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Camus e um texto sobre liberdade de imprensa, escrito há 73 anos! Ele sentia o fedor que emanava do JEG!

Queridos, demorei um pouco para voltar, mas é por uma boa causa, como vocês verão. Abaixo, trato de um texto sobre jornalismo, escrito por Albert Camus há 73 anos. Vejam como ele já sentia, naqueles dias, o fedor que emanava do JEG! * Albert Camus (1913-1960), filósofo e escritor francês nascido na Argélia, escreveu em […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 09h17 - Publicado em 19 mar 2012, 21h13

Queridos, demorei um pouco para voltar, mas é por uma boa causa, como vocês verão. Abaixo, trato de um texto sobre jornalismo, escrito por Albert Camus há 73 anos. Vejam como ele já sentia, naqueles dias, o fedor que emanava do JEG!

*
Albert Camus (1913-1960), filósofo e escritor francês nascido na Argélia, escreveu em 1939 um manifesto em favor da liberdade de imprensa mesmo em tempos de guerra. A França vivia o temor da invasão nazista, e não eram poucos os jornalistas, intelectuais e políticos que já se dispunham a colaborar. O artigo foi escrito para a edição do dia 27 de novembro do Le Soir républicain, jornal diário de uma única página que circulava só na Argélia, mas foi censurado. Camus tinha, então, 26 anos e já havia sido militante do Partido Comunista, de onde tinha sido expulso três anos antes. Desde 27 de agosto, a imprensa francesa estava sob censura. Le Soir républicain, diga-se, deixou de circular por ordem do governador da Argélia em 10 de janeiro de 1940, depois de 117 números.

Deve-se a Macha Séry, colaboradora do Le Monde, o resgate do texto, escondido nos escombros do tempo. A íntegra do manifesto, em francês, está aqui. E já começa com uma ironia e tanto:
“É difícil hoje em dia defender a liberdade de imprensa sem ser tachado de extravagante acusado de ser uma Mata-Hari ou de se comportar como um sobrinho de Stálin”.

Para Camus, a liberdade de imprensa é a expressão da própria liberdade. Sem ela, diz, não há como ganhar a guerra. Um trecho demonstra com clareza seu repúdio à censura:
“Le fait qu’à cet égard un journal dépend de l’humeur ou de la compétence d’un homme démontre mieux qu’autre chose le degré d’inconscience où nous sommes parvenus.”
“O fato de um jornal depender do humor ou da competência de um homem demonstra mais do que qualqueer outra coisa o grau de loucura a que chegamos”

“Mesmo em tempos de guerra”, ele diz, são quatro os deveres do jornalista, por meio dos quais a liberdade será não apenas conservada, mas também manifestada: “la lucidité, le refus, l’ironie et l’obstination” — ou: a lucidez, a recusa (rebeldia), a ironia e a obstinação.

A lucidez
A lucidez supõe “a resistência aos mecanismos do ódio e ao culto da fatalidade”. Basta conhecer, afirma, a história europeia dos últimos anos para saber que a guerra tem causas óbvias. E é peremptório: “UM JORNALISTA, EM 1939, NÃO SE DESESPERA E LUTA POR AQUILO QUE ELE CRÊ VERDADEIRO COMO SE SUA AÇÃO PUDESSE INFLUIR NO CURSO DOS ACONTECIMENTOS”. Há um momento magistral no texto, em que trata do conceito de liberdade negativa.

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A recusa
Segundo Camus, é fácil comprovar a autenticidade de uma notícia, e um jornalista livre deve pôr nisso toda a sua atenção porque, “SE NÃO PODE DIZER TUDO O QUE PENSA, PODE DEIXAR DE DIZER O QUE NÃO PENSA E AQUILO QUE ACREDITA FALSO”. E afirma: “Cette liberté toute négative est, de loin, la plus importante de toutes, si l’on sait la maintenir” – ou: “Essa liberdade negativa é, de longe, o mais importante de tudo se soubermos mantê-la”.

Vejam vocês… Em 1939, Camus já dava “un coup de pied aux fesses” de vigaristas que dizem fazer isso ou aquilo porque obrigados. Vale para o Brasil: vagabundos que estão por aí hoje posando de “progressistas” e que foram apologistas da ditadura no passado, que fique claro, o foram porque quiseram. VAMOS COMBINAR QUE ERA PROIBIDO FALAR MAL DO REGIME, MAS NÃO ERA PROIBIDO NÃO ELOGIAR O REGIME, ENTENDERAM?

A Ironia
Camus afirma que os autoritários não têm o gosto pela ironia. E cita o caso de Hitler, que não recorre à “ironia socrática”. E ela passa a ser uma arma sem precedentes contra os poderosos porque permite “não apenas recusar o que é falso, mas dizer o que é verdadeiro”. Há um trecho interessante no manifesto porque junta bom humor, pessimismo e certo pragmatismo. Em defesa da ironia, escreve:
“Um jornalista livre, em 1939, não aposta muito na inteligência daqueles que o oprimem. É pessimista no que se refere ao homem. Uma verdade anunciada num tom dogmático é censurada 9 entre 10 vezes; a mesma verdade, se dita em tom jocoso, não mais do que cinco entre dez… Essas são as possibilidades da Inteligência humana…”

A obstinação
Por fim, Camus sustenta que é preciso ter obstinação para enfrentar “a constância da estupidez, a covardia organizada e a ignorância agressiva”. Uau! Estava antevendo os petralhas no Brasil e “Los K” na Argentina na Internet…

Camus emenda:
“Aqui está um conjunto de regras para manter a liberdade mesmo dentro da servidão. “‘E depois?’, indagará alguém. Depois? Não sejamos tão apressados. Se cada francês, em seu próprio mundinho, quiser conservar o que considera verdadeiro e justo; se quiser dar a sua pequena contribuição à manutenção da liberdade, resistir à desolação e expressar a sua vontade, então, e só então, essa guerra será vencida no sentido mais profundo do termo”.

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Depois da guerra, ele escreve, será preciso testar um método novo, baseado na “generosidade e na justiça”. Mas esses elementos só se exprimirão nos “corações já livres” e nos “espíritos clarividentes”. “Formar esses corações e esses espíritos — ou melhor: revelá-los — é a tarefa a um só tempo modesta e ambiciosa que cabe ao homem independente. Devemos nos entregar a ela sem olhar muito adiante”.

Se Camus não tivesse sido quem foi, não tivesse exercitado o pessimismo prudente, encerraria seu texto afirmando que esse é o caminho que fatalmente libertaria o homem e mudaria a história. Mas era quem era. E mandou ver:
“L’histoire tiendra ou ne tiendra pas compte de ces efforts. Mais ils auront été faits.”
“A história levará ou não levará em conta esses esforços. Mas [ao menos] eles terão sido feitos”.

Encerro
Acrescentei um “ao menos” nas palavras finais do texto em português para aproximá-lo do sentido original. Camus não atribui à liberdade de imprensa — e à liberdade ela-mesma — um sentido instrumental, um meio para se atingir um determinado fim, já estabelecido. Nossa tarefa, nesse particular, não é lutar na certeza de que a história reconhecerá os nossos esforços — isso não é fatal; é falso que os bons sempre vencem. Temos é de ter a certeza, na reta final de nossa própria jornada, de que os esforços terão, ao menos, sido feitos. Porque a liberdade é um bem em si.

Observem que ele escreve um texto em tempos de guerra. E trata de um valor caro aos existencialistas — não confundi-los com o Sartre que aderiu depois ao comunismo, do qual Camus havia se desligado aos 23 anos — que é o exercício da liberdade individual mesmo nas piores condições. Ou por outra: deve-se exercitar a liberdade até o limite em que ela pode ser exercitada.

Há 73 anos, Camus escrevia um texto que dá conta, ainda uma vez, da indigência intelectual, moral e existencial disso que chamo JEG (Jornalismo da Esgotosfera Governista), que exerce seu trabalho de joelhos para o poder — e olhem que vivemos tempos de paz. Boa parte de seus porta-vozes fez genuflexão também para a ditadura. Poderiam dizer: “Fomos obrigados!” Não foram, não! Era uma vocação!

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Reitero: criticar o regime nos piores tempos da ditadura, com efeito, não era permitido. MAS ELOGIAR NÃO ERA UMA OBRIGAÇÃO. E a canalha agora “progressista” elogiou! Em tempos de guerra ou de paz, só sabem fazer seu trabalho de joelhos. E uns dois ou três nem precisam se ajoelhar, é bom que se diga.

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