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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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A publicidade para crianças, a resolução do Conar e o autoritarismo fofo de Eugênio Bucci, o doce pensador da Irmandade Petista

Então vamos, conforme o prometido, ao texto que Eugênio Bucci, o petista de bom coração e dono de um pensamento que as minhas filhas definiriam como “fofo”. A expressão vem sempre na forma exclamativa, carregada de ironia. Um “Que fofo!” tem sentido em aberto, sempre definido pelo contexto, mas nunca em sinal de aprovação. Pode […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h54 - Publicado em 7 fev 2013, 20h52

Então vamos, conforme o prometido, ao texto que Eugênio Bucci, o petista de bom coração e dono de um pensamento que as minhas filhas definiriam como “fofo”. A expressão vem sempre na forma exclamativa, carregada de ironia. Um “Que fofo!” tem sentido em aberto, sempre definido pelo contexto, mas nunca em sinal de aprovação. Pode significar: “Que bobagem!”. Ou ainda: “Que coisa mais trapaceira!” — na hipótese de o receptor identificar a intenção secreta do emissor, contrária à pretensão declarada ou em contraste com a sua história. Vamos, então, ao texto fofo de Bucci.

No Estadão de hoje, ele escreve um artigo intitulado “A publicidade afasta-se das crianças. Que ótimo”. Elogia a decisão do Conar — Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária —, que vetou ações de merchandising estreladas por crianças e jovens ou dirigidas a esse público. Acesse a página do Conar, clique no botão “Código” e depois no link “Capítulo II – Princípios Gerais”. Leia a Seção 11, que trata da publicidade voltada para crianças. Ela receberá agora um acréscimo com o veto — não é proibição legal, mas as decisões do órgão são respeitadas — ao merchandising para crianças.

Todos sabem que, há alguns dias, entrei aqui numa porfia com uma ONG chamada Alana, que fez pressão para que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), não vetasse projeto de lei do deputado estadual Rui Falcão, também presidente do PT, que simplesmente proibia a veiculação de anúncios, entre 6h e 21h, de alimentos de baixo teor nutritivo. Além de inconstitucional — dois artigos da Carta estabelecem que a competência para legislar sobre o tema é federal —, tratava-se de uma estrovenga notoriamente autoritária. Não vou repisar argumentos. Basta recorrer aos arquivos. Saibam: há centenas de propostas circulando no Congresso criando óbices à publicidade. Os valentes querem os meios e comunicação reféns da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal e congêneres.

Voltando ao pensamento fofo
Bucci escreve alguns parágrafos elogiando a medida, que também apoio, e afirma como se anunciasse uma novidade (em vermelho): “Atenção: o Conar admite, com todas as letras, que os públicos infantis são “vulneráveis” e precisam de proteção. Que bom que o próprio mercado publicitário – representado pelo Conar – dê mais esse passo.” Tiro n’água. Atenção! O Conar não passou a admitir isso agora. Na já citada Seção 11 do Código da entidade, há esta nota (em azul): “Nota: Nesta Seção adotaram-se os parâmetros definidos no art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90): “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” Logo, essa vulnerabilidade estava, desde sempre, admitida.

Nesses parágrafos, emite alguns conceitos com os quais não concordo, mas que não merecem resposta porque se trata de lateralidades, de irrelevâncias. Vou me fixar a trechos em que ele, com efeito, faz uma lambança dos diabos, embora possa passar por esperto. Vamos lá. Agora ele segue em vermelho, e eu, em azul.

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A segunda razão para comemorar as novas regras é que elas ajudam a esclarecer que a liberdade de anunciar produtos não é exatamente igual à liberdade de expressão do pensamento. As duas têm status distinto na democracia. A liberdade de manifestação, de externar opiniões, assim como a liberdade de imprensa, compõe um direito fundamental inviolável. Um cidadão tem o direito pleno de, digamos, escrever um artigo em jornal defendendo a legalização da maconha e de sugerir um projeto de lei para legalizá-la. Com a publicidade é diferente. Uma agência de publicidade não tem o direito de fazer uma campanha enaltecendo o consumo da maconha do tipo A ou do tipo B. Não porque os publicitários, que também são cidadãos, não tenham liberdade de se manifestar – isso todos temos. Essa agência não pode fazer anúncio de maconha de nenhum tipo porque a maconha não pode ser legalmente comercializada – e a comunicação publicitária está subordinada às leis que regulam o mercado.
Bucci é formado em Direito. Foi presidente do 11 de Agosto… Nem parece. Acima, temos um misto de Dialética da Confusão com Dialética da Bobagem, que vai desaguar na Dialética do Autoritarismo Fofo (já chego lá). Vamos ver. Sim, na democracia, a liberdade de expressão é um direito fundamental. Ocorre que ela não é um sinônimo de “liberdade de informar”, como quer o articulista. Tanto a de informar como a de anunciar estão sob o guarda-chuva da liberdade de expressão e se equivalem, sim! Provo. A liberdade de expressão não confere a ninguém, por exemplo, o direito de caluniar terceiros. Sabe por que não, Bucci? Porque a calúnia é um crime tipificado. Um articulista que queira escrever um texto pregando o assalto a mão armada, a pedofilia ou o peculato não está protegido pela “liberdade de expressão”, que também não fornece licença para a apologia do crime. Você está errado, Bucci. Os meios de comunicação não podem veicular um anúncio de maconha NÃO POR CAUSA DA DIFERENÇA DE STATUS ENTRE A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A LIBERDADE DE ANUNCIAR, mas porque as leis que temos regulam, meu senhor, a liberdade de expressão. E, por óbvio, não se pode vender maconha na televisão tanto quanto não se pode defender a pedofilia nos jornais (e em lugar nenhum!). Se não ficou claro, posso pedir a alguém um desenho.

Ocorre, meus caros, que essa confusão deliberada de Bucci — burro, ele não é; é até bastante esperto — prepara o triplo salto carpado para a Dialética do Autoritarismo Fofo, que vem agora.

A publicidade comercial é uma extensão do comércio devidamente legal. Assim, só se podem anunciar as mercadorias e os serviços cuja comercialização não conflite com a legislação vigente. Portanto, a liberdade de anunciar não se enquadra no rol das liberdades fundamentais de informar e de ser informado. A publicidade veicula ideias e conceitos, ou algo próximo a isso, mas não realiza o direito de expressão do pensamento. Ela é uma atividade acessória do comércio, subordinando-se, logicamente, às leis do comércio.
Eita! Que habilidade! Bucci é meu candidato a Conselheiro Bonzinho do Autoritarismo Perfeito. Notem: se a publicidade não se enquadra no rol das liberdades fundamentais e é só uma expressão “do comércio”, sempre que uma entidade, como a Alana, ou um deputado, como Rui Falcão, quiser proibir a propaganda disso e daquilo, não se falará, então, de liberdade de expressão, mas de mero disciplinamento das atividades do comércio.

Brinquei, num post anterior, que, se o petismo fosse o islamismo, Bucci jamais seria da Al Qaeda (a Al Qaeda eletrônica o ataca porque não o considera petista ou esquerdista o bastante; é que ela é burra o bastante…). Não! Ele seria um desses “moderados” da Irmandade Muçulmana. Assim, se, um dia, a Irmandade Petista conseguir o consenso necessário para proibir propaganda de biscoito, estaremos tratando de mera questão comercial. Se um dia se decidir proibir a dos bancos, idem. Se for a dos carros, também. Ao reduzir a propaganda a mera expressão das, digamos, “transações capitalistas” — ele não se expressa nesses termos porque não é um desses esquerdistas babões e barbudos; seu pensamento tem colarinho fechado, é fofo! —, Bucci a expõe aos consensos e falsos consensos dos arbítrios militantes. Adiante.

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Para sorte do País, a postura do Conar nesse episódio não se deixou confundir com o fanatismo dos fundamentalistas, segundo os quais qualquer senão a um comercial de refrigerante traz em si a mesma violência dos atos que censuram a imprensa. Ora, são matérias inteiramente diversas. Uma não tem nada que ver com a outra. O Conar não censura nada nem coisa nenhuma, apenas zela pela credibilidade do seu ramo de atuação. Anunciar quinquilharias para crianças de 5, 6 anos de idade por meio de subterfúgios e técnicas de dissimulação, por favor, isso, sim, pode ser visto como uma violência inominável. Isso, sim, conspira contra a credibilidade do mercado anunciante, em seu conjunto, e corrói a reputação de todo o setor.
Fanatismo de fundamentalistas? Está falando de quem? Eu me refiro diretamente a Bucci, um fanático do gradualismo fundamentalista… Quem é que trata como se fosse censura “qualquer senão a comercial de refrigerante”? Essa tática de debate não é intelectualmente honesta porque contesta o que ninguém disse para tentar vender uma espécie de agenda oculta. Ora, qual foi o tema em evidência nos dias que antecederam a divulgação da resolução do Conar? A tentativa do deputado Rui Falcão, chefão do PT, de proibir a propaganda de alimentos em São Paulo. Estupidamente, o projeto de lei foi aprovado na Assembleia, e o governador Geraldo Alckmin teve de vetá-lo. Bucci ignora solenemente o assunto. Faz de conta que isso nunca existiu. Faz sentido! Falcão não é um “moderado”, um “fofo”, como Bucci. Por ele, não haveria essa coisa de gradualismo, não!  Mais: quem é que defende o anúncio de “quinquilharias para crianças de 5, 6 anos”? A propósito: quais quinquilharias estão sendo anunciadas na TV?

Quanto ao mais, o uso de merchandising e de anúncios testemunhais para seduzir o público infantil – que é, sim, vulnerável – já não se admitem em diversas democracias. O Brasil também não precisa mais desse primitivismo. E vamos em frente, porque há mais a fazer.
“Há mais o que fazer”? A julgar pela Dialética do Pensamento Fofo, tremo só de pensar, hehe… Eu, um “fundamentalista” da liberdade individual — que não sou fofo e dou nome às pessoas de quem divirjo porque detesto o pensamento covarde —, apoio a restrição ao merchandising e acho que as crianças quase sempre podem ficar longe da propaganda. Aliás, quando critiquei a tal Alana, se bem se lembram, indaguei por que a ONG não enroscava com a propaganda de um banco que adorava usar os infantes. Indaguei e respondi. Não sou fofo.

Eu apoio a restrição do Conar ao merchandising dirigido ao público infantil. Bucci também apoia — tanto quanto a Irmandade Muçulmana queria o fim de Mubarak no Egito, e a oposição laica e liberal também. Só que eu não sou como a oposição laica e liberal do Egito. E, por isso, jamais me juntaria à Irmandade Bucciana porque as nossas diferenças são inconciliáveis. Se ele acha que a liberdade de anunciar é mera franja do comércio, então quer regular essa liberdade segundo os consensos que regulam o comércio, muito mais sujeitos a ondas de opinião pública e ao assalto do alarido militante.

Ocorre que o sr. Eugênio Bucci, o Mohamed Mursi do pensamento publicitário, ignorou em seu texto uma outra questão fundamental, talvez a mais importante de todas: a publicidade, que seria mera derivação do direito de fazer comércio, é quem, de fato, financia a liberdade de expressão, aquela outra, que ele chama de “direito fundamental”. Seria um caso único em que um direito infraconstitucional é esteio do direito constitucional.

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Sim, eu e ele estamos juntos na restrição ao merchandising pra crianças. Só que seu pensamento, creio ter demonstrado, tem um horizonte autoritário — embora fofo! —, e e o meu não. Eu continuo a ser um fundamentalista dos… direitos fundamentais!!! No longo prazo, tipos como Bucci são mais perigosos para a democracia do que Rui Falcão. Já que falamos de publicidade, ironizo: o produto “Falcão” não tem disfarces. Só compra quem quer. É um Falcão com cara de Falcão, que pensa como Falcão, que propõe coisas de Falcão, que atua como Falcão. Bucci pratica uma espécie de autoritarismo subliminar. Falcão conquista quem gosta de Falcões. Bucci seduz os trouxas bem-intencionados. Falcão, admita-se, vende o que está no rótulo. Bucci faz propaganda enganosa de apreço pela liberdade. E demonstrou isso ao excluir o direito de anunciar das garantias constitucionais.

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