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Como Chuck Norris derrotou um ditador comunista da vida real

O astro dos filmes de ação não apertou o gatilho, mas ajudou a preparar as mentes que fuzilaram Nicolae Ceausescu em 1989

Por Maicon Tenfen Atualizado em 25 set 2017, 04h06 - Publicado em 28 ago 2017, 03h02

Chuck Norris quase passou para uma melhor.

A sorte é que ele é mesmo Chuck Norris, o rei dos memes da internet — o único homem capaz de se ejetar de um helicóptero! —, e por isso resistiu a dois ataques cardíacos no mesmo dia, façanha impensável, segundo o seu médico, a qualquer outro mortal com os mesmos 77 anos de idade.

Parabéns, Chuck, estamos torcendo por você, queremos ver mais rasteiras em traficantes chicanos e mais roundhouse kicks naqueles japinhas tatuados da Yakuza.

Acontece que o carateca de Oklahoma é mais do que um artista marcial que conquistou a glória de interpretar a si mesmo. Ele é simplesmente considerado um dos responsáveis pela implosão do governo socialista de Nicolae Ceausescu, ditador que assolou a Romênia por quase 25 anos.

Essa pelo menos é a tese do documentário Chuck Norris vs Comunismo, de Ilinca Calugareanu, disponível na Netflix, que explica como cópias piratas de filmes ocidentais eram contrabandeadas pela fronteira da Hungria e distribuídas no interior da Romênia. Havia títulos para todos os gostos, mas os preferidos eram os filmes estrelados por Arnold Schwarzenegger, Sylvester Stallone, Jean-Claude Van Damme, Steven Seagal e, óbvio, Chuck Norris.

A dublagem acontecia num estúdio secreto e amador. Uma mesma tradutora, Irina Nistor, interpretava as falas de todas as personagens de cada filme. Ela se tornaria a voz mais conhecida da Romênia, depois do tirano Ceausescu, é claro, que todos os dias tinha os discursos transmitidos pelo único canal de TV do país. As fitas eram vendidas no mercado negro, e os poucos proprietários de videocassetes — os aparelhos custavam mais que um automóvel! — organizavam exibições clandestinas nos apartamentos dos imensos conjuntos residenciais coletivistas.

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O que os romenos viam nesses filmes? Tudo o que precisavam para ter um critério mínimo de comparação com a sua própria realidade: mesas fartas de guloseimas, automóveis novos rodando em estradas bem pavimentadas e mulheres com roupas sequer imaginadas num país em que a escassez era a norma. Mais do que isso, os romenos assistiam a exemplos e mais exemplos daquele que certamente é o maior dos valores ocidentais idealizados pelo cinema: a luta de um indivíduo solitário contra um mundo de adversidades que seriam obrigatoriamente vencidas no final.

Uma das cenas mais lembradas pelos entrevistados do documentário pertence a um dos maiores sucessos de Chuck Norris, Lone Wolf McQuade, de 1983, que aqui foi exibido à exaustão na Sessão das Dez do SBT. Lá está o nosso herói ferido, quase morto, sepultado sob toneladas de barro com a sua viatura turbinada. Ele abre uma cerveja (!?), gira a chave e, numa marmelada própria dos filmes de ação, salta com o carro do buraco para atropelar os vilões armados que o rodeiam.

Son of a bitch! — vibra o ajudante de McQuade.

Elogioso e estranho para entender, o xingamento é abrandado na tradução da senhorita Nistor, que inventa alguma coisa como “destemido, fuja logo daqui!”

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Mesmo que a qualidade da cópia fosse medonha, era impossível que um garoto, um homem feito, uma mulher, um velho que vivesse na Romênia dos anos 80 não enxergasse a metáfora diante do nariz. “Nós também podemos sair desse buraco em que o bandido do Ceasescu nos enterrou”. Poucos anos depois, no Natal de 1989, o ditador era fuzilado ao lado da esposa, Elena Petrescu, uma Lady MacBeth que se tornou a segunda, talvez a primeira, no comando do país.

O documentário sugere que o regime se descuidou dos filmes por considerá-los banais. Foi um erro mortal. Uma das primeiras providências de qualquer projeto totalitário, seja à esquerda ou à direita, é o sequestro e o controle do imaginário popular. Isso se faz com a censura dos jornais e a reescrita dos livros escolares, mas fundamentalmente com a filtragem das obras de ficção. Por medíocre que seja, uma história tem a capacidade de despertar as fantasias individuais e instalar a insatisfação com o mundo real.

É o primeiro passo das revoluções.

Como lembra Irina Nistor no final do documentário, “todos precisam de histórias”, inclusive das estreladas por Chuck Norris. O caso da Romênia mostra que hão de perecer os que desprezam ou subestimam a ficção. E os outros, os que acreditam na fantasia, mesmo que por falta de opção, correm o risco de transformar os sonhos em realidade.

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