O que as mulheres da vida real pensam de assédios e cantadas?
Todo mundo dá palpite, mas ninguém perguntou o que as verdadeiras interessadas acham da questão
Ainda que sejam figuras opostas, machistas e feministas possuem uma semelhança fundamental: ambos acreditam que têm o direito de dizer como as mulheres devem se comportar. Em seus propósitos mais íntimos, são como as duas faces de uma mesma moeda, e isso é bastante simples de entender.
O que não é simples é a situação de quem tem o comportamento regulado de um lado e de outro. Para machistas e feministas, a mulher nunca foi o sujeito do debate, apenas o objeto, a matéria, o corpus. Por isso travam uma disputa mesquinha pelo poder. Ou as mulheres agem conforme o desejo perverso dos machistas, ou se portam de acordo com as regras cada vez mais caprichosas das feministas.
Tomemos como exemplo as discussões sobre assédios e cantadas que mobilizaram a mídia nos últimos tempos. Jornalistas, psicólogos, escritoras, sociólogos, todo mundo dá palpite, menos a mulher da vida real, a mais interessada no assunto. Por mulher da vida real entende-se o grupo das que trabalham longe dos holofotes e por isso não teorizam sobre o comportamento humano.
São a maioria. Usam o transporte público diário e batem ponto em empregos considerados comuns. Estão no chão-de-fábrica das experiências que caracterizam a vida de uma mulher e por isso sentem o cotidiano na carne, quase nunca através de livros ou debates acadêmicos. Alguém perguntou a elas como acham que devem se comportar em relação aos homens?
Em compensação, personalidades como Danuza Leão aparecem nas Amarelas e dizem que “toda mulher deveria ser assediada pelo menos três vezes por semana para ser feliz”, ao passo que Heloísa Buarque de Hollanda, apenas para ficarmos com duas simpáticas senhoras, aposta que quem gosta de “fiu-fiu” são mulheres privilegiadas que têm guarda-costas e carros blindados.
De um lado a riquinha devassa, de outro a insegura disposta a tudo para levantar o astral? Não sei se Danuza e Heloísa perceberam, mas pintaram duas caricaturas que passam a quilômetros da personalidade que aqui estamos chamando de mulher da vida real. Como essa mulher se sente diante de uma manifestação de interesse masculino? Qual é, para ela, a diferença entre assédio e cantada?
Para um machista a resposta é óbvia: se o engraçadinho for bonitão e bem vestido, será cantada; se for um zé-ninguém sem sex appeal, será assédio. Para uma feminista a pergunta também não oferece dificuldade: não existe diferença entre assédio e cantada porque tudo é estupro e não se fala mais nisso. Será que todo esse maniqueísmo tem algo a ver com a opinião da mulher da vida real?
Vamos perguntar, mas como fazer para descobrir o ponto de vista de um grupo tão numeroso? Infelizmente, não se pode confiar nas redes sociais, um território selvagem onde gritam os loucos e se calam os ajuizados. Que tal um instituto de pesquisa sério e com metodologia isenta? Haveria algum disposto a se ocupar do caso? Não faltaria interesse por parte do público.