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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Blog bate recorde de visitas e recebe elogios e insultos às pencas. Por quê? Porque não reconheço o caráter democrático ou liberalizante de boa parte dos protestos. Ou: De volta ao petismo primitivo

Este blog bateu ontem o recorde de visitas num único dia: 267.439. Obrigado aos que amam e aos que odeiam. Aos mansos de espírito e até aos furiosos, que contribuem para que me mantenha no que acredito ser o caminho reto. Escrevi e li muita coisa nesta segunda. Elogios, sim, aos montes. Insultos também, às […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 05h59 - Publicado em 18 jun 2013, 09h29

Este blog bateu ontem o recorde de visitas num único dia: 267.439. Obrigado aos que amam e aos que odeiam. Aos mansos de espírito e até aos furiosos, que contribuem para que me mantenha no que acredito ser o caminho reto. Escrevi e li muita coisa nesta segunda. Elogios, sim, aos montes. Insultos também, às pencas. Procurei um bom lead para começar este post, algo que fosse, a um só tempo, uma síntese intelectual deste dia, mas também afetiva — já que, notei pela cobertura das TVs, a onda agora é ser emocional, confessional, lançar sensações no ar, ainda que desconectadas de um pensamento — e tive de apelar a quem fez uma síntese com a qual eu não poderia competir. Como não vejo salvação fora da razão (esse cara — católico! — sou eu) e repudio a ditadura das sensações, esse texto tem só um lead possível:

Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;
(…)
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
(…)
tu serás um homem, ó meu filho!

Voltei
É trecho do poema “Se” (If), do poeta britânico Rudyard Kipling (1865-1936), na tradução de Guilherme de Almeida. O bom poeta e tradutor José Paulo Paes (1926-1998) fez uma paródia injusta, mas inteligente e engraçada, do texto, em “Kipling revisitado”:

Se etc
Se etc
Se etc
Se etc
Se etc
Se etc
Se etc
Serás um teorema,
meu filho!

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Não pretendo ser um teorema ou transformar em teoremas a realidade política e social, especialmente porque o presente tem sempre variáveis que desconhecemos, mas é preciso que a gente consiga distinguir o inédito do novo — ou, como se diz muito hoje em dia, do “histórico”. Recebi, sim, com tal volume de leitores, muitos elogios, mas também não faltaram os insultos os mais pesados. E vinham de todos os lados: dos petistas porque evidenciei aqui que tentavam transformar um protesto que os tinha também como alvos em uma manifestação contra Geraldo Alckmin — como se não houvesse pessoas nas ruas em 11 outros estados. A grande manifestação, diga-se, aconteceu mesmo no Rio. Levei pauladas dos que estão à esquerda do PT porque apontei a reivindicação doidivanas, irresponsável, da “tarifa livre”. E tomei pancada de antipetistas porque eu não estaria percebendo que o que vai nas ruas é, afinal, uma manifestação de cidadania, que contesta o petismo, o governo Dilma, sei lá o quê. Não contava, obviamente, com o endosso de petistas e forças que estão à sua esquerda. E, como deixei claro aqui nesta segunda e nos dias anteriores, não acho que as manifestações afrontem a metafísica petista-esquerdista. Ao contrário até: eu as considero, em muitos aspectos, derivações teratológicas desse mesmo espírito. AINDA QUE SE DEVA FRISAR QUE HÁ NAS RUAS PROTESTOS DISTINTOS, QUE SE COMBINARAM.

Uma contradita que não se resume à violência
A minha contradita em relação ao que está em curso, especialmente em São Paulo e Rio, não se resume à violência — embora ela seja grave, sim, e exija uma resposta do estado democrático e de direito. Lamento! Ainda que os 65 mil de São Paulo e os 100 mil do Rio estivessem se manifestando contra Dilma Rousseff — que faz um governo que considero sofrível; ainda que milhares de pessoas Brasil afora estivessem se manifestando contra o PT, cujas escolhas políticas, em regra, abomino; ainda que os protestos nas 12 capitais estivessem a pedir cadeia para os mensaleiros e estivesse a esconjurar a corrupção generalizada; ainda que os manifestantes estivessem justamente indignados com os gastos públicos — e muito pouco transparentes — da Copa do Mundo, eu me obrigaria a vir a público para declarar: EU NÃO RECONHEÇO A NINGUÉM, MENOS AINDA ÀQUELES QUE SERIAM, ENTÃO, MEUS ALIADOS, O DIREITO DE PARALISAR AS CIDADES, VIOLAR A CONSTITUIÇÃO E CERCEAR O DIREITO DE IR E VIR DE MILHÕES DE PESSOAS. A minha esperança não me permite violar a minha consciência; os meus anseios não convivem com a agressão ao estado democrático e de direito; as minhas utopias não combinam com a imposição e com o desrespeito a leis democraticamente estabelecidas. E não! Não vou arredar pé desse ponto.

Então é bom e útil que fique muito claro: eu não tenho severas e graves restrições ao que está em curso apenas porque deploro os atos de selvageria que vi no Rio, em Brasília ou em São Paulo. Falarei um pouco a respeito. A minha restrição é anterior. Já escrevi e reitero: eu não apoio ações ou movimentos que tornam o mundo menos livre do que é, menos democrático do que é, menos pluralista do que é. E gente que ousa acreditar que pode impor a sua vontade à força porque tem a ambição de que o seu anseio traduza a vontade coletiva não é nem jamais será da minha turma, ainda que, episódica ou esporadicamente, goste ou desgoste das mesmas coisas que me agradem ou me desagradem. Não posso e não vou chamar a imposição de exercício da cidadania.

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Pautas distintas
Em São Paulo e no Rio, o mote principal da manifestação foi a redução das passagens de ônibus. Em Belo Horizonte e em Brasília, falou-se mais dos gastos oficiais com a Copa do Mundo, a despeito das precariedades existentes na saúde e na educação. São pautas distintas, que acabaram se combinando no que seria um movimento nacional. Assim, uma das tarefas postas ao jornalismo é saber, com precisão, para além das perorações encantadas e encantatórias, quem quer o quê e mobiliza quem. Isso ainda não está claro.

Noto que há um esforço para tentar adivinhar as raízes do que seria uma súbita explosão de consciência. Descontentamentos há tempos represados, insatisfações há muito mitigadas teriam vindo à flor da pele, e estaríamos vivendo os nossos dias de Egito ou Turquia. Para tanto, convenham, seria necessário que se caracterizasse, então, ou a ditadura (que nos aproximaria do povo egípcio) ou o regime autoritário à moda turca, que censura a imprensa, impõe a linha justa religiosa, submete a sociedade, paulatinamente, a uma disciplina teocrática. Mas onde estão esses fatores? Na ausência deles, interroga-se se a inflação renitente, o crescimento medíocre, um Congresso que se orienta pelo troca-troca não foram abrindo rachaduras na muralha petista. O protesto contra a passagem de ônibus teria sido, então, a gota d’água que fez romper o dique.

Como já escrevi aqui, peço desculpas, então, pelo meu pessimismo, pela minha desesperança. Em São Paulo, por exemplo, o protesto é mesmo contra a elevação da passagem de ônibus de R$ 3 para R$ 3,20. Um movimento que atuava em parceria com o petismo, o Passe Livre, que tem como pauta principal a aloprada defesa da “tarifa zero”, uniu-se a militantes de extrema esquerda, e os dois grupos organizaram uma série de protestos violentos, que demandaram a, atenção!, justa e correta intervenção da Polícia Militar. Se houve excessos na quinta-feira — e bala de borracha em jornalista não é necessariamente prova disso; é preciso apurar —, que sejam punidos! Mas o fato é que a PM, em regra, combateu baderneiros, incendiários, depredadores. Se eles não representavam o movimento, que este viesse a público para repudiar o vandalismo. Não só não fizeram isso como tiveram o topete de mentir, sustentando que os arruaceiros apenas respondiam à violência policial.

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Dissequei ontem aqui o, por assim dizer, pensamento de uma das líderes do Passe Livre. Ela acredita firmemente que seu movimento pode impor ao prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e ao governador do estado, Geraldo Alckmin, a sua vontade. Eles só serão considerados democratas se concordarem com a turma, hipótese em que os paulistanos terão a cidade de volta. Caso contrário, diz ela, “a gente vai continuar colocando as nossas forças nas ruas, ocupando ruas importantes e parando a cidade”. E ponto! Na entrevista coletiva — imaginem vocês!!! — concedida pelo grupo nesta segunda, Érica de Oliveira parecia até um pouco irritada com a tentativa da imprensa de, benignamente, em favor dos valentes, tentar ampliar a pauta. Ela deixou claro: eles querem a redução da tarifa. Sem isso, não há conversa. Em algumas capitais, essa também é uma questão de honra. Em outras, o alvo principal é a Copa do Mundo. Em Brasília, promotores conseguiram meter até a PEC 37 no cardápio.

Ainda que, no resto do Brasil, fosse verdadeira a existência de uma pauta mais, como direi? liberal-democrática, em São Paulo, ela é falsa como uma nota de R$ 3 — ou de R$ 3,20. Por aqui, a agenda inegociável é a redução da tarifa. Ou é isso ou é isso, dizem os representantes do Passe Livre, que hoje se encontram com Haddad. Ou é isso, ou eles continuarão, como dizem, a parar a cidade. Afinal, como nos explicou Mayara Vivian, outra pensadora do Passe Livre, eles acham que as empresas privadas de transporte só estão mesmo interessadas no lucro.

Outra abordagem
A minha abordagem é outra, e, à diferença de Arnaldo Jabor, que fez um mea-culpa no Jornal da Globo, não mudei de ideia. Ao contrário! Estou ainda mais convicto. Casaram-se três pragas da contemporaneidade, que resultaram nos conflitos que estamos vendo: uma é de alcance quase universal nas democracias; as outras têm uma marca muito nossa, muito própria de Banânia.

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Uma das doenças das democracias é a emergência de minorais radicalizadas ou de grupos sectários que reivindicam o direito de impor à coletividade as suas vontades. Confundem a tolerância que devem ter os regimes democráticos com uma ditadura de minorias. Assim, para esses grupos, nada mais natural do que tomar de assalto as ruas ou as instituições e impor uma decisão na base do berro — e, se necessário, da violência. Desculpem-me! Eu não posso esquecer que, há coisa de dois meses, grupinhos de 20 ou 30 pessoas simplesmente impediam o funcionamento da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, com amplo apoio da imprensa — o mesmo com que contou o Movimento Passe Livre. Isso que chamo “fascismo de minoria” é chamado por aí, com impressionante desassombro, de “direito” e “liberdade de expressão”. Não é um mal exclusivo do Brasil.

Já a impunidade tem a nossa cara. Está se tornando corriqueira no país a noção de que desrespeitar a lei para fazer justiça social é mais do que um direito; seria mesmo um dever. Assim, o Movimento Passe Livre e seus companheiros de extrema esquerda só estariam querendo o bem dos paulistanos e dos brasileiros. E por que não poderiam, então, parar a cidade? Afinal, não é isso o que faz, dia sim, dia também, o MST, sem que se lhe advenha qualquer consequência? Não estão aí os índios, com o amparo de Gilberto Carvalho, a invadir terras, a incendiar propriedades, a expulsar proprietários? Outro traço que vai nos definindo como país é a noção de que o estado é o grande provedor de tudo. Logo, perguntam, por que o transporte não pode ser gratuito?

Infelizmente, não vejo em nada disso uma abordagem de resistência, que pudesse ser, de algum modo, útil à democracia, ao estado de direito e mesmo à alternância de poder. Ao contrário: vejo reproduzida em alguns desses episódios a pior mística dos primeiros tempos do petismo, e não é por acaso que a imprensa se tomou de encantos pelo Passe Livre. Eu diria até, atenção para isto!, que também os traços de classe social se repetem. A exemplo dos primeiros petistas, lá do começo dos anos 1980, também o Passe Livre tem a cara, o jeito e o pensamento da elite radicalizada, que se considera dotada de uma consciência superior, com a qual vai civilizar e libertar os oprimidos. É próprio desse estrato social, faça ou não política, tenha ou não “consciência”, achar que a lei existe apenas para os outros.

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Volto a Kipling
Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;
(…)

Vou manter a minha calma também desta vez. Poucos de vocês imaginam como torço para estar errado — como torcia no caso da dita “Primavera Árabe” ou no do caráter autoritário do obamismo. Desta vez, gostaria imensamente de estar errado. O diabo é que acho que não estou. Vamos ver como as coisas se comportam. Se é verdade que esse é mesmo um movimento mudancista, então o Brasil caminha para uma virada importante, e Dilma poderia ir começando a fazer as malas.

Mas acho que as coisas não são bem assim. Temo que possamos estar diante de um petismo meio degenerado, que pode alimentar correntes políticas que estão à esquerda do partido. Vejo, sim, a esperança de muitos. Eles se manifestam nos comentários, convidando-me a seguir o caminho de Jabor. Não vou, não! Até ônibus foram sequestrados (ver post) nas imediações do Palácio dos Bandeirantes para que alguns manifestantes pudessem deixar claro o que pensam. Não contem comigo! Gente que derruba grades de palácio de governo num regime democrático tem é vontade de nos impor a sua ditadura. Não são e jamais serão meus aliados.

Texto publicado originalmente às 6h11
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