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A DIFERENÇA ENTRE MEDIDAS DE DEFESA DO ESTADO E DITADURA

A canalha pode se assanhar o quanto for. Não temo a solidão. Pouco me importa estar ou não com a maioria no caso de Honduras ou em qualquer outro. O consenso  contra o “golpe” não é o maior que já enfrentei. Este, na verdade, nem sequer chega a provocar muito a inteligência. Tudo é tão […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 16h47 - Publicado em 28 set 2009, 06h31

A canalha pode se assanhar o quanto for. Não temo a solidão. Pouco me importa estar ou não com a maioria no caso de Honduras ou em qualquer outro. O consenso  contra o “golpe” não é o maior que já enfrentei. Este, na verdade, nem sequer chega a provocar muito a inteligência. Tudo é tão claro para quem lê o que está escrito na Constituição de Honduras. Quando, por exemplo, o assunto é aborto legal de anencéfalos ou pesquisa com célula-tronco embrionária, bem, em casos assim, eu mesmo fico um tanto apreensivo porque sei que muitos dos que divergem de mim podem ter opiniões que considero respeitáveis, embora não sejam as minhas. No caso do pequeno e pobre país da América Central, basta defender ou não uma Constituição democrática; basta defender ou não as leis que regulam as relações entre os países. E isso vai determinar se o sujeito é favorável à volta de Manuel Zelaya ao poder ou justifica a estupidez na embaixada do Brasil. Dois mais dois continuarão a ser quatro ainda que tal consenso venha a ser fraturado pela matemática achada na rua.

Sim, a situação ficou como o diabo gosta e como os bolivarianos, em associação com Lula e Celso Amorim, planejaram: a intenção sempre foi empurrar Honduras para medidas de exceção, caracterizando um regime ditatorial – coisa que o governo interino não é – e proclamar, então, a vitória moral e intelectual que justificaria ou uma intervenção no país ou a guerra civil.

O governo interino editou um decreto que lhe permite proibir protestos públicos, suspender direitos individuais e limitar a liberdade de imprensa. Como se supõe, a canalha já veio como enxame: “E agora? É ditadura ou não é?” NÃO É!!! Bem, terei de falar, de novo, da Constituição. Leiam com atenção e no detalhe. É muito importante para acompanhar este caso com eficiência e combater tolices.

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.
§ 1º – O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:
– restrições aos direitos de:
a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;
b) sigilo de correspondência;
c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica;
II – ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes.
(…)

Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:
I – comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
II – declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Parágrafo único. O Presidente da República, ao solicitar autorização para decretar o estado de sítio ou sua prorrogação, relatará os motivos determinantes do pedido, devendo o Congresso Nacional decidir por maioria absoluta.

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Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:
I – obrigação de permanência em localidade determinada;
II – detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns;
III – restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei;
IV – suspensão da liberdade de reunião;
V – busca e apreensão em domicílio;
VI – intervenção nas empresas de serviços públicos;
VII – requisição de bens.
Parágrafo único. Não se inclui nas restrições do inciso III a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas Legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa.

Então…
Quem é do ramo já percebeu que os artigos acima são, sim, da Constituição, mas da Constituição de um país cujo nome oficial é República Federativa do Brasil. Se as medidas agora tomadas pelo governo de Roberto Micheletti caracterizam Honduras como uma ditadura, então o Brasil também prevê a ditadura em sua Constituição. Quem conseguir negar o que escrevo pode tentar contestar. Mas é inútil me xingar se não conseguir. Observem que o Brasil tomaria praticamente as mesmas medidas que Honduras toma se:
– “a ordem pública ou a paz social [estiverem] ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”;
– houver “comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa”;
– houver o risco de uma “agressão armada estrangeira”.
O governo precisará de autorização do Congresso, o que o governo Micheletti obteve .O  artigo 187 da Constituição de Honduras é, na prática, a versão em espanhol dos artigos  citados da Constituição brasileira:

ARTICULO 187.- El ejercicio de los derechos establecidos en los artículos 69, 71, 72, 78, 81, 84, 93, 99 y 103, podrán suspenderse en caso de invasión del territorio nacional, perturbación grave de la paz, de epidemia o de cualquier otra calamidad general, por el Presidente de la República, de acuerdo con el Consejo de Ministros, por medio de un Decreto que contendrá:
1. Los motivos que lo justifiquen;
2. La garantía o garantías que se restrinjan;
3. El territorio que afectará la restricción; y,
4. El tiempo que durará ésta.

Questão política
Mas não sejamos inocentes. O fato de as medidas de exceção decretadas pelo governo serem constitucionais, legais — e previstas em qualquer país democrático que vivesse situação semelhante —, não deixa de contribuir para agravar o isolamento do governo interino.

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Não existe golpe de estado que mantenha, como vem mantendo o governo Micheletti, intocado o arcabouço constitucional. Mesmo as medidas de agora estão amplamente justificadas. Ou alguém negará que o país passa por “perturbación grave de la paz”?

Isso não significa, no entanto, que o governo interino esteja exibindo os músculos. Ao contrário: pode ser um primeiro sinal importante de fraqueza. Considerando que a situação nas ruas não parece estar fora de controle, há uma possibilidade de que se tenha identificado algum risco de cisão interna, e as medidas mais duras buscariam manter a coesão. Há o risco de que provoquem o efeito contrário.

Estamos diante de uma ocorrência inédita. Nunca antes nestemundo um país foi esmagado, como está sendo Honduras, porque tomou medidas para manter a sua constituição democrática. Por que isso acontece? Ainda voltarei a este assunto, mas dou a pista: porque boa parte dos líderes que a pressionam pensaram, em algum momento do passado, em golpear a democracia e foram malsucedidos. Sim, queridos, isso vale até para Barack Obama e seus amiguinhos radicais. Só que chegaram ao poder pelo voto. E, pelo voto, não vêem mal nenhum em… golpear a democracia!!!

Isso significa que mudaram apenas de método, não de ideário.

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