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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Agência do governo não quer a cura da doença, mas o triunfo de um valor moral. Ou: Os gordos que comam alface!

Volto, porque ainda não me conformei, à decisão da Anvisa, que decidiu pôr na ilegalidade drogas que auxiliam milhões de pessoas a emagrecer, muitas delas padecendo de obesidade mórbida, que agora ficam sem alternativa — a não ser a ilegalidade. O mais espantoso é que a decisão é tomada contra a opinião de respeitados especialistas […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 10h33 - Publicado em 6 out 2011, 06h59

Volto, porque ainda não me conformei, à decisão da Anvisa, que decidiu pôr na ilegalidade drogas que auxiliam milhões de pessoas a emagrecer, muitas delas padecendo de obesidade mórbida, que agora ficam sem alternativa — a não ser a ilegalidade. O mais espantoso é que a decisão é tomada contra a opinião de respeitados especialistas e da própria Associação Médica Brasileira (AMB). É claro que os remédios têm efeitos colaterais e comportam riscos — como, aliás, uma simples dose de dipirona. Que se aprimorassem os mecanismos de controle de venda dessas substâncias! Mas proibir?

Há várias questões envolvidas aí que ainda não foram adequadamente tratadas. Em primeiro lugar, há, aqui e mundo afora, uma “cultura anti-remédio”, que guarda mais relação com convicções filosóficas, até ideológicas, do que propriamente científicas. Os antidepressivos, por exemplo, ficaram na mira dessa turma por um bom tempo. A Internet está aí. Há milhares de sites contra o Prozac, por exemplo, que foi tido, de modo estúpido, como a “pílula da felicidade”. Até parece que isso existe… A depressão é uma doença terrível. Ela impede a pessoa de fazer um julgamento minimamente objetivo do mundo e, antes de tudo, de si mesma. Os estudos de maior credibilidade a respeito apontam para um desequilíbrio neuronial. A alma, em grande medida, meus queridos, é QUÍMICA!

Tive síndrome do pânico durante uns bons anos. O tratamento comprovadamente eficaz se dá com antidepressivos — no meu caso, foi o Tofranil que amansou o monstro. É claro que as pessoas podem fazer terapia, psicanálise, o que for. Se cair em mãos competentes, mal não há fazer. Mas é a química que consegue bloquear os ataques — e fim de papo! Quem já enfrentou esse horror sabe bem o que é. O doente é surpreendido quando está mais relaxado. Eu detesto aviões. Eu gosto mesmo é de ficar com os pés no chão. Não! O avião não é especialmente ruim para os pacientes de pânico, até porque há os que não têm medo. Não se deve confundir a doença com fobias.

Acho que já me livrei. Quando ainda me considerava um paciente de pânico, achava engraçadas certas perguntas: “Mas o que aconteceu? Teve algum trauma?” Não, Diabos! Também havia os que me aconselhavam: “É que você é muito tenso, muito severo consigo mesmo e com os outros, muito briguento, muito…” Eu entendia! A culpa era minha, obviamente! Eu era culpado por ser surpreendido por um tsnunami neuronial assistindo a um filme ou escrevendo um texto! Do nada, o coração dispara, chega a 180 por minuto, o peito dói, os braços formigam, o mundo à volta parece se descolar… Tudo culpa minha! Se eu fosse mais bonzinho…

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Lia alguns artigos contra antidepressivos — daquela turma que acha que tudo se cura com terapia comportamental — e, mentalmente, dava um soco no nariz do autor. Alguns diziam que essa era uma doença do mundo moderno… Entendi! Talvez eu devesse sair por aí carregando bandeira contra o mundo moderno… Hoje em dia, talvez devesse entrar no PSOL…

Os gordos que se danem!
Não duvidem! Essa visão de mundo está na origem dessa decisão contra as drogas para emagrecimento. Doentes crônicos, de males considerados “sérios”, têm de tomar remédios que, muitas vezes, provocam efeitos colaterais terríveis. Mas não serão proibidos por isso. No fundo, a Anvisa toma essa decisão porque acha que o obeso é o culpado pelo seu mal. Há um detestável fundo de natureza moral na decisão, como havia na pressão contra os antidepressivos. Lembro de uma autora que sustentava, a tarada, que eles eram usados por pessoas que se negavam a aprender com o sofrimento; que, no mundo moderno, ninguém mais queria lidar com as perdas; que, nestes nossos pervertidos tempos, todos só querem saber do prazer… É uma gente horrorosa! São os estetas do sofrimento… ALHEIO!

A Anvisa está querendo deixar sem alternativa milhões de… doentes sob o pretexto de protegê-los. A obesidade é hoje uma das principais causas de morte no mundo em razão dos malefícios que provoca, a começar do diabetes, que desorganiza o sistema metabólico, imunológico, circulatório, tudo… Assim como havia aqueles que achavam que eu tinha pânico por causa do meu temperamento, a Anvisa considera que os gordos são gordos porque são um pouco sem-vergonhas… Que comam alface! Não engordarão.

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Gente autoritária
A Anvisa, sob o comando dos companheiros, já expôs antes seu viés autoritário. No dia 30 de julho de 2008, escrevi na VEJA um artigo criticando a agência. Vejam por quê (reproduzo trechos):
“A Anvisa, órgão subordinado ao Ministério da Saúde, agora quer limitar ao período das 21 às 6 horas a propaganda de alimentos considerados pouco saudáveis, “com taxas elevadas de açúcar, gorduras trans e saturada e sódio”, e de “bebidas com baixo teor nutricional” (refrigerantes, refrescos, chás). Mesmo no horário permitido, a propaganda não poderia conter personagens infantis nem desenhos. Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação (Abia), isso representaria um corte de 40% na publicidade do setor, estimada em 2 bilhões de reais em 2005.
(…)
Imagine você, leitor, que aquele biscoito recheado – em São Paulo, a gente chama de “bolacha” -, que sempre nos leva a dúvidas existenciais profundas (“Como as duas de uma vez? Separo para comer primeiro o recheio? Como o recheio junto com um dos lados?”), seria elevado à categoria de um perigoso veneno para as nossas crianças. Temporão quer protegê-las desse perigoso elemento patogênico. Mesmo no horário permitido, a propaganda teria de ser uma coisa séria, de bom gosto. Sem apelo infantil. O Ministério da Saúde, quando faz propaganda de camisinha, sempre recorre a situações que simulam sexo irresponsável. Mas não quer saber de desenho animado em propaganda de guaraná. A criatividade dos publicitários, coitados, teria de se voltar para comida de cachorro. Imagine o seu filho, ensandecido, querendo comer a sua porção diária de Frolic, estimulado pela imaginação perversa de desalmados diretores de criação.

A proposta não resiste a trinta segundos de lógica. É evidente que biscoito não faz mal. Em quantidades moderadas, não havendo incompatibilidade do organismo com os ingredientes, faz bem. Se o moleque ou a menina comerem um pacote por dia, tenderão a engordar. Deve haver um limite saudável até para o consumo de chuchu. Carro também mata – acidentes de automóvel são uma das principais causas de morte no Brasil. A culpa, quase sempre, é da imprudência do motorista ou das péssimas condições das estradas. É preciso usar/consumir adequadamente a mercadoria.
(…)

Voltei
Como se vê, a Anvisa quer proteger a saúde dos gordos tirando-lhes as alternativas de que dispõem para emagrecer. Qualquer endrocrinologista sabe que os riscos da obesidade costumam ser muito superiores aos das drogas de emagrecimento. É uma entidade, nota-se, que também gosta de cuidar das criancinhas e que prega o consumo saudável e responsável… Já que os pais são uns idiotas, incapazes de fazer escolhas, então ela escolhe por eles. É o estado-patrão. Observem que o que vai acima, mais uma vez, é uma prescrição de fundo moral. Mais um pouco, alguém concluirá que é o capitalismo que faz engordar… De certo modo, é mesmo! Não há gordos na Coréia do Norte — na cúpula do Partido Comunista, talvez. A fome não deixa.

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O conjunto da obra evidencia que a Anvisa pretende ser mais uma agência de moral e civismo — segundo aquilo que eles lá entendem por isso — do que propriamente de vigilância sanitária. Em vez de estar preocupada com a cura das doenças, está empenhada em espalhar o seu padrão moral! É uma violência e uma ingerência insuportável no direito de escolha dos cidadãos. Justiça neles!!!

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