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Resoluções de fim de ano conforme as Máximas de Polônio

Personagem criado por Shakespeare podia ser um tagarela, mas deu alguns dos conselhos mais preciosos da literatura

Por Maicon Tenfen 26 dez 2017, 13h20

O “aconselhamento” é um passo poderoso das narrativas de formação. É o instante em que o herói, prestes a sair da casa paterna para enfrentar os perigos do mundo, recebe uma série de máximas que deverão auxiliá-lo na jornada. Muitas vezes o jovem desdenha a experiência dos mais velhos — o que pode ser o prenúncio da perdição —, mas geralmente leva tudo a sério e ao pé da letra demais, o que também pode ser um problema.

A mais famosa lista de conselhos paternos pertence a Hamlet, peça capital de Shakespeare. Polônio não deixa que o filho Laertes parta para a França sem encher os seus ouvidos de advertências. Laertes e o público costumam bocejar durante o discurso. Como Polônio é considerado um tagarela pela maioria dos críticos, não é raro que os seus conselhos figurem como mera tagarelice, mas basta prestar um pouco de atenção para descobrir o erro que é subestimar as suas palavras.

Eis o trecho, segundo a tradução de Millôr Fernandes:

Não dá voz ao que pensares, nem transforma em ação um pensamento tolo. Amistoso, sim, jamais vulgar. Os amigos que tenhas, já postos à prova, prende-os na tua alma com grampos de aço; mas não caleja a mão festejando qualquer galinho implume mal saído do ovo. Procura não entrar em nenhuma briga; mas, entrando, encurrala o medo no inimigo. Presta ouvido a todos — mas você decide. (…) Não empreste nem peça emprestado: quem empresta perde o amigo e o dinheiro; quem pede emprestado já perdeu o controle de sua economia. E, sobretudo, isso: sê fiel a ti mesmo. Jamais serás falso pra ninguém. Adeus. Que minha bênção faça estes conselhos frutificarem em ti.

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Tudo bem se Polônio for mesmo um tagarela, isso não tem muita importância no momento. Como Shakespeare demonstra em inúmeras de suas peças, a sabedoria mais profunda costuma brotar das bocas mais insensatas e superficiais. Para aproveitar melhor o discurso de Polônio, basta quebrá-lo em sete máximas que podem muito bem servir como uma dessas listas de resoluções que insistimos em fazer — para jamais cumprir — na virada de cada ano.

1. Não dá voz ao que pensares, nem transforma em ação um pensamento tolo.

Tradução erudita e propositadamente enfática do popular “em boca fechada não entra mosquito”. Quem nunca se arrependeu de frases ou mesmo palavras que, se omitidas em tal ou qual contexto, não fariam a menor falta aos amigos, à família e à própria humanidade? Mas Polônio vai mais longe: se nos enforcamos com a própria língua, o que dizer dos instantes em que colocamos em prática a frivolidade dos nossos devaneios? Pensar antes de agir através de atos ou palavras é um dos conselhos mais valiosos do universo.

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2. Amistoso, sim, jamais vulgar.

Essa máxima possui grande aplicabilidade nos dias que correm, principalmente se você exerce algum cargo que exija as qualidades de um líder. O desejo de ser amado, que atualmente suplanta todas as cartilhas conhecidas do bom senso, faz com que a confusão entre liberdade e libertinagem seja total. Em vez de inspirar os subordinados para que subam à sua altura, o líder que se vulgariza apenas desce e se atola num pântano de improdutividade. As manifestações de apreço serão efusivas, mas só num primeiro instante. Em vez de ser amado como deseja, o líder está apenas ajudando a afiar a faca que há de golpeá-lo pelas costas.

3. Os amigos que tenhas, já postos à prova, prende-os na tua alma com grampos de aço; mas não caleja a mão festejando qualquer galinho implume mal saído do ovo.

Aqui não há muito o que discutir. Mesmo os membros mais devotos da Igreja Universal do Facebook são capazes de entender que não se encontra um “amigo de verdade” dando sopa em cada esquina.

4. Procura não entrar em nenhuma briga; mas, entrando, encurrala o medo no inimigo.

Em muitas regiões do Brasil costuma-se dizer que “dou um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair”. A frase é uma bravata evidente, mas também funciona como um mantra de prudência: “se eu entrar numa briga, então vai ser até as últimas consequências, por isso é melhor contar até dez e dar mais uma chance para a paz”. Em outras palavras, não vale a pena brigar por mixaria, mas, brigando, não se deve desistir depois do primeiro soco, seja a vantagem de quem for. Conclusão: encurralar o medo no inimigo será a última das alternativas porque é uma tarefa da qual não se pode desistir jamais.

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5. Presta ouvido a todos — mas você decide.

A máxima intui a existência de duas personalidades extremas: o indeciso e o autoritário. O primeiro não tem problemas em expor as suas dúvidas aos amigos. Os conselhos, no entanto, possuem pouca serventia porque o medo do arrependimento fará com que o indeciso seja induzido ao erro. Já o segundo, o autoritário, talvez por medo de ser confundido com algum fraco, fecha os ouvidos a todas as opiniões e, sem ninguém para recorrer, acaba se apegando aos próprios preconceitos. A coragem de decidir não vale muito nesses casos. Polônio deseja que Laertes concilie em seu espírito o melhor dos dois extremos.

6. Não empreste nem peça emprestado: quem empresta perde o amigo e o dinheiro; quem pede emprestado já perdeu o controle de sua economia.

Não é por acaso que a primeira parte dessa passagem dos empréstimos seja a mais popular no discurso de Polônio. Ela possui uma universalidade inquestionável. Se ainda não aconteceu com você, duvido que nunca tenha ouvido histórias sobre amizades longevas que ruíram por causa de valores muitas vezes insignificantes. A segunda parte, menos conhecida, é ainda mais importante por mostrar o princípio de toda a danação. “Qualquer coisa, peço uma grana emprestada”. Você pensa que está no controle, mas acaba de dar o primeiro passo para o abismo do SPC.

7. Sê fiel a ti mesmo. Jamais serás falso pra ninguém.

Existe um norte retórico que faz Polônio resguardar essas duas frases para o final do seu discurso. Elas são a síntese, o arremate, a conclusão essencial de todas as ideias contidas acima. Ser fiel a si mesmo é a melhor maneira de cumprir os preceitos até então apresentados, pois assim evitaremos ter a boca frouxa e agir com vulgaridade oportunista, saberemos valorizar os amigos e evitar brigas infrutíferas, teremos a capacidade de consultar as opiniões alheias — para decidir no final! — e de gerenciar as nossas finanças com objetividade. Mas o verdadeiro fecho de ouro está na segunda frase. Se sou fiel a mim mesmo, é impossível que possa ser falso com os outros, já que a semente da traição ao próximo só pode nascer no ato de trair os meus próprios princípios.

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Além de Polônio — que seus conselhos frutifiquem em nós! — há outros conselheiros notórios na história da literatura, mas isso é assunto para outro dia.

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