Rede privativa do governo no 5G pode furar teto de gastos, dizem técnicos
Relatório técnico do TCU alerta que rede vai custar bilhões e pode nem ficar pronta e nem ser segura; ministros aprovam edital alegando interesse coletivo
O ministério das comunicações criou uma “rede privativa da administração pública federal” que vai custar bilhões aos brasileiros e corre o risco de sequer funcionar ou mesmo ser de fato segura, além de não ter previsão de Orçamento ao longo dos anos, segundo alertas feitos por técnicos do Tribunal de Contas da União em extenso relatório sobre o edital do leilão de 5G. Mas a maioria dos ministros do TCU votou a favor de manter a rede privativa no leilão, dizendo não ver irregularidades e sob o argumento de que existe um interesse coletivo na rede.
O governo diz que a rede é necessária para que se tenha segurança nas comunicações, que estaria ameaçada pelos chineses da Huawei que hoje possuem a tecnologia mais avançada e barata no 5G. Como seria muito caro para o país deixar os chineses de fora da rede que atenderá todo o país, o governo criou a tal rede privativa. Desta forma, o governo estaria proporcionando uma economia ao país e, portanto, seria de interesse da coletividade. A tal economia foi estimada com base em estudos que estimam o impacto de 104 bilhões de dólares do 5G no PIB, mas que cairia cerca de 30 bilhões de dólares se a Huawei fosse excluída, argumento acatado pelos ministros.
Os técnicos dizem que não são contra a existência da rede privativa, mas alertam para as irregularidades que viram no edital como, por exemplo, o fato de que rede privativa que será instalada em Brasília será 4G, então não deveria estar num leilão de 5G. Vai conectar somente alguns órgãos públicos e a rede de banda larga só vai funcionar nas capitais. Será gerida por uma empresa privada, então a rede deveria ser instalada por um processo de licitação para que se pudesse obter o melhor preço. Não se sabe a extensão da responsabilidade das empresas privadas em entregarem a rede pronto. Não se sabe se o dinheiro é suficiente. A rede privativa não garante a segurança das comunicações, segundo os técnicos, e não há previsão de quem vai arcar com custos para acompanhar avanços tecnológicos ao longo dos anos. Vai custar de saída 1 bilhão de reais, dinheiro que virá do leilão do 5G, mas os técnicos mostram que outros 12 bilhões de reais serão necessários ao longo dos anos. Não há qualquer previsão de onde sairá o orçamento para a manutenção, o que ameaça até mesmo o teto de gastos do governo. Não foi apresentado contrato, projeto ou especificações técnicas prévias que amparem o interesse público.
O edital também prevê a criação de uma rede de infovias na Amazônia que segundo a equipe técnica não teria interesse coletivo e também teria problemas de execução. De saída, a rede Amazônia vai custar 1,5 bilhão de reais. Além disso, o edital também prevê a limpeza de faixa que vai custar mais 4,1 bilhões de reais. Todos esses recursos serão alocados a uma empresa privativa que vai gerenciar esses ativos.
Os ministros do TCU aprovaram o edital, em uma reunião tensa, em que o ministro Aroldo Cedraz foi praticamente impedido de pedir vistas do processo, para justamente analisar as irregularidades apontadas pelos técnicos. Mas em um movimento liderado pelo recém-chegado ministro Jorge Oliveira, indicado por Bolsonaro, Cedraz terá apenas 7 dias para se manifestar, quando pediu 60 dias. Mesmo assim, os outros ministros já apresentaram seus votos favoráveis ao edital sem a exclusão dessas redes.
O Ministério das Comunicações enviou a seguinte nota à coluna: “O Ministério das Comunicações afirma que não há qualquer violação à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ou aos princípios de universalidade e do orçamento bruto, uma vez que não haverá realização de despesa por parte da União no exercício atual e tampouco no subsequente. Se não há ônus ao Estado, não há razão para figurar no orçamento público e tampouco impacto sobre o teto de gatos. Em painel de debates realizado no Tribunal de Contas da União (TCU), no dia em 17 de junho de 2021, o próprio Ministério da Economia — representado pelas secretarias do Tesouro Nacional (STN) e de Orçamento Federal (SOF) — deixou claro que não há violação às normas financeiras e orçamentárias federais.”