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Por Mario Mendes
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O fetiche da Ditadura

Sou vintage – porque “antigo” é coisa de quem não tem consciência de estilo – um homem do século XX. Então lá nos idos da era Disco, quando os militares ainda mandavam por aqui, eu estava nos bancos da ECA, na Universidade de São Paulo.  Sim, eram dias de globo espelhado e brilhos de paetê […]

Por Da Redação Atualizado em 2 fev 2017, 08h56 - Publicado em 7 set 2016, 19h07
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Manifestantes contra o governo Temer, em São Paulo (crédito – Ricardo Matsukawa)

Sou vintage – porque “antigo” é coisa de quem não tem consciência de estilo – um homem do século XX. Então lá nos idos da era Disco, quando os militares ainda mandavam por aqui, eu estava nos bancos da ECA, na Universidade de São Paulo.  Sim, eram dias de globo espelhado e brilhos de paetê nas noites, mas também de coturnos na rua e censura na cultura. Nós, jovens universitários, vivíamos na bolha do campus entre elucubrações epistemológicas em sala de aula e festas movidas a vozes alcoolizadas de “caminhando e cantando e seguindo a canção”, na cozinha, e a gandaia das Frenéticas na sala.

Lembrei de tudo isso por causa de certa aula prática na antiga – essa era antiga mesmo – oficina de artes gráficas da ECA. Entre nós, marinheiros de primeira viagem, havia uma aluna veterana cursando DP  e a cada novo acessório ou aparelho de impressão que o professor nos apresentava, ela imediatamente o associava a algum instrumento de tortura utilizado nos porões da Ditadura: garrote, choque elétrico, porrete etc. Falava, sem a menor cerimônia, em um tom entre o debochado e o fascinado e, quando o mestre sacou um rolo para espalhar tinta negra sobre o clichê de texto formado pelas caixas altas e baixas, ela disparou exultante: “Agora é hora de tocar piano!” – o  manjado jargão usado para designar o registro de impressões digitais quando se tira um documento ou, no caso, quando se é fichado na polícia. Um outro aluno, também veterano,  um tanto incomodado com aquilo, perguntou: “Como você sabe de tudo isso?”. E ela, francamente chocada: “Como fulano, você nunca foi preso? Você não tem ficha no DOPS?”.

Para quem não sabe, DOPS era o Departamento de Ordem Política e Social, órgão governamental de trágica e dolorosa lembrança que, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas e o governo militar, reprimiu, torturou e matou inúmeros acusados de atentar contra o regime. Enfim, segundo nossa colega militante engajada – lembro de outra aula, de Sociologia Comunicação, se não me falha a memória, em que ela misturou alegremente Adorno, Escola de Frankfurt e as mais recentes deliberações do PC Soviético – não ter uma passagem sequer pelo DOPS era tão constrangedor quanto, em certos círculos, não possuir o acessório de moda da última temporada. Como se dizia então, “não estava com nada”, era de uma “tremenda caretice”. Volto ao episódio porque num giro pelo noticiário dos últimos acontecimentos no país e, sobretudo, no bruhaha babélico das redes sociais, o fetiche  da Ditadura – aquela nossa velha conhecida, que chamávamos de “Gloriosa” – está novamente nas paradas, firme, forte e sacudido.

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Tenho tanto medo da ignorância, falta de noção e total crueldade que aplaude a truculência da PM quanto horror do nobre vitimismo que evoca um futuro imediato de censura, tortura e desaparecimentos em série com um misto de wishful thinking, prova e virtude e retidão de caráter – traduzido no apocalípitico “Isso é só o começo…”, com direito à gargalhada diabólica do Thriller, de Michael Jackson.

Só espero não ter de ouvir: “Como? Você não aspirou o gás das bombas na manifestação de anteontem?”.

#prontofalei

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