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Erico Verissimo é um antídoto para a doença da polarização – parte III

Ainda que detestasse o proselitismo, os romances que sucederam O Tempo e o Vento levantaram a bandeira política com criatividade e determinação

Por Maicon Tenfen 3 Maio 2018, 08h10

(Continuação do post publicado aqui).

“Quando escrevo”, disse Erico Verissimo, “não pergunto a que grupo ou partido político vou servir. Não permitirei que usem o meu nome em benefício de qualquer manobra política, seja ela burguesa ou comunista”.

A única vez que se manifestou no âmbito da política partidária foi em 1974. Diante dos descalabros praticados pelo regime militar, redigiu uma carta de apoio à oposição representada em termos oficiais pelo MDB. Dada a influência e a autoridade moral do escritor, suas palavras causaram grande comoção entre os habitantes do Rio Grande do Sul. Cabeças se amontoavam e disputavam espaço diante da vitrine de uma antiga livraria porto-alegrense, onde a carta foi ampliada e exibida à apreciação do público.

Pouco antes, quando o mesmo governo cogitou, a exemplo do que ocorria com os jornais e a TV, a possibilidade de instalar a censura prévia para os livros editados no Brasil, Erico Verissimo, ao lado de Jorge Amado, prometeu que, se isso acontecesse, passaria a publicar seus romances exclusivamente no exterior. Temendo o vexame diante da comunidade internacional, a ditadura recuou.

Fato não menos importante ocorreu na mesma época, quando o experiente e respeitado autor de O Tempo e o Vento recusou o título de Doutor Honoris Causa, oferecido pela UFRGS, sob a justificativa de que jamais aceitaria honrarias de uma instituição que perseguiu inúmeros estudantes e alguns de seus melhores professores.

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Embora tivesse horror ao panfleto e tudo fizesse para que seus livros fugissem do proselitismo, os romances que se seguiram a O Tempo e o Vento, certamente graças à fase atribulada e nada democrática por que passava o país, levantaram a bandeira política com criatividade e determinação. Audacioso, o escritor que começou relatando casos de província — e se consagrou ao compor o painel épico de uma nação — terminou discutindo as grandes questões éticas e globais do nosso tempo.

Para se ter uma ideia disso, basta lembrar que O Senhor Embaixador (1965) e O Prisioneiro (1967) são duas reflexões corajosas sobre as atrocidades causadas pelo embate entre socialismo e capitalismo no âmbito da Guerra Fria. Enquanto no primeiro são discutidas as relações escusas entre os Estados Unidos e as oligarquias aristocráticas ou populistas da América Latina, no segundo, totalmente alegórico, visto que lugares e personagens sequer recebem nomes próprios, os álibis fabricados para legitimar a intervenção militar no Vietnã são rechaçados pelo olho clínico que comanda a narrativa.

Realização máxima dentro dessa última tendência do romancista, Incidente em Antares (1971) funciona como uma síntese de toda a sua obra. Localizando a ação numa cidade imaginária e prototípica do Rio Grande do Sul, o narrador, em mais uma reescritura mordaz de O Tempo e o Vento, discorre sobre a falta de caráter ou heroísmo entre as oligarquias dos Campolargo e dos Vacariano, famílias que lutam entre si. Na segunda parte do romance, adentrando pelo tratamento ficcional propriamente dito, Erico relata as decepções de sete mortos que, insepultos por causa de uma greve de coveiros, resolvem levantar dos caixões para exigir seus direitos e fazer o julgamento dos vivos. Na praça de Antares, reformadores e conservadores são despidos de suas mentiras pela fala afiada dos defuntos. Essa solução emprestada ao realismo fantástico servia ao claro propósito de enfiar o dedo na ferida da realidade nacional.

Por insistência do editor, Erico Verissimo resolveu escrever seu testamento literário na forma de uma autobiografia que se dividiria em três volumes. Apenas parte do projeto, a que chamou Solo de Clarineta, foi realizado. Faleceu na noite de 28 de novembro de 1975, vítima de um enfarte fulminante, rodeado pela esposa, filho e amigos.

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