A nota de Erenice e algumas questões sobre jornalismo
A ministra Erenice Guerra divulgou uma nota virulenta conta a VEJA. Segue em vermelho. Comento em seguida — eu mesmo, Reinaldo. Não falo, obviamente, em nome da revista. “Sobre a matéria caluniosa da revista VEJA, buscando atingir-me em minha honra, bem como envolver familiares meus, cumpre-me informar: 1) Procurados pelo repórter autor das aleivosias, fornecemos […]
A ministra Erenice Guerra divulgou uma nota virulenta conta a VEJA. Segue em vermelho. Comento em seguida — eu mesmo, Reinaldo. Não falo, obviamente, em nome da revista.
“Sobre a matéria caluniosa da revista VEJA, buscando atingir-me em minha honra, bem como envolver familiares meus, cumpre-me informar:
1) Procurados pelo repórter autor das aleivosias, fornecemos – tanto eu quanto os meus familiares – as respostas cabíveis a cada uma de suas interrogações. De nada adiantou nosso procedimento transparente e ético, já que tais esclarecimentos foram, levianamente, desconhecidos;
2) Sinto-me atacada em minha honra pessoal e ultrajada pelas mentiras publicadas sem a menor base em provas ou em sustentação na verdade dos fatos, cabendo-me tomar medidas judiciais para a reparação necessária. E assim o farei. Não permitirei que a revista VEJA, contumaz no enxovalho da honra alheia, o faça comigo sem que seja acionada tanto por DANOS MORAIS quanto para que me garanta o DIREITO DE RESPOSTA;
3) Como servidora pública sinto-me na obrigação, desde já, de colocar meus sigilos fiscal, bancário e telefônico, bem como o de TODOS os integrantes de minha família, à disposição das autoridades competentes para eventuais apurações que julgarem necessárias para o esclarecimento dos fatos;
4) Lamento, por fim, que o processo eleitoral, no qual a citada revista está envolvida da forma mais virulenta e menos ética possível, propicie esse tipo de comportamento e a utilização de expediente como esse, em que se publica ataque à honra alheia travestido de material jornalístico sem que se veicule a resposta dos ofendidos.
Brasília, 11 de setembro de 2010.
Erenice Guerra
Ministra-Chefe da Casa Civil da Presidência da República.”
Comento
1 – As negativas da ministra e de seu filho estão devidamente registradas na revista, a saber:
Erenice responde a VEJA
– Por escrito, Renato Hoffmann, da Casa Civil, respondeu às perguntas enviadas por VEJA a Erenice Guerra e esclarece que a ministra: Só recebe empresários, na condição de empresários, em seu Gabinete, com agenda prévia e pública, na forma preconizada no Código de Ética do servidor público. Em sua residência, a ministra recebe familiares e amigos, nunca pessoas na condição de empresários, e nessas ocasiões jamais trata de assuntos institucionais. Eventualmente, algum empresário pode ter comparecido à residência da ministra, mas como convidado de seus filhos, em momento social, jamais para tratar de qualquer negócio.
– Jamais esteve com empresários em conversas não republicanas, e jamais cobrou ou permitiu que cobrassem em seu nome qualquer valor para conceder qualquer tipo de vantagem. Qualquer ilação nesse sentido carece de prova. A ministra desde já dispõe o seu sigilo bancário para verificação, se for o caso.
– Nunca recebeu qualquer valor de qualquer empresa com a qual não tenha vínculo de prestação de serviços, que se restringe às empresas nas quais atua como membro do Conselho de Administração. Novamente informa que seu sigilo bancário está disponível para comprovar que jamais recebeu qualquer pagamento de qualquer empresa privada.
– Estranha o tom das perguntas formuladas e repudia qualquer ilação sobre uso indevido do seu cargo, seja direta ou indiretamente.
No caso de Israel, diga-se, as suas duas verdades aparecem na reportagem, como se nota num post abaixo. Primeiro, ele não sabia de nada: depois, ele se lembrou de tudo — embora tenha considerado a sua atuação muito natural. Erenice parece ter uma estranha concepção de jornalismo: acredita que, se ela negar uma evidência, essa evidência desaparece. Não é assim. A levar a sério essa visão muito particular do jornalismo, os veículos publicariam apenas “confissões”, uma vez que qualquer “outro lado” derrubaria “o lado”. Mas e quando não derruba, ministra?
2- Considerando que o Brasil ainda é uma democracia, onde vigora o estado de direito, recorrer à Justiça é um direito de todo cidadão. Erenice certamente espera do estado brasileiro independência e isenção, aquelas que até agora não foram demonstradas, por exemplo, pela Receita Federal, que tem faltando com a verdade reiteradamente, o que protege bandidos violadores de sigilo.
3 – A abertura de sigilos pode, eventualmente, provar alguma coisa, mas nem sempre é a evidência que nega a irregularidade. Falando em tese, não sobre a ministra em particular, o bom mentiroso tem sempre álibis fortes, que podem ser desmontados com investigação rigorosa e independente. A reportagem da VEJA traz fatos. Não podem ser contestados só com xingamentos.
4 – Erenice decidiu ser juíza da revista VEJA. Nas democracias – e, por enquanto, estamos numa democracia -, o juiz da qualidade de uma publicação são os seus leitores. Sei que os petistas não se conformam com isso. Por isso, tentam criar mecanismos que imponham censura ao jornalismo independente. A imprensa que se preza só é adversária de um governo se esse governo é adversário dos fatos e, em certos casos, da legalidade, da moralidade e do decoro.
5 – Entendo certa visão de mundo… Há, sem dúvida, certa imprensa – que chamo de “subjornalismo” – que, diante do que apurou VEJA, olharia primeiro para o Datafolha e o Ibope e pensaria: “Ih, a amiga da Erenice pode ganhar no primeiro turno, né? Acho bom não publicar”. Isso, sim, seria envolver-se de forma “virulenta e pouco ética” no processo eleitoral. O nome desse vírus é oficialismo. O compromisso de VEJA é com seus leitores e com a Constituição, não com quem está atrás ou na frente nas pesquisas eleitorais.
Sem contar que vale a máxima de uma personagem do filme Casablanca, não é mesmo? Tivesse a VEJA outro interesse que não a verdade, o lado que está no poder, em tese, sempre pode pagar mais. Que isso fique para quem põe um preço na sua consciência.