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O Feminismo está causando mais danos que o Fascismo e o Moralismo juntos

Se seguisse as regrinhas que as feministas estão ditando para “construir um mundo melhor”, Nabokov escreveria no máximo um comercial de margarina

Por Maicon Tenfen Atualizado em 17 Maio 2018, 02h07 - Publicado em 17 Maio 2018, 01h09

Existe uma confusão generalizada sobre o que seja o FEMININO, o FEMISMO e o FEMINISMO. Enquanto o Feminino é uma categoria que diz respeito aos aspectos sociais e pessoais que cercam a vida de uma mulher, o Femismo se contenta em ser um ódio displicente ao masculino, uma espécie de Machismo com sinal trocado, uma forma pueril de disseminar o preconceito e o desentendimento entre os gêneros. O Feminismo, por sua vez, é um conjunto de discursos teóricos postos ou não em prática que propõem mudanças profundas na sociedade. Possui em sua essência as reivindicações do Feminino, mas não é raro que se expresse com a precipitação e o rancor do Femismo mais vulgar.

E é natural que isso aconteça, simplesmente porque o Feminismo atingiu o status de movimento político, e os movimentos políticos, como sabemos, nem sempre representam a sua base de apoio. Um belo exemplo pode ser encontrado nas diferenças entre o Socialismo doutrinário e o Socialismo posto em prática. Um movimento que nasceu para defender os interesses dos operários e dos camponeses acabou por aprisioná-los através da propaganda e da violência. Quando temos certeza absoluta de que estamos fazendo a coisa certa pelo bem de uma determinada classe, basta um passo pequeno para transformar a nossa ação num autoritarismo semelhante ao que desejávamos combater.

Nos últimos anos, justamente por levantar uma bandeira necessária, o Feminismo vem revelando tiques que se assemelham a tendências como o Fascismo e o Moralismo. Assim como os antigos moralistas, muitas feministas se arrogam o direito de policiar as pessoas em suas vidas públicas e privadas. Depois de séculos de vigilância patriarcal, mulheres que nasceram num ambiente propício à liberdade se veem cercadas por “sacerdotisas” que, sob o pretexto de evitar a objetificação do corpo feminino, ditam regras de comportamento que causariam inveja a qualquer Madre Superiora da Idade Média. Rejeitar flores para não entrar no jogo dos machistas parece ser o trending top das listinhas mais exageradas.

(Aqui me atrevo a dar um conselho: se você é daquelas que recebem flores o tempo todo, a desculpa do feminismo até é válida para se livrar dos chatos. Agora, se as flores não costumam tocar a sua campainha com frequência, aceite ou devolva o buquê por sua própria conta e risco, e não porque obedece às ordens de alguma mestra-sabe-tudo que está enchendo a bolsa com palestras sobre empoderamento. Você, que é mulher, sabe como as mulheres são competitivas. Enquanto as bobinhas aprendem a se envergonhar da própria feminilidade, as espertalhonas põem as rosas no vaso e agarram as oportunidades que lhes interessam. Não é por acaso que as redes sociais estão se enchendo de ex-feministas. Ninguém aguenta ser fantoche por muito tempo).

Mas essa questão comportamental, no fim das contas, adquire tons de irrelevância a partir do momento em que certas agentes do Feminismo, com suas propostas de CENSURA a livros, filmes e obras de arte, “evoluem” de uma ressurreição caricata do Moralismo a um Fascismo que tende a se institucionalizar. De forma irrefletida, feministas que atuam na área cultural estão montando listas de clássicos antigos e modernos que devem ser, por ordem, dessacralizados, relativizados, demonizados, proibidos e finalmente banidos da face da terra. Na Espanha, por exemplo, querem que os ingênuos e indefesos estudantes do Ensino Médio deixem de ler Pablo Neruda. Motivo: o poeta seria um machista falocrata da pior estirpe!

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Teve ampla repercussão o artigo da escritora catalã Laura Freixas contra Lolita, livro publicado por Vladimir Nabokov em 1955 e considerado por inúmeros críticos como um dos dez maiores romances do século XX. Segundo ela, em tradução livre, “Lolita é uma história de violência exercida por um homem contra uma mulher (…) que mostra, e implicitamente justifica, a violação de uma menina, a redução do ser humano feminino à condição de objeto para o prazer masculino”. Bem, tudo isso é verdade. A escritora só não pôde ou não quis entender que a história é narrada em primeira pessoa pelo próprio violador, Humbert Humbert, um psicopata obviamente não-confiável que tenta justificar os seus crimes no tribunal.

Em sua sanha de atacar o suposto patriarcalismo de Nabokov, Freixas lê a prosa literária, ambígua por definição, como se fosse um texto compromissado com verdades objetivas. Finge não perceber que o grande mérito de Lolita é mostrar em chave irônica como Humbert distorce os fatos, declarando-se apaixonado e seduzido pela menor (afinal, é o ponto de vista dele, um pedófilo) no intuito de ter a pena reduzida. Suas táticas são ardilosas e sua visão de mundo é repugnante. Uma rápida consulta na Wikipédia ao verbete “autor implícito”, conceito criado por Wayne Booth, explicaria à articulista que existe um abismo entre os pensamentos de um personagem e as opiniões da pessoa física que o criou.

Se essa inquisição literária for levada a sério, não restará uma única biblioteca aberta no Ocidente. Se Lolita é um canto de louvor à pedofilia, e não o seu oposto, o que dizer de Morte em Veneza, de Thomas Mann?  Como Humbert, Gustav von Aschenbach também é um homem de meia idade que de repente se vê atraído por Tadzio, um menino, e empreende uma jornada em busca do seu amor (que jamais se realiza). A diferença é que Aschenbach, longe de ser um criminoso, é apenas um homem infeliz tocado por uma beleza “que as palavras não podiam exprimir”. Um cínico perguntaria se os meninos não merecem proteção contra os tarados, mas a verdade é que Morte em Veneza, como Lolita, é uma obra complexa demais para os simplismos autoritários que nos rodeiam.

Não deixa de ser curioso que os livros de Thomas Mann e Vladimir Nabokov, respectivamente, sobreviveram à fúria ensandecida dos fascistas europeus e dos moralistas americanos. Sobreviverão ao Feminismo? Difícil prever, já que a tática, agora, é postular cartilhas que impõem a censura com antecipação. Se estivessem vivos e seguissem as regrinhas que as feministas (e o politicamente correto em geral) estão ditando para “construir um mundo melhor”, o máximo que Mann e Nabokov conseguiriam escrever é um roteiro para propaganda de margarina. Essa é a arte que teremos no futuro: humanitária, edificante, limpinha, medíocre, oportunista… e insuportavelmente chata.

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