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Resposta a Ratinho sobre o excesso de “viados” na Globo

O problema não é a quantidade de gays nas novelas, mas a forma como são representados

Por Maicon Tenfen Atualizado em 5 jan 2018, 10h42 - Publicado em 5 jan 2018, 09h32

Prezado Ratinho:

O vídeo com o seu comentário sobre a presença de homossexuais nas novelas da Globo possui um acerto razoável e um erro medonho.

O acerto está no momento em que você diz:

— É viado às seis da tarde, é viado às oito da noite, é viado às nove da noite, é viado às dez, é muito viado.

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De uns tempos pra cá, com efeito, a Globo tem investido pesado numa dramaturgia que tematiza os problemas de personagens homossexuais. Não sei dizer por que a emissora está fazendo isso, se está abraçando uma causa ou se está atendendo a uma demanda de mercado baseada em pesquisas, mas essa não é a pergunta que interessa.

Antes de tudo, deveríamos perguntar por que nós, heterossexuais, deveríamos nos incomodar com a presença de gays em filmes, telenovelas e afins. Retornarei à questão no final.

Vamos primeiro ao seu erro. Ao se referir à minissérie Entre Irmãs, que se passa nos anos 1930, você reclama que a Globo colocou viado até em filme de cangaceiro.

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— Naquele tempo não tinha viado, não. Você acha que tinha viado naquele tempo?

Eu acho. Aliás, eu tenho certeza. Não só naquele tempo como desde os primórdios da humanidade. Basta verificar na literatura e em documentos históricos similares. A homossexualidade está presente na Ilíada de Homero, no Satiricon de Petrônio, na Divina Comédia de Dante e nos infinitos textos que surgiram da Renascença pra frente.

Na realidade, nunca foi problema a escassez de homossexuais nas narrativas do mundo, mas certamente foi problemática a forma como eles são retratados. Às vezes aparecem como amantes dos protagonistas (Ilíada), às vezes como andarilhos inconsequentes (Satiricon) e às vezes como sodomitas perversos condenados ao fogo mais inclemente dos infernos (Divina Comédia).

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No Brasil, os primeiros romances de destaque que trouxeram os homossexuais à tona surgiram apenas no final do século XIX. É o caso de Bom Crioulo, de Adolfo Caminha, que trata do complicado relacionamento entre dois cangaceiros, ops, dois marinheiros, e do super clássico O Cortiço, de Aluísio Azevedo, que mostra como a inocente Pombinha cai nas garras da lúbrica Madame Léonie.

Esses livros, meu caro Ratinho, se você puxar pela memória dos tempos em que frequentava a escola, são classificados como “naturalistas”, e é aí que se encontra o cerne da questão. Naquela época não se falava em homossexualidade, mas em homossexualismo, ou seja, uma doença, uma patologia, uma disfunção talvez congênita que ultrapassava as raias da moral e atingia em cheio a esfera da psiquiatria.

Novamente, o problema não está na quantidade, mas na qualidade da representação.

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Dando um salto abissal da literatura para as novelas da Globo, devemos reconhecer que personagens homossexuais sempre estiveram lá, pelo menos desde os anos 1970, quando a emissora assumiu a liderança do horário nobre. Só que os gays daquele tempo, além de serem mais enrustidos, eram sempre os malvadinhos da história, senhores de uma veadagem do mal, mórbida e cavernosa, cheia de trejeitos que serviam para atiçar a ojeriza da plateia contra os vilões.

Era mais ou menos como acontece no seu programa, ou acontecia, já que não assisto ao Show do Ratinho há pelo menos 20 anos (e a culpa é sua, pois uma vez você disse: “aqui é baixaria mesmo, quem quiser cultura que assine a TV a cabo”). Se for como caricatura ou concessão carnavalesca, fica mais difícil de ofender porque as pobres diabas das bichas, expostas ao ridículo, ficam lá longe do telespectador e da pureza da sua sala de estar.

Estou dizendo com isso que a Globo evoluiu na maneira como representa os homossexuais? Acho que sim, ainda que os estereótipos continuem a dominar. Ontem, por exemplo, graças ao seu vídeo, Ratinho, parei para assistir ao capítulo de O Outro Lado do Paraíso. Bingo: lá estava a trama de um homossexual representado por Eriberto Leão, flagrado pela mãe, a excelente Ana Lúcia Torre, que não consegue aceitar uma coisa daquelas em sua família.

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— Eu disse pra nossa vizinha que o meu filho era macho! — E ela vocifera com um desespero rodriguiano: — Macho, macho, macho!

Mãe e filho fazem um acordo para esconder o segredo, até que surge a esposa Ellen Rocche, a própria representação da vida, doida para fazer um amorzinho gostoso com o marido gay. É claro que o Eriberto vai se dar mal com esse negócio de esconder o jogo.

Os conservadores, Ratinho, e você deve ser um deles, embora bem falsão e oportunista, temem que as novelas possam transformar a totalidade dos brasileiros em homossexuais. Arrisco dizer que não. Simplesmente porque a dramaturgia, ao mostrar os gays com um mínimo de realismo, acaba explicando ao grande público que nem sempre a vida deles é fácil. Ao contrário: às vezes pode ser um inferno.

Pra terminar, a pergunta que lancei lá em cima: por que os héteros deveriam se incomodar com a presença de homossexuais na TV? A única resposta que me ocorre é tão batida que só pode ser verdadeira: porque não estão tão seguros assim da própria heterossexualidade.

Ratinho, eu nem sabia que você ainda estava na televisão. Prometo que vou gastar uns dez minutos para ver se o seu programa melhorou um pouco, ou se continua a mesma apelação fácil de sempre. Feliz 2018.

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