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Células-tronco embrionárias: sou contra ou a favor? Contra. Mas rejeito a luta finalista

Alguns leitores me cobram, com dureza, se sou a favor ou contra a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias: sou contra, SEM AMBIGÜIDADES. Apenas tomo o cuidado para não jogar fora a água suja junto com a criancinha — no contexto, a metáfora não ficou de muito bom gosto. Sou contra porque acho que os […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 19h26 - Publicado em 28 Maio 2008, 21h51
Alguns leitores me cobram, com dureza, se sou a favor ou contra a liberação das pesquisas com células-tronco embrionárias: sou contra, SEM AMBIGÜIDADES. Apenas tomo o cuidado para não jogar fora a água suja junto com a criancinha — no contexto, a metáfora não ficou de muito bom gosto.

Sou contra porque acho que os cientistas têm a ambição de que a ciência seja também uma ética, o que é uma grossa bobagem. Não é. Com o conhecimento científico dado num determinado período, já se cometeram verdadeiras barbaridades. Aliás, a própria Lei de Biossegurança reconhece esse risco, já que faz várias restrições para liberar a pesquisa. Uma questão relevante: quem vai avaliar se as exigências estão ou não estão sendo cumpridas.

No dia 1º de março deste ano, escrevi um longo texto a respeito, que segue abaixo. Recomendo que aqueles que são contra as pesquisas, como sou, tenham, no entanto, um pouco mais de clareza política. Considero uma bobagem contraproducente afirmar que a liberação implica também a admissão do aborto. Como acho que a chance de aprovação é grande, parece-me tolo admitir duas derrotas em uma. As circunstâncias do aborto são absolutamente distintas.

Bem, segue o texto de 1º de março, com os devidos detalhes e ressalvas.*Os embriões, os cientistas de verdade e os charlatões ideológicosNa quarta-feira, o STF começará a julgar uma ação direta de inconstitucionalidade contra o artigo da Lei de Biossegurança que autorizou a realização de pesquisas com células-tronco de embriões. Vocês querem uma opinião inteligente, fundamentada — não coisa de chicaneiro que não perde uma chance de atacar a Igreja Católica? Leiam a entrevista que a bióloga Mayana Zatz concede às Páginas Amarelas da VEJA que está chegando aos leitores (aqui para assinantes). Com 300 trabalhos científicos publicados na área, é uma das maiores especialistas em células-tronco do país e favorável à liberação de pesquisas com embriões. Sim, na coluna à esquerda deste blog, há um link para a sua página da VEJA.com. Ela é minha colega na versão on line da revista.

Mas vocês querem uma opinião que só serve ao confronto estéril e à desinformação? Vejam o que disse ontem o ministro da Saúde, José Gomes Temporão. Segundo o homem, que não pode ver o equívoco passar com seus vistosos arreios, que ele logo cavalga, “podemos entrar em uma época de obscurantismo e atraso ou seguir o caminho da ciência e nos capacitar a enfrentar doenças”. Sempre que um amante da humanidade fala, eu me protejo de sua fúria. Eu tenho especial aversão aos amantes da humanidade.

Lembro outra vez as observações de Edmund Wilson sobre a freqüência com que Karl Marx, o capetão, gostava de falar que trabalhava para o bem do homem… Deu no que deu. Qual é o problema dos “defensores do çerumano”? Ele estão convictos de que aqueles que se opõem a seu ponto de vista são… inimigos da humanidade. Não é fantástico? Se você escreve que os debates sobre o aquecimento global têm um tanto de histeria, então é porque você quer transformar o planeta numa frigideira — eles não; ah, eles querem nos salvar. Se você opõe a questão ética, pertinente, sim, à manipulação de embriões, então é porque você é favorável, sei lá eu, à esclerose múltipla.

Temporão é contra o obscurantismo? Temporão é um iluminista? Quando o vir, devo pensar em Voltaire? Em John Locke talvez? É aquele ministro que queria o plebiscito sobre o aborto e cujo ministério libera pílulas do dia seguinte, sem que os pais saibam, a crianças de 11 anos? É aquele que não consegue vencer um mosquito vagabundo, embora queira arrostar com as fronteiras do desconhecido? Temporão segue célere em seu alazão de bobagens. (leia abaixo notícia sobre manipulação do número de mortos da dengue).

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Ponderada, Mayana não faz esse jogo estúpido, pueril, coisa de militantes imbecis contra a Igreja Católica (e qualquer forma de religião), entre iluministas e obscurantistas. Ao contrário até: ela se ocupa de estabelecer matizes. Sua argumentação de que o uso do embrião nada tem a ver com o aborto é sólida. Ainda não estou com ela; ainda sou contrário a esse tipo de pesquisa — “se eu fosse outro, fazia-lhes a todos a vontade; assim como sou, tenham paciência” —, mas gosto de aprender com quem pensa de modo diferente.

Leiam o que ela diz: “(…) é preciso que se entenda a diferença entre aborto e pesquisa com células-tronco embrionárias. No aborto, há uma vida dentro do útero de uma mulher. Se não houver intervenção humana, essa vida continuará. Já na reprodução assistida, é exatamente o contrário: não houve fertilização natural. Quem procura as clínicas de fertilização são os casais que não conseguem procriar pelo método convencional. Só há junção do espermatozóide com o óvulo por intervenção humana. E, novamente, não haverá vida se não houver uma intervenção humana para colocar o embrião no útero.” O trecho que assinalei em vermelho, queira Mayana ou não, é um argumento absolutamente consistente contra o aborto. E a honestidade intelectual me obriga a considerar que ela demonstra, sim, que se trata de coisas diferentes.

Portanto, nada de pôr a bióloga no mesmo saco de gatos pardos do anticristianismo — ou, mais especificamente, anticatolicismo — militante, que quer meter goela abaixo da sociedade um pacote, de que a liberação do aborto e a pesquisa com células embrionárias seriam pautas gêmeas. Mayana demonstra que não são. Ela fala como um cientista, interessada nos relevos da diferença, não como um ideólogo, geralmente ocupado em descaracterizar as particularidades para nos impor uma pauta que é política.

Mayana me ajuda a pensar, como no exemplo acima, contra a minha própria convicção, mas também me ajuda a pensar a favor. Afirma ela na entrevista: “Acho um absurdo manipular um embrião para que a criança nasça com olhos azuis, por exemplo. Sou totalmente contra. (…) As células-tronco servem para curar e salvar, não para fazer experiências exóticas.” A questão, então, é saber quais são os limites, quem se encarrega de vigiar a sua aplicação e como é que se evitam as transgressões “exóticas”.

Qual é o código ou o conhecimento que protege no princípio, não apenas na circunstância, a dignidade humana? As noções sobre ciência e o que é ou não aceitável, segundo códigos de ética que se vão criando, são variáveis no tempo. Para certos comportamentos anti-sociais, por exemplo, já se recomendaram choque elétrico e lobotomia. Modelos totalitários, notadamente o nazismo, ambicionaram ter seu lado científico.

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Afirmar que a Igreja Católica exerce um papel obscurantista nesse debate é fazer proselitismo ideológico vagabundo, negando, inclusive, a história. Ao contrário: ela tem contribuído para disciplinar a, vá lá, sanha investigativa dos cientistas. Ademais, pergunto: deve-se pôr uma mordaça nos católicos? Estabelecer, como querem alguns, terrenos distintos e inconciliáveis entre a ciência e a fé faz supor, o que é falso, que todo cientista é, quando menos, agnóstico. Então não os há também contrários à pesquisa com embriões? Há, sim. Aos montes. Mas reitero: Mayana está longe de simplificações estúpidas.

Dou graças a Deus pela existência de uma Igreja que fala em nome de um princípio e que, ao fazê-lo, estabelece um debate na sociedade e contribui para disciplinar os cientistas, forçando-os a explicitar seus critérios e a ser rigorosa no aprimoramento de um código de ética. Se a opinião da Igreja não servisse para mais nada, essa já seria uma grande contribuição.

Se eu votasse num colegiado que definisse essa questão em escala mundial, mesmo diante de exposições sólidas e ponderadas como as de Mayana, diria “não”. Tenho a impressão de que, no que concerne ao respeito à inviolabilidade da vida e à dignidade do homem, uma espera de alguns anos, apostando-se no avanço das pesquisas com células-tronco adultas, poderia nos ser, como espécie, mais benéfica. A manipulação de embriões, estou certo, traz um risco maior do que o perigo de não manipulá-los.

Mas é preciso olhar o que acontece à volta. O mundo já se dedica a essa pesquisa, e o Brasil não será uma ilha protegida de suas conquistas e de seus eventuais desatinos. Creio mesmo que a decisão do STF será pela liberação. E, dadas as circunstâncias, talvez seja mesmo o melhor. Mas que se noite: ganhou-se muito nessa trajetória; o debate ético impôs restrições importantes. E, à diferença do que disse dom Dimas Lara Barbosa, secretário-geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), não creio que a decisão possa ser um ensaio para o aborto. Bem pensado, pode é ser o contrário. E Mayana nos fornece um argumento e tanto.

PS: Alguns ateus militantes dão como certo que o mundo sem religião nos levaria a uma espécie de nirvana da razão. O mundo conheceu, ou conhece, sociedades em que as religiões foram oficialmente banidas. A China de Mao é um bom exemplo: 70 milhões de mortos. A URSS de Stálin é outro: 30 milhões. “Ah, não foi o ateísmo que matou, mas a ditadura”. E fato. Mas, por alguma razão, aqueles “iluministas” decidiram que, para fazer a sua obra, era preciso antes decretar a extinção de Deus.

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