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Dica de leitura para quem acha que será eternamente jovem

Contaminados por uma vaidade endêmica que vem das campanhas publicitárias, alimentamos a ilusão de que poderemos enganar o tempo e seus efeitos inexoráveis

Por Maicon Tenfen 19 jun 2018, 09h07

Um dos contos de Axilas e Outras Histórias Indecorosas, de Rubem Fonseca, começa com um diálogo entre um médico e uma de suas pacientes, Elza, que deplora o fato de ter se tornado velha:

— Quando me olho no espelho, tenho vontade de morrer. Contemplo as minhas fotografias de quando eu tinha vinte anos, você se lembra de mim quando eu tinha vinte anos, não lembra? E penso, como é que isso foi acontecer? Esqueço-me de que o tempo, como alguém disse, é o pior dos venenos. Eu devia ter morrido quando tinha vinte anos, não importa como, atropelada, assassinada, um tijolo caindo na minha cabeça. Se eu soubesse que ia ficar assim, olha para mim, olha para mim, anda, olha para mim, se eu soubesse que ia ficar assim eu teria me matado.

Elza, porém, não é a personagem principal da história. É o médico, que volta para casa e reflete longamente sobre o sofrimento de sua paciente. “Elza tinha razão”, conclui. “Para uma mulher linda como ela era aos vinte anos, a velhice é pior do que a morte”. Daí em diante — não vamos esquecer que estamos num conto de Rubem Fonseca — coisas estranhas começam a acontecer. O médico entende que já não pode fazer mais nada por Elza, mas ainda pode fazer muito por suas três sobrinhas de 18 ou 19 anos, belas conforme todos os padrões de estética e simetria. “Para elas seria melhor morrer enquanto fossem lindas”.

Vai daí, o médico, que também possuía conhecimentos de química, sai à cata de venenos eficientes para sacrificar as sobrinhas sem despertar suspeitas. Depois da primeira “boa ação”, o médico planeja eliminar as demais sobrinhas e, depois disso, “escolher outras jovens lindas. Havia tantas, coitadas (…) Fazer o bem é mais difícil e trabalhoso do que fazer o mal”.

***

Sarcasmo e crueldade são as marcas de Rubem Fonseca, mas seu conto aborda um dos problemas mais pontiagudos e abrangentes da contemporaneidade: o mito da eterna juventude que pretende se tornar verdadeiro com a ajuda das novas biotecnologias (fajutas ou não).

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Ao contrário do que acontecia com os antigos, parece que hoje ninguém está preparado para dizer adeus à juventude, realidade da qual não temos condições de escapar. Contaminados por uma vaidade endêmica que vem da burrice e das campanhas publicitárias, alimentamos a ilusão de que poderemos enganar o tempo e seus efeitos inexoráveis.

É por isso que, na mente psicopata do médico criado por Fonseca, a juventude e a beleza aparecem como maldições. Já que as sobrinhas não saberão lidar com a decadência física, matá-las seria, em vez de ato abominável, uma demonstração de piedade e — por que não dizer? — de amor. Deixá-las viver significaria entregá-las à ação do sofrimento. Como ocorreu com Elza, coitada.

***

Para fazer um contraponto a essa ilusão da eterna juventude, nada melhor que a leitura de escritores do período barroco, ou seja, do século 17, época em que se pensava a sério sobre a transitoriedade da vida. O espanhol Luís de Gôngora, o português Padre Vieira e o brasileiro Gregório de Matos compuseram precisas advertências contra as armadilhas e a vaidade desta vida, exatamente o oposto do que se faz hoje em dia.

Eram sábios, os antigos, pois percebiam que a frustração vem imediatamente depois de nos reconhecermos especiais, que o fracasso é o porvir do sucesso e que ninguém, por mais que se cuide, permanecerá jovem através dos anos. Naquele tempo, amadurecer significava aceitar que a vida e o prazer são passageiros. Hoje o mundo parece ser mais animado, mais vivo, mais colorido.

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A verdade, porém, é que estamos perdidos num shopping center existencial.

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Nas formosuras não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

Gregório de Matos e Guerra
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