congresso e o seu próprio partido estivessem bastante divididos. Afinal, tucanos e pefelistas não eram — e disto se orgulhavam tanto — como os petistas, que sempre apostaram no “quanto pior, melhor”. Afinal, eles não eram como os petistas, que botaram os tontons-maCUTs na rua, EM PLENO 2002, para defender um reajuste para o funcionalismo de… 73%!!! E Antonio Palocci estava  na turma, como ele sabe muito bem. Afirmei, pois, que entendia, sim. Mas também disse que o apoio à reforma, como eles o estavam dando, caracterizava uma rendição perigosa. E usei uma imagem: A COERÊNCIA NÃO PODE SER UMA CRUZ A PESAR SÓ NO OMBRO DOS ADVERSÁRIOS DO PT.

E recorri ali a uma outra imagem, que empreguei, depois, muitas outras vezes: os adversários do PT estão permitindo ao partido viver numa espécie de presente eterno, de modo que os petistas sempre estarão na vanguarda porque a sua NECESSIDADE DA HORA é  tida como a evolução do pensamento. Estarão sempre certos: quando defendem uma coisa e quando defendem o seu contrário. Eu não propunha que os oposicionistas rejeitassem reformas necessárias; não!, eu não propunha “o quanto pior, melhor”. Mas insistia que A EMPULHAÇÃO DO PARTIDO FOSSE DENUNCIADA. Boa parte dos oposicionsitas preferia dar ao PT as boas-vindas à realidade.

OCORRE QUE PALOCCI, COMO O SAPO DO GUIMARÃES ROSA, PULAVA TAMBÉM POR PRECISÃO, NÃO SÓ POR BONITEZA. Ele, sem dúvida, passara a gostar muito daquele negócio de “mercado”. E como!!! Mas sabia que não tinha outra alternativa.

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Uma nota para falar da imprensa
Sabem quem apontava as contradições do PT e sua vigarice histórica? Curiosamente, gente como eu — e, definitivamente, não sou de esquerda — e colunistas de esquerda, que se sentiam traídos. Além, é óbvio, de Heloisa Helena e outros babões, que acabaram deixando a legenda. Isto mesmo: num dado momento, Reinaldo Azevedo e a extrema esquerda do PT atacavam a hipocrisia do “PT de centro”. Com a diferença nada ligeira de que eu cobrava que eles reconhecem que  a escolha do caminho da virtude (só na economia) tinha de se fazer acompanhar de um mea-culpa pelos vícios pregressos. E a extrema esquerda achava que a nova virtude era vício e o que o velho vício era virtude.

A imprensa, de maneira geral, cobria o governo de elogios. Quanta prudência! Quanto realismo! Quanta responsabilidade! Havia até quem visse naquilo tudo manifestação de uma genuína humildade e reconhecimento de que estavam errados. Isso tudo malgrado o discurso que já se iniciava da “herança maldita”, uma das falácias históricas que marcou a consolidação do PT no poder.

Botei pra quebrar
Bem, escolhi a contramão no site e na revista Primeira Leitura — e, por isso, tive de fechá-los. Apontei, naqueles dias, o que aponto agora: A CONVERSÃO DO PT AO MERCADO era a única saída do partido, não uma escolha — ou Lula, ele próprio já o disse, teria caído no primeiro ano. MAS EU ME NEGAVA, DIZIA, E OS QUE ME ACOMPANHAM DESDE AQUELE TEMPO SABEM DISSO, A FAZER UMA ESPÉCIE DE TROCA COM O PT: “Nós não tocamos na estabilidade, mas vamos cobrar um preço bastante alto por isso”. Rejeitava o partido que tinha uma tese para o Brasil a depender do lado em que estava do balcão.

Mas não teve jeito. A estabilidade era um “valor caro” demais aos chamados setores formadores de opinião para que se prestasse atenção a outros aspectos da governança. Quando o escândalo do mensalão veio à luz, houve, acreditem, quem realmente tivesse ficado chocado, como se aquilo fosse algo incompatível com o, como é mesmo?, “partido da ética na política”. Sei de renomadas reputações que acharam imprudente a entrevista de Renata Lo Prete com Roberto Jefferson… Afinal, era Jefferson contra o PT, não é? E todos sabíamos em quem acreditar…

Atenção!
Ainda que os petistas não tentassem impor uma única lei autoritária — e eles tentam; ainda que este fosse um governo que se dedicasse à aplicação inclemente das leis democráticas — e ele não é; ainda que o PT fosse um partido que não soubesse distinguir adversários de aliados na arbitragem de questões legais — e ele sabe; ainda assim, essa gente seria  deletéria porque se pretende monopolista do bem e sataniza os adversários como meros sabotadores desse bem que ela encarnaria.  E agora quero voltar um pouco a Palocci, meu “colega” de fórum nesta segunda.

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Não acompanhei a sua exposição porque, encerrado o painel de que participei, um grupo nos acompanhou para fora da sala — alguns eram leitores do blog  —, e ficamos batendo papo. Mas leio na imprensa o que disse o ex-ministro. E estou vendo o mesmo Palocci de 2002 a dizer aos mercados: “A garantia sou eu!”. Mas garantia de quê? Ele podia garantir o que estava afeito a sua área. Em matéria de “democracia”, Dilma tem idéias certamente muito, como direi?, próprias.

E o que disse Palocci ontem?
“Eu não vejo necessidade de uma ação governamental junto à imprensa em defesa dos direitos humanos, porque a nossa Constituição já fala sobre isso. O jornalista ou o dono de um veículo de imprensa deve respeito à Constituição, como todo cidadão (…) Eu não quero condenar o PNDH, mas não concordo com a forma como foi colocada essa questão”.
E mais adiante:
“O que a ministra tem dito é que isso não faz parte da visão do atual governo nem das propostas dela para o futuro. Nunca a vi defender qualquer postura um pouco mais dura, à esquerda, ou estatal para a imprensa brasileira, pelo contrário”.
Mais uma vez, tínhamos a voz do garantidor. Na abertura do seminário, o ministro Hélio Costa (Comunicações) também havia negado a intenção de controlar a imprensa.

O que responder?
Que o decreto do “Programa Nacional-Socialista de Direitos Humanos” passou antes pela Casa Civil, de Dilma Rousseff. E ele é explícito ao defender à censura à imprensa. Que a tal Conferência de Comunicação, que propõe o “controle social da mídia”, foi parida no ministério de Franklin Martins, com o óbvio apoio de Lula. Que a dita Conferência de Cultura segue a mesma trilha, fazendo a defesa da censura. Que a verba publicitária oficial é, hoje em dia, escandalosamente manipulada em favor dos amigos do governo, financiando, inclusive, uma campanha impressionantemente suja de blogueiros vigaristas contra aqueles que são tidos como adversários do governo.

Palocci — POR QUEM É SABIDO QUE DILMA NÃO MORRE DE AMORES, E ESSE NÃO-MORRER DE AMORES É MÚTUO — só está na condição de um dos “coordenadores de campanha” porque se pretende usar o prestígio do “garantidor” para tentar amansar alguns contornos da biografia e do discurso da candidata.

Mesma mágica
Repete-se, assim, a mesma mágica de antes: temos um governo que envia seus decretos e faz as suas conferências comuno-fascistóides para ameaçar a liberdade de imprensa, mas temos um Palocci que nos diz que aquilo que está lá não deve ser levado muito ao pé da letra; que aquilo não é para valer. Noto que o governo mudou o texto no que diz respeito à Comissão da Verdade, corrigindo-o com um novo decreto, mas manteve inalterados os artigos que tratam da censura à imprensa.

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Por que fiz a crônica da estabilidade na abertura deste texto? Porque, mais uma vez, estamos diante de uma mesma fraude intelectual: PORQUE O PT PROMETE QUE NÃO NOS VAI TIRAR O QUE NÃO PODE MESMO NOS TIRAR — A ECONOMIA DE MERCADO  —, ENTÃO PODEMOS SER MOLESTADOS POR SUAS TENTATIVAS ESTÚPIDAS DE CRIAR MECANISMOS DE CENSURA.

Palocci age, assim, mais uma vez, como o garantidor e o mediador de dois mundos: sobe à terra como representante conversável do mundo das idéias mortas para dizer que as coisas não são bem como pensamos. Sai do seminário e volta lá às catacumbas como quem saiu para cumprir uma missão de pacificação e ver o que andam pensando “os outros”. E há quem queira que devamos lhe ser muito gratos porque, afinal, ele não tem a sede de sangue de muitos de seus pares.

Comigo, não, violão! SE O DECRETO NÃO É PARA VALER, QUE O GOVERNO LULA FAÇA UM OUTRO MUDANDO AQUELA ESTROVENGA. SE NÃO FAZ, ENTÃO É PORQUE PRETENDE NOS AMEAÇAR COM ELE.

Encerrando com o outro pilar
E o outro pilar da minha intervenção, como ficou claro aos presentes e a quem acompanhou pela Internet, diz respeito à responsabilidade dos próprios veículos de comunicação. Não raro, sob o pretexto de ouvir as vozes plurais da sociedade, confundindo isenção com “isentismo” e outro lado com “outro-ladismo”, a grande imprensa faz-se porta-voz e incentivadora de práticas que atentam contra a liberdade de expressão, contra a democracia, contra o estado de direito.

Há exemplos escancarados dos momentos em que a imprensa pôs os princípios que a sustentam de lado para ecoar as vozes que, no limite, concorrem para solapar a sua legitimidade. Citei aqui os vários casos. Afirmei no seminário que não fui o primeiro a fazer barulho com o Programa Nacional-Socialista dos Direitos Humanos porque tenha sido o primeiro a lê-lo. Não, senhores! Muitos outros coleguinhas já o tinham feito. Ocorre que tinham achado aquilo tudo normal, sensato, razoável.

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A questão é de valores. E a imprensa brasileira está, em boa parte, tomada pela militância e por sua “corrosão de caráter”, para recorrer a uma imagem que o professor Roberto Romano empregou nesta segunda.

Fazer o quê? Não tenho receitas. Eu já disse o que faço. Chamo coisas e pessoas por seus respectivos nomes e desço o sarrafo naqueles que buscam solapar os valores que considero inegociáveis: democracia representativa e estado de direito. E não compactuo com quem acende uma vela a deus e outra ao capeta. E estado de direito é estado de direito mesmo!!! A origem, a grana, a família, a sorte, sei lá eu, tudo isso faz com que existam no mundo donos de casa e caseiros. A constituição os iguala. E, por isso, sem autorização da Justiça, não se violam nem o sigilo do dono da casa nem o sigilo do caseiro.

É uma metáfora. Mas também é uma metonímia. É claro que estou me referindo a Palocci. Não costumo recorrer nem a delicadezas nem a indelicadezas oblíquas. O ex-ministro se safou. Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa e considerado o homem que deu a ordem para escarafunchar a conta de Francenildo, foi um dos entrevistadores de Dilma Rousseff no livro-entrevista lançado no congresso do PT para provar que a candidata pensa.

Palocci, segundo entendi, sustenta que Dilma não concorda com o conteúdo do Programa Nacional-Socialista de Direitos Humanos. Ocorre que sua pasta deu forma final ao texto. Vai ver ela também discorda da quebra ilegal do sigilo do caseiro.  Só recorreu a Mattoso para tentar deixar mais claro o que pensa…

Não vem que não tem, “garantidor”!

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